1 - Aquela manhã

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O sol que brilhava naquela manhã entrou pela janela do cómodo decorado em tons de bege e azul, onde se encontrava o garotinho de sete anos, ainda adormecido. A pequena ave amarela, junto da sua janela, não tardou a acorda-lo com um som de canto tão doce de ser ouvido e a fazê-lo levantar da cama, como uma criança curiosa e hiperativa que era.

Puxou para trás o fino lençol que o cobria e, descalço, desceu as escadas a correr sem nem recordar dos constantes avisos do avô para que não o fizesse. Logo estava na cozinha, sentado na mesa com o velho homem reformado de cabelos grisalhos e os dois irmãos mais velhos.

Ace fora o primeiro dos três a nascer, o mais parecido com Luffy fisicamente mas também o mais chato - na ideia do menor. De sardas bem marcadas no rosto e cabelos negros compridos, parecia gostar de arrumar confusão constante com os adultos de forma a parecer mais forte e mais maduro do que era realmente, resultando no efeito contrário. Apesar disso, esse pormenor não o parecia afetar desde que saísse vitorioso do que quer que seja que ele considerasse uma competição.

Com tanta irresponsabilidade numa só criança acabou por caber a Sabo, irmão do meio, o papel de deixar o mais velho fora de encrenca - numa inútil tentativa de que os problemas não sobrassem depois para ele mesmo resolver. Loiro de olhos azuis, o único a herdar os traços e as cores de sua mãe, era quem geralmente mantinha Ace sobre controle e fora de confusões desnecessárias, sendo raros os momentos em que o apoiava e brigava junto dele. No geral, achava o avô, era o mais ajuizado dos três e o que mais tinha mais capacidade de manter a calma em momentos críticos, podendo futuramente - com a educação e a orientação certa - adquirir um forte senso de Justiça. Algo do qual Garp se encarregaria de concretizar.

Por fim havia Luffy, três anos mais novo com grandes olhos castanhos e um sorriso inconfundível a quem o conhecesse. Era ele o mais ingênuo e hiperativo dos três, o que levara os outros dois a desde de muito cedo, entenderem que seria alguém com quem teriam muito trabalho a lidar. E não estavam errados...

Luffy sempre os seguia para todo o lado. Não importava o quanto lhe dissessem que não, que era perigoso, que haveria monstros assustadores, o mais novo parecia não ligar ás óbvias mentiras e cada vez mais, ficava motivado a aventurar-se com os dois. Assim, a relação dos três ia se fortalecendo... Sendo o menor o mais fraco entre eles, era também o que os dois mais velhos mais sentiam necessidade de proteger. Consequentemente, esse apoio fraternal incondicional levara o menor a apegar-se mais ainda aos irmãos num ciclo continuo e vicioso que, apesar das brigas, desentendimentos e discussões, não quebrava por nada...

Foi, talvez, graças a esse laço que quando Ace naquela manhã sugeriu ir com Sabo no parque aquático, de imediato, Luffy se prontificou a acompanha-los.

A primeira resposta que recebera fora um não. O menor era demasiado medroso no que tocava a água e a piscinas fundas, motivo pelo qual eles não conseguiriam ir em todas as diversões que queriam. Luffy, como sempre, recusando-se a ser chamado de "bebê chorão" - apelido que lhe fora dado por Ace - fazia birra falando que era corajoso e como uma rotina do qual não conseguiriam escapar, com uma trégua, o avô resolveu o problema.

- Ou vão todos, ou não vai nenhum.

Assim, ficara resolvida a questão. Contrariados mas sem muito por onde argumentar, os mais velhos saíram de casa com o pequeno moreno a reboque. Alguns minutos depois, duas ruas abaixo do local onde viviam, avistaram o seu destino. Luffy saiu a correr, apontando para todo e qualquer divertimento infantil o qual achasse interessante e enquanto os mais velhos remodelavam os seus planos para o incluir, acabou - por sugestão do irmão mais velho - por ir parar na fila de espera para o escorrega de água.

- Você quer um doce? - Perguntou-lhe um homem estranho, vestido como um funcionário do parque. Os olhos de Luffy brilham, acenando positivo. - Venha comigo.

E a criança foi. Dominado pela gula e pela ingenuidade de uma personalidade infantil, ao invés de descer pelo brinquedo e reencontrar os irmãos que o esperavam do outro lado, o pequeno garoto de cabelos negros saiu da fila para ir atrás do homem desconhecido até se afastar o suficiente para ser agarrado e puxado com certa brutalidade sem ninguém conhecido o ouvir gritar para que o homem o largasse.

Quem o rodeava? Acabava não ligando. Pois enquanto o homem lhe dizia para parar de birra porque estava na hora de ir para casa, agindo como se fosse seu tutor, as pessoas á volta acabavam acreditando que aquela gritaria era fruto de uma birra de mais um pirralho mimado e mal comportado que se recusava a aceitar que a diversão naquele parque tão atrativo para as crianças, chegara ao fim. Os pontapés e socos não tinham efeito, os gritos também não. Já em pânico e com a respiração demasiado pesada para o seu pequeno corpo poder tolerar, assim que ficaram sozinhos, a pequena boca foi tapada com um lenço que continha um cheiro estranho e a sua mente desesperada apenas assimilou uma pequena picada no pescoço originaria da mão livre do homem que sorria enquanto ainda o agarrava para depois tudo ficar escuro e a sua mente se apagar.

Quando voltou a abrir os olhos, estava num carro. Voltou a debater-se enquanto o desconhecido imobilizava o veículo em frente a uma habitação numa rua deserta para o arrastar, desta vez pelos cabelos, para dentro de uma casa o qual o menor não teve tempo de decorar os pormenores exteriores. Tudo á sua volta eram, agora, burrões embaçados sendo que a sua única concentração era na porta de ferro que havia sido trancada atrás de si.

- Fique quieto, pirralho maldito! - Gritou. Sem obedecer ao que lhe foi dito, quase de imediato, Luffy foi levantado no ar obtendo assim a chance perfeita para de debater ainda mais e, ganhando lance, acertar um chute na boca do homem que a tapou e o deixou cair enquanto urrava de dor.

Infelizmente para o menor, não foi o suficiente para que se salvasse. Mesmo correndo para aquela grande porta cinza, gritando e tentando abri-la com toda a força que tinha, parecia que ninguém o ouvia e para piorar, sem se importar com o sangue originário dos dentes que acabara de partir, o seu raptor perdeu o restante da sua pouca paciência ao lhe dar um soco forte o suficiente para que a criança começasse a chorar compulsivamente de dor. Dentro daquele quartinho escuro de paredes laranja-tijolo e chão áspero empoeirado no qual passou a receber pontapés para fazer com que um monte de nódoas negras aparecesse sobre a pele do seu frágil corpo, agora encolhido num dos cantos sem parar de tremer, Luffy parecia estar a entrar num novo mundo - ou num novo inferno - do qual não conseguiria mais fugir.

Nunca conhecera a dor, o desespero e nem mesmo a fome apesar do seu apetite relativamente monstruoso para uma criança da sua idade. Nunca conhecera o medo, a raiva, o frio ou a necessidade de pedir ajuda. Nunca, até chegar ali, onde - segundo o seu Carcereiro - passaria a viver pelo restante da sua miserável vida.

Horas de choro viraram dias. Dias viraram semanas. Semanas viraram meses e antes que desse por isso, um só calendário não era mais o suficiente para contar à quanto tempo estava ali. O seu corpo havia mudado, a sua aparência também. O seu sorriso infantil, antes radiante como o sol não existia mais, a sua rebeldia extinguira-se "ao vento" depois de tanto apanhar e a sua inocência, á muito perdida, nunca voltaria a recupera-la. Dia após dia e 12 anos depois de ter ido ali parar, Luffy seguia simplesmente vivendo - ou sobrevivendo - sem motivo num inferno de um cativeiro, num pequeno quartinho escondido em casa daquele demônio considerado um ser humano que havia destruído por completo todas as suas chances de ter um futuro junto dos dois garotos que, em criança, um dia, tivera a chance de chamar de irmãos.

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