9 - Um papel

346 63 0
                                    

- Então, vamos rever. O que tem de fazer todas as manhas?

- Ver o calendário na parede - respondeu a menor. Luffy acenou positivo.

- Muito bem, certo. Não vou mentir, se isto der errado você vai ficar aqui por um tempo. Então, pode usa-lo, junto com o relógio e a luz da claraboia no teto, para ter uma noção de quanto tempo passou e quanto tempo vai ter de ficar aqui. Se acontecer com você o mesmo que aconteceu comigo, acho que assim que estiver perto de fazer 18, é uma questão de tempo até sair desse quarto.

- Eu posso voltar para casa? - Murmurou a menor. Luffy acenou em negação e ela baixou a cabeça.

- Não posso dizer o que vai acontecer depois, talvez você nunca volte, mas... Assim sabe que isto terá um fim.

Luffy se levantou enquanto a corrente no seu pé - assessório que ganhara dias depois de chegar ali - arrastava com o barulho característico de ferro contra tijolo. Parou no velho colchão rasgado que se encontrava no chão, no canto do quarto e se sentou, chamando com um gesto a menor para o seu lado.

- Não perguntei antes... Porque você está preso com isso? Não é pesado?

- É pois, mas não dá para tirar. Demorou um pouco para me adaptar no início, mas já passou. Você pode dormir neste colechão. Ali no canto onde você se escondeu - Luffy apontou para uma salinha sem porta - tem um banheiro com um lavatório e algumas ligaduras que eu usei. Não tem chuveiro aqui, então se quiser tomar banho sem aquele homem a levar para fora do quarto, vai ter de improvisar.

- Ele vai me levar para fora daqui?

- Sim, igual ao que aconteceu comigo ontem. Isso acontece só ás segundas. Ele apenas fará algo com você nesse dia. Nessa noite, não vai lhe dar comida então guarde o que der da manhã. No fim, ele a leva a tomar banho e observa você fazendo isso. É desconfortável, mas tem de aguentar. Quando ele trouxer comida nos outros dias, pode lhe perguntar que dia é, se perder a contagem. Assim, sabe quanto tempo mais poderá descansar.

- Porque eu preciso contar?

- Acredite em mim, é melhor se o fizer. Por fim... Nunca faça barulho. Nunca grite e se tiver de chorar, faça isso baixinho. Não o deixe perceber que você está mal, se não, vai acabar apanhando.

- Não entendi. Porque eu tenho de ficar aqui? Porque você tem de morrer? Não quero... Eu quero o meu tio Hitetsu de volta! Eu quero sair daqui junto com você! - Choramingou a menor. Luffy mordeu o lábio de leve. Aquela inocência de quem achava que tinha hipótese de escolha era algo que Luffy realmente invejava. Já á muito passara a época em que ele tinha essa linha de raciocínio. Com algum esforço, se aproximou um pouco e ainda reticente, colocou a mão sobre o ombro da menor. Queria abraça-la, oh como queria... Sentia que o devia fazer! Mas... Parecia que o seu corpo travara de novo.

- Tama, eu não sei o que ele quer ao certo, provavelmente vai fazer coisas horríveis com você, mas tente a todo custo não se importar. Vai ser nojento, vai doer tanto e você nem saberá o que é ao certo, mas não pode mudar isso... Então e por mais que seja difícil, tente ao máximo não mostrar nada para acabar mais rápido. Se você não ligar, ele deixa de se divertir com a sua ansiedade e vai direto ao ponto, assim sofre menos. Vai ser difícil, a pior coisa do mundo, mas tente não chorar na frente dele. Se quiser, faça isso neste quartinho, contra o colchão quando estiver sozinha. Entendeu? Por fim, está vendo aquela TV? - Luffy apontou - eu não costumo ligar, tem um sinal muito fraco, mas pode usar quando e como quiser.

- O que ele vai fazer comigo?

Luffy baixou a cabeça, sem saber ao certo o que responder. Enquanto uma lágrima ameaçava escorrer, engoliu o choro. Baixinho, silencioso, quase mudo como aprendera fazer, não era capaz de responder aquilo. Apesar de saber que Tama não conseguiria que mais ninguém lhe falasse do assunto, não era capaz de explicar algo assim a uma criança. O seu psicológico recusava-se a faze-lo. Tinha medo, não mais por ele, mas por ela. Não conseguia falar mais nada além de murmurar um "desculpe" baixinho, quase num sussurro, para que só ela ouvisse.

- Desculpe não conseguir fazer nada por você. Eu estou demasiado cansado agora, sabe? - Mordeu o lábio nervoso. - Cansado de sobreviver... - E coçou a cabeça, embaraçado. - Vou tentar dormir um pouco mais, pode ver TV baixinho se quiser.

Ela assim fez. Luffy deitou a cabeça e o tronco para o lado, demorando um pouco para dormir. O sentimento ruim do dia anterior voltara como uma grande vontade de vomitar e chorar ao mesmo tempo. Agora, estava numa profunda incerteza. Desejou sempre sair dali, desejou inúmeras vezes a morte, mas nunca que uma criança como Tama passasse pelo mesmo que ele, ficando no seu lugar. Se ele morresse em vão, ia condena-la, não podia fazer nada. Tinha de arranjar uma forma de dar um jeito nisso.

Chegou numa conclusão. Ele já estava demasiado usado, aguentara tudo durante doze longos anos, o que eram mais algumas semanas? Enquanto estivesse ali e pudesse adiar a dor daquela pequena garota de cabelos roxos, fá-lo-ia. Estava a tentar protegê-la? Sim, talvez Luffy tivesse essa intenção. Podia ser uma desconhecida que encontrara apenas á menos de 24 horas, mas não queria que ninguém, principalmente uma criança, visse o porquê o estado em que ele estava.

- Teach... Posso pedir uma última coisa para você? - Murmurou naquela mesma noite quando o seu carcereiro lhe trouxe o jantar. O mais velho olhou o garoto, surpreso com a pergunta e o tom como fora feita, quase em súplica. Achou que era algo relacionado a deixar a criança em paz, já que eles pareciam bem mais próximos tendo em conta que a menor estava tirando um cochilo próxima dele e ele não parecia se importar, ia até tirar sarro disso mas se surpreendeu ao ouvir de Luffy que o mesmo queria apenas uma caneta e uma folha de papel. Algo que cedeu sem grandes problemas afinal, não via mal nisso e naquele dia estava estranhamente de bom humor.

- Para que você quer isso afinal? - Resmungou. Não obteve resposta, nem se incomodou a arranca-la . Apesar de ser um pedido estranho, era algo que não lhe interessava verdadeiramente saber. No dia seguinte, saiu de casa cedo em direção ao seu local de trabalho. À noite, enquanto Luffy se divertia de algum jeito a conversar com a menor que lhe contava um pouco de como era a vida atual lá fora, ele apareceu de novo. O moreno fez sinal a Tama para que ficasse quieta. Ela assim fez, de ouvidos tapados e olhos fechados como o seu colega de quarto lhe ensinara.

- Valeu - murmurou, devolvendo a caneta ao carcereiro. Teach olhou, mais curioso ainda.

- O que foi isso? Você me agradecendo? O que está pensando? - Indignou. Sem resposta, virou costas e saiu. O menor, num suspiro, olhou de novo para a folha onde escrevera. Na hipótese remota de dar certo e encontrarem Tama, definitivamente, encontrariam aquilo também.

- Senti tanto a vossa falta na altura - murmurou o menor em relação ao conteúdo daquele papel. - Pena que jamais os vou rever novamente...

QuartinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora