Capítulo 2

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Eu nunca tinha visto humanos com olhos daquela cor.

Somente gatos, ou melhor, o gato da minha ex-vizinha. O bichano costumava aparecer em meu jardim todas as manhãs para tomar sol na balaustrada da janela do meu antigo quarto.

Fora Rogério — sim, esse era o nome do gato —, eu desconhecia outros seres vivos com os olhos daquela cor. Porém, eu não deveria demonstrar meu encanto com algo incomum em um cliente, por isso, voltei minha atenção para o falante Guilherme.

– ...e essas duas são Valentina Martins, nossa ginecologista e Grayce Kelly dos Santos, nossa enfermeira. – Guilherme terminou de apresentar sua equipe, mas, devido ao meu momento de distração, não ouvi os nomes dos outros dois homens.

– Bem-vindos a Cruzeiro do Sul. Sou Ísis, a capitã do Vitória Régia. – Apontei para o barco atrás de mim. – Por favor, entrem e sintam-se à vontade. Peço que, depois de se acomodarem nos dormitórios, me encontrem no convés principal. Tenho algumas regras para a segurança de vocês e, é claro, para a minha sanidade. – Brinquei, porém, sem perder a postura de liderança e o semblante austero. Talvez por este motivo que, ao invés de ouvir risos, avistei alguns rostos alarmados. O único que sorriu foi o tal Gustavo. Isso me incomodou.

Apósvinte minutos, todos já se encontravam sentados nas cadeiras que ficavamespalhadas pelo convés principal, no qual era coberto por causa das constanteschuvas da floresta. Depois de saudá-los mais uma vez, disparei a falar:

– Primeiro; o único perfume de vocês será o repelente de insetos, aqui, temos um mosquito conhecido como Potó-pimenta, se ele pousar em vocês e for esmagado contra a pele, causará queimadura. – Expliquei e todos concordaram. – Segundo; vocês precisam ficar atentos. É muito comum pequenos répteis e roedores entrarem no barco e se esconderem entre os pertences dos passageiros. Acreditem, não vão querer dormir com cobras entre os lençóis. Terceiro; respeito: evitem transitar seminus pelo barco, temos homens e mulheres na tripulação. Quarto; nada de entrar no rio para nadar sem me consultarem primeiro. Em muitas partes destas águas, há uma espécie de peixe gato, conhecido por candiru. Ele é um peixe parasita que se alimenta de sangue e tem a mania de entrar nos orifícios de banhistas desavisados. Com poucos centímetros de tamanho, entra facilmente no ânus ou uretra, e não difere homem de mulher. O problema é que em alguns casos as vítimas podem sofrer hemorragias sérias e infecções, como também morrer por conta da ação do parasita. Ele é atraído pela urina, então muito cuidado onde e como se aliviam. – Assim que terminei de falar, me deliciei com a expressão de espanto da ginecologista. – Quinto e último aviso; se caso encontrarem alguma fruta exótica no meio da floresta, não a coma sem antes nos consultar. Sei que este é um grupo médico, mas temos uma pequena farmácia na despensa no caso de sentirem enjoo. – Mantive a pose séria para dar crédito a minha fala. – Alguma pergunta? – Todos negam com a cabeça. – Ótimo. Agora me acompanhem, mostrarei o restante do barco a vocês.

De costas, sorri enquanto os ouvia cochicharem uns com os outros.

Mostrei a área pública do Vitória Régia: deque, cozinha e espaço de alimentação, os banheiros e por fim os quartos.

– O Vitória é um barco de médio porte. Ele tem o tamanho exato para navegar o Juruá, o rio mais suntuoso da Amazônia. Como o grupo não é muito grande, temos cabines de sobrando. Cada uma delas tem duas beliches. As noites que não chove são extremamente quentes, por isso, não se assustem ao verem alguns de meus funcionários dormindo nas redes que estão espalhadas no convés. Lá embaixo fica a casa de máquinas. É uma área restrita, apenas meu pessoal tem permissão de entrar.

– Capitã? – Jairo chamou minha atenção atrás do grupo.

– Sim?

– Estamos prontos pra zarpar.

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