Eram 3 da tarde de uma quinta-feira ensolarada e eu estava inquieto na casa da Jureia.
Não conseguia mais me concentrar na escrita do novo livro, ansioso pelo telefonema da Moça da Moto.
Conseguira escrever de manhã e jogara toda aquela ansiedade adolescente para o livro, mas quando percebi que a tarde chegou, e Carla ainda não tinha me ligado, comecei a ficar inquieto.
Peguei o celular para ligar pra mecânica, pensando no que ia falar pra fingir que estava ansioso apenas pelo carro. Teria que tomar cuidado pra não me trair. Carla não saíra dos meus pensamentos desde que me trouxera pra casa na garupa de sua moto e almoçara comigo, encantada pela surpresa de me conhecer pessoalmente.
Ensaiei alguma coisa pra dizer... afinal não queria sair do meu pedestal.
Ela é que era a fã e eu o astro! Não podia deixar transparecer que eu estava de quatro pela sua beleza e fascínio feminino.SURPREENDENTE E SENSUAL
Assim que apanhei o celular pra me render à ansiedade crescente, ouvi os cachorros latindo e um carro se aproximando pelas ruas de terra da casa. Não era o som da sua moto, mas reconheci o ronco do motor da Zafira.
Saí ansioso, até o portão, e a avistei trazendo o meu carro.
Apanhei a chave e abri o portão, procurando conter a minha surpresa e ansiedade, com o peito a milhão.
Ela desceu do carro. Estava mais linda do que nunca, num vestido branco e uma bolsa preta a tiracolo. Estava maquiada, com batom vermelho nos lábios, e um colar no pescoço. Tinha os cabelos escovados com glamour...
Estava bem diferente de quando eu a vi de jeans e bota no mercado e no seu local de trabalho. Pareceu que ela tinha se arrumado para um encontro especial...
Se ela já era estonteante de roupa simples, imaginem produzida!
Então eu falei.
- Não sabia que você viria trazer o carro aqui. - falei, tentando conter a ansiedade - Estava prestes a te ligar, pra ver se a peça já tinha chegado...
- Quis te fazer uma surpresa... - Ela disse me abraçando forte.
Estava perfumada e o cheiro do seu perfume ficou em mim.
Ela confessou que o meu carro tinha ficado pronto às 11 da manhã. Ela saiu pra almoçar e resolver alguns problemas da oficina no banco, mas demorou mais do que esperava. Disse que estava morrendo de fome, pois planejara entregar-me o carro antes das 13 horas.
- Vamos entrar, então, que eu também não almocei - eu disse - e preparo alguma coisa pra gente comer.
- Nada disso, - Ela corrigiu-me - Você prometeu que jantaria comigo, hoje. Não vou voltar pra oficina. Você gosta de comida japonesa?
- Adoro!
- Então vem comigo, que eu vou te levar pra comer a melhor comida japonesa de Peruíbe!
Me senti um molambo.
Eu estava de shorts, camiseta e tênis... Enquanto aquela deusa estava vestida pra um jantar... Pior é que eu nem tinha roupa adequada, ali em Peruíbe, pra me trajar a altura dela.
- Não dá Carla! Você tá uma gata, e a minha única calça aqui é de moletom!
- Eu sou uma gata! - Ela zombou do meu desconforto - Mas não é todo dia que saio pra almoçar com o meu escritor favorito...
Nossa! Como eu gostava de ouvir essa frase na sua voz!Já tinha ouvido esse elogio de homens e mulheres... mas o timbre de contralto na voz sensual daquela moça bonita, soavam como o Canto da Sereia aos meus ouvidos, e eu lia no seu semblante: "Você já conquistou a minha alma! Peça o que quiser que eu te dou"
- Prefiro um almoço mais simples à beira da praia, Carla - Eu solicitei - Um quiosque ou coisa assim...
Ela sorriu, entendendo a minha apreensão e assentiu.
- Já sei o que vamos fazer. Vou te levar pra almoçar na minha casa! - Ela falou pegando o celular pra fazer uma ligação e completou enquanto discava o número: - Mas teremos que ir com o seu carro, pois minha moto ficou na loja!
As vezes ela se referia ao posto da mecânica autorizada como oficina, outras vezes como loja.
Concordei. Ela já tinha me falado que sua mãe era mais fã dos meus livros do que ela, e isso me daria uma aliada, pra eu controlar a ansiedade que aquela moça bonita causava em mim.
ALMAS IRMÃS!
Eram 5 da tarde quando chegamos em sua casa, após passarmos pra pegar a refeição numa casa típica. Perguntei à Carla se sua mãe sabia que eu ia almo-jantar lá.
- Minha mãe? - Ela se surpreendeu - Minha mãe mora em São Paulo com meu pai, não aqui... - Ela sorriu da minha dedução errada - Eu moro sozinha!
Entramos no seu apartamento, simples e espaçoso no Centro da Cidade.
Ela ajeitou pratos de porcelana, talheres e taças sobre a mesa, de forma elegante. Colocou velas decorativas num castiçal de cristal e entregou-me um isqueiro.
- Acenda as velas enquanto eu vou fazer xixi. - Ela falou com descontração - Aliás, se você também quiser fazer xixi, ou lavar as mãos, tem outro banheiro ali na lavanderia.
Na sua espontaneidade, Carla misturava modos muito clássicos e refinados com simplicidade trivial.
Acendi as velas, depois fui ao banheiro lavar as mãos. Suspirei um pouco tenso.
Eu esperava visitar uma casa de família, mas estava novamente a sós, numa espécie de jantar romântico com uma mulher jovem e encantadora, que poderia escolher qualquer homem que quisesse, mas estava me cortejando... Havia algo de surreal naquela história, e cheguei a pensar que estava sonhando.
Dei descarga e saí do banheiro.
- Você toma saquê? - Ela perguntou
- Adoro saquê! Se tiver gelado eu prefiro...
- Sério?! Eu também, prefiro saquê gelado... - Ela me entregou a taça com saquê - Vamos fazer um brinde!
- A que brindaremos?
- Ao reencontro das Almas Irmãs!
Existem várias teorias espiritualistas sobres Almas Gêmeas, que se buscam no Universo através das encarnações, e, quando se encontram, sofrem uma atração irresistível, desafiando os protocolos convencionais e formalidades temporais. Mas eu já tinha encontrado a minha.
- Você acha que somos Almas Gêmeas? - eu perguntei.
- Não acredito em Alma Gêmea... Mas sei que somos Almas Irmãs, como Portador da Luz e Mayara. (Ela se referia a dois personagens do meu livro OS FILHOS DO AMOR)
Aquela sensação de medo, voltou a me incomodar.
Há 14 anos, quando Karina veio trabalhar comigo na divulgação dos Livros e CDs, eu a tratava como minha irmãzinha, quando nos apaixonamos perdidamente, e ela engravidou, gerando conflitos na minha harmonia conjugal.
Maior do que o medo das circunstâncias inusitadas é o medo que sentimos de nós mesmos quando perdemos o controle da situação.
Carla notou o meu vacilo e indagou:
- Falei alguma coisa errada?
- Nada errado, Carla... Você me traz lembranças de uma fase dolorida do meu passado.
Ela ficou um instante em silêncio. Depois esticou a sua taça na minha direção, dizendo:
- E você... renova a esperança no meu futuro!
Brindamos, e bebemos. Depois disso ela tornou a encher as nossas taças com saquê.
Rodeei a mesa e puxei a cadeira pra que ela se sentasse.
Ela sorriu e agradeceu: - Merci, monsieur!
Sentei-me na cadeira à sua frente e começamos a comer a deliciosa comida japonesa, manuseando os hashis.
Encarei-a de frente, segurei uma de suas mãos, acariciando-a de leve. Sorri e lhe perguntei.
- Está tentando me seduzir, Carla?
Ela se mostrou surpresa com a minha pergunta. Refletiu e inquiriu.
- Se eu estiver, tenho chances, senhor Paulo?
Percebi que ela não gostou da minha pergunta, pois retomou a velha formalidade impessoal que tivera na oficina. Joguei o seu jogo:
- Desculpe-me senhorita Carla, - sorri pra descontrair o papo - mas você é uma mulher jovem, de beleza estonteante. Está com um vestido sensual e um perfume delicioso. - Molhei o sushi no shoyo e o abocanhei. Limpei a boca com um guardanapo e prossegui: - Da minha parte, sou um homem de meia idade, calhiênte e vulnerável. Se a senhorita estiver tentando me embriagar e me possuir, temo lhe dizer que não terei a menor chance de defender-me e só me restará gritar por socorro aos vizinhos.
Ela estudou-me e inquietou-se com o meu sorriso, sem saber se eu falava sério ou brincava. Ela arriscou:
- Calhiênte e vulnerável... Essa é a sua melhor cantada?!
- Não é cantada, é pânico. Tô morrendo de medo!
- Medo! De mim?
- Medo do que você provoca em mim, mesmo quando não está estonteantemente linda como hoje, com este vestido sensual.
Ela finalmente sorriu com seus dentes perfeitos.
- Ah... essa cantada foi bem melhor!
VOCÊ ESTÁ LENDO
A MOÇA DA MOTO - Romance Espiritual de Paulinho Santos da Fratuni
RomanceCarla é uma jovem encantadora, que conheci casualmente na cidade praiana de Peruíbe. Meu carro quebrou perto da Reserva Ambiental da Jureia e ela me deu uma carona na garupa de sua moto. Conversando no caminho, descobri que ela era uma fã dos meus l...