6 - Substituta

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Luffy fez um esforço por se levantar ao ouvir a porta atrás de si ser aberta. Com o seu corpo dormente, a bunda dorida e o líquido branco a escorrer-lhe pelas pernas, sentiu o pé ser puxado pela corrente presa ao seu tornozelo e tentou apressar-se antes que o seu carcereiro se cansasse de esperar e mudasse de ideias sobre a sua rotina semanal. Apoiou a mão na parede e depois de uns segundos conseguiu, finalmente, ficar de pé. Foi, assim, levado para o banheiro do andar superior onde, com um chuveiro brando e tentando ignorar o outro que observava cada um dos seus movimentos, deixou as gotículas frias de água caírem sobre a sua pele num duche rápido para se livrar de todo e qualquer vestígio do mais velho em si. A sua garganta ainda doía do choro recente que parecia ameaçar voltar, os arranhões ardiam pelo contacto com a água e o sabão e a sua mente estava uma bagunça, no entanto, não podia deixar que nada disso atrapalhasse a única oportunidade que tinha, na semana inteira, de tratar minimamente da sua higiene.

Pegou a toalha branca e focou o olhar em qualquer azulejo azul decorado da parede para tentar ignorar o seu agressor como se isso o fizesse desaparecer. Sem sucesso... Se secou minimamente, tendo de imediato todo o seu corpo a se ressentir ao, de repente, duas mãos apertarem com força as suas nádegas.

- Não acabou ainda - reclamou o mais velho. Luffy assentiu, frustrado, sabendo o que vinha a seguir. Se ajoelhou com esforço no chão molhado diante do outro enquanto o mesmo descia as calças, dando continuidade á sua rotina semanal. - Chupe - ordenou o homem. Luffy, apenas fechou os olhos e fez o que lhe foi mandado, até engasgar com o líquido espesso na sua garganta e ser, finalmente, levado de volta ao seu cantinho do sossego, no quartinho escondido daquela casa.

Eram 15 passos da porta do banheiro ao final do corredor com paredes em tom de verde escuro e mais 27 degraus em madeira escura separavam um andar do outro. Luffy contara-os muitas vezes sem motivo aparente, ou talvez apenas para despistar a sua situação. Depois, mais 17 passos era o percurso que percorria até encostar na porta de ferro que o aprisionara por tanto tempo. Enfim, com um certo alívio pelo dia chegar ao fim passou por ele, entrando rapidamente no quartinho que era o seu cativeiro.

- Ei, pirralho - ouviu atrás de si. Se virou para o homem, estranhando o chamado. Antes que pudesse reagir, um soco o atingiu no estômago fazendo-o cair desamparado no chão. Já ia perguntar o motivo disso, quando um pontapé o jogou para o outro canto do quarto. - É só para recordar velhas memórias. Acha que não vi você choramingar no meio da tarde? - Provocou o outro. Luffy não respondeu. Abraçando o próprio tronco que agora o atormentava com uma dor ainda mais aguda do que antes, ficou quieto até o outro ir embora e fechar a porta.

Suspirou, tentando controlar a dor. Não parecia que tivesse partido nada, mas certamente aquilo lhe valeria algumas nódoas negras para a coleção. Enfim, se deixou cair sobre o chão sem se dar ao trabalho de voltar ao cantinho onde dormia habitualmente. Estava cansado. Exausto... A sua mente gritava por socorro, as imagens do que passara pelos últimos anos se fundiam para o atormentar. Aquele sorriso nojento, aquele cheiro a suor e a sexo impregnado no local que o enjoavam, aquela sensação de se sentir tão usado... Descartável... Morto...

Então, uma mão. Luffy praticamente deu um pulo para trás ao sentir algo lhe tocar na bochecha sem aviso prévio, dando de caras com um rosto infantil de uma garotinha que exaltava uma certa preocupação para com o seu bem-estar. A encarou por longos segundos antes de se lembrar finalmente de que, infelizmente para ela, ele não estava mais sozinho naquele quarto.

- Isso dói? - Murmurou a pequena com a mão sobre o próprio peito, um pouco exaltada ao notar a maior das cicatrizes que o garoto carregava. Luffy acenou em negação, se afastando um pouco mais em direção ao local onde antes havia deixado a criança, pegando do canto do banheiro os pedaços de tecido rasgado que, anos atrás, usara como ligaduras. Enfaixou os cortes feitos no seu corpo anteriormente de improviso enquanto a criança o observava e finalmente, colocou de volta a sua roupa o qual, desde horas atrás, ainda estava sem. Se sentou no colchão bem de vagar e Tama voltou a se aproximar contrariando o olhar do Luffy que lhe dizia para não o fazer. - Maninho, você tá bem? Sua pele está roxa. Tá machucado? Ele magoou você?

- Porque isso lhe interessa?

- Porque você parece mal! Você me mandou para aquele canto, mas se magoou por causa disso! - Luffy arregalou os olhos, surpreso, encarando a criança que ainda esperava uma resposta. Ele parecia mal... Sim, de facto Luffy estava longe de estar bem. Mas porque era uma simples criança, que não o conhecia de lado nenhum, que estava lhe perguntando aquilo? Porque ela se preocupava? Porque não podia, simplesmente, dar-se por feliz por não ter sido ela e deixar Luffy em paz?

- O que há de errado com você? - Indignou. Tama o encarou, sem perceber. Então, finalizou a sua aproximação sentando de frente para Luffy, estendendo a mão ao garoto dos olhos castanhos que, encolhido, parecia cada vez mais confuso.

- Você parece estar sofrendo e é normal se preocupar quando vê uma pessoa mal. - Murmurou a garotinha de cabelos roxos, esperando a resposta do outro. Que obteve... Ainda reticente e a tremer, o menor de cabelos escuros levou os dígitos á pequena mão alheia estendida na sua direção, sentindo aquela textura de pele tão macia e diferente da palma pesada e áspera que estava habituado a que lhe acertasse para o machucar. Tama era apenas uma criança como ele já fora, muito diferente de Teach... Não era ruim como ele...

Quase em automático, ao ver que daria certo, a menor abriu os abraços como se o convidasse a se aconchegar ali e o garoto, hesitante com a cabeça a latejar, pensou em ceder. Como se fosse ele a criança e não ao contrário, pela primeira vez em anos, permitiu-se recordar a sensação de ser abraçado por alguém que, com um grande sorriso nos lábios, o receberia como se fosse a melhor coisa do mundo. E Luffy não negava que era... No entanto, não conseguiu finalizar o ato. Ao tentar se aproximar para que os braços da criança o alcançassem, algo no seu interior o impediu de avançar. Não podia abraçar ela... Não só pelo seu corpo que travou para que não tivesse contacto com ela, mas porque ele se sentia mal com isso. Se sentia como se pudesse sujar ela...

- Obrigado pela tentativa, Tama, já me sinto melhor - murmurou - mas... Acho que não consigo abraçar alguém ainda. - Completou, numa tentava de ao menos, aliviar a frustração da criança. A garota, por sua vez, sorriu. Um sorriso inocente repleto de alegria por achar que, realmente, havia acalmado um pouco Luffy mesmo que fosse por meio de um gesto tão banal.

- De nada - completou para se afastar um pouco dele e deixar que o garoto, finalmente, respirasse de alívio por não ter ninguém tão perto como ela estava.

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