Tic tac. Uma, duas, três vezes. Dez, cem vezes. Contava uma por uma, esperando que o tempo passasse mais rápido assim, mas não passava. Às vezes, por causa daquele tic tac irritante, eu perdia a conta. Então começava tudo de novo. E de novo.
- Está me ouvindo, Childe? - a diretora olhava para mim, repreensivamente.
- Sim, madame Ningguang. Estou ouvindo.
- Então repita o que eu acabei de falar, por favor - ela pede e eu apenas fico em silêncio - Olhe, querido. Suas notas estão a beira do colapso e você parece mais um turista do que um aluno nessa escola. É seu último ano, falta tão pouco. Quer mesmo desistir de tudo assim?
Apenas abaixo a cabeça, não respondo novamente. Observo as persianas balançarem com o vento, a luz difusa entrar pela janela e iluminar a sala adornada em vermelho sangue e dourado - o dourado da cor lapis que crescia nas entranhas das montanhas de Liyue e o vermelho que coloria o centro comercial, a própria representação da "cidade que nunca dorme".
- Acha que vou desistir de você? - eu me assusto. Ela tira alguns papeis de dentro de uma gaveta e me entrega, a sua caneta girando na mão esquerda - Eu entrei em contato com a sua antiga escola, pelo visto você era um aluno brilhante antes de vir para cá.
- Senhora, eu- - suspiro profundamente - Eu vou melhorar, eu juro. Eu- Eu só preciso ficar sozinho por enquanto.
Ela se inclina para frente, seu olhar analisa cada músculo do meu rosto, cada respiração que eu dou, cada movimento que eu faço. Posso ouvir as engrenagens do cérebro dela calculando todos os cenários que eu poderia causar e isso me deixa arrepiado.
- Sabe, sou pedagoga há mais de dez anos, - ela me encara mas, dessa vez, descontraída - sou educadora a quase o mesmo tempo e além de ser mãe. Tudo isso me proporcionou uma ótima habilidade. Quer tentar adivinhar qual?
- Psicopatia?
Ela me ignora totalmente.
- Detecção de mentiras - seu sorriso é mínimo e o olhar, afiado. Uma piada de muito mal gosto, afinal - E, pelo que parece, você não está sendo sincero nisso.
Alguma coisa, alguma forma de contornar isso. Pensa, pensa.
- Já que você não está comprometido com isso, devo intervir? Chamar os seus pais ou algo do tipo? - ela usa sua caneta para apontar para mim.
- Não, por favor, não - tento segurar, mas já é tarde demais.
Cinquenta tipos de torturas diferentes me vêm a cabeça e todos parecem infinitamente mais atraentes do que a ideia dela. Apoio a coluna na cadeira e respiro fundo, o cansaço da noite anterior mal dormida mostrando seus efeitos e me deixando mal humorado e com raciocínio lento. Na sala, um silêncio sepulcral se instalou e ela não ousou dizer uma palavra. Era a minha vez.
- Não é uma boa ideia. Meu pai vive trabalhando e uma reunião com ele não resolveria nada, só mais uma mudança de colégio - por fim, solto.
- E a sua mãe? Parentes com quem possamos conversar?
- É uma boa ideia se você conseguir falar com os mortos.
De novo, silêncio. Tudo desde que vim para cá tem sido o silêncio ou ecos estranhos reverberando na minha cabeça.
- Acho que tenho uma solução para você, - Ningguang voltou ao seu sorriso habitual, ela clicava incessantemente a caneta como se uma ideia estivesse fervilhando a cabeça e não soubesse o que fazer - mas duvido que irá gostar.
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Em momentos como esse, eu me pergunto em que ponto a minha vida se transformou nisso - algo como um trem descarrilhado descendo montanha abaixo. A diretora tomou a frente, mostrando o caminho. Era uma marcha lenta assim como a brisa quente da tarde que passava pelos corredores. O som ressoava pelo corredor vazio enquanto desfilavamos até a sala do conselho estudantil.
- Você não tem com o que se preocupar, querido. Pode acabar se abrindo com alguém da sua idade, além de que terá ajuda com as provas semestrais que, aliás, estão bem perto.
Apenas concordo em resposta, alheio ao que ela tentava me dizer. Interessava-me mais a arquitetura antiga de Liyue com o qual o colégio se erguera do que conversar naquele momento.
Ningguang parou em frente a porta do conselho estudantil. Mas é claro, que outro tipo de pessoa ela chamaria para me ajudar além dos metidos a espertos do colégio?, pensei. Sorrindo, ela bateu de leve na porta e a abriu após recebermos uma resposta abafada.
Não percebi que estava congelado no corredor até que a diretora fez sinal para que me aproximasse. E, cautelosamente, o fiz.
A sala do conselho mantia a mesma estrutura formosa das outras salas do colégio mas com alguns detalhes dos alunos aqui e ali. Tabelas de organização de horários com escalas e anotações sobre pesquisas de opinião tomavam uma parede. Provavelmente, mais uma área dominada por Keqing - a caligrafia rápida e suficientemente legível deixava óbvio.
No centro, uma grande mesa formada por carteiras dava a entender que houvera uma reunião mais cedo. Dois integrantes ainda estavam ali, sentados na ponta da mesa que estava mais perto da parede lotada de papeis. Albedo, outro aluno transferido, escutava pacientemente um garoto de cabelo azul profundo falar com fervor de algo. Apontava e olhava sempre para a folha de papel que tinha em mãos enquanto o outro sorria e concordava e, as vezes, anotava algo em seu bloco de notas.
Era tão pacífico, o Albedo. Não era de se estranhar o fato de ter chegado há pouco tempo e virado o presidente do grêmio estudantil.
Na outra ponta da sala, sentado ao lado da janela lendo, estava ele. Estava tão concentrado que mal notou a nossa presença ou, talvez, ele não se importasse. Não, ele não faz esse tipo mas, diferente de Albedo - o menino perfeito com as notas e cabelo perfeito -, não estudávamos na mesma classe. Ou, talvez, nem na mesma ala já que não lembro de vê-lo antes. Acredite, eu lembraria.
O cabelo castanho escuro dele descia como a correnteza até onde se podia ver, já as pontas do corte da franja eram mais claras como os olhos dele. Âmbar como a luz das lanternas flutuantes do Festival das Lanternas.
- Posso ajudar? - carregava uma expressão confusa e surpresa no rosto. Olhava alternadamente entre eu e Ningguang.
- Bem, Zhongli. Quero te pedir um favor.
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- Obrigado por isso. Não sei o que ela faria comigo se você recusasse - murmurei, por fim, antes de puxar a cadeira para sentar a frente dele.
- Acredite, ela é bem insistente quando quer. Não ache que a diretora pararia com um simples "não" - ele retruca, fechando o livro.
O vento da tarde entrava morno pela janela, uma das coisas que mais me fazia odiar essa cidade. O clima.
Zhongli apenas puxou um caderno e uma caneta, ajeitando-se no encosto da cadeira. Olhou para o papel e, em seguida, para mim.
- Então, comece.
- Começar o quê?
- Bem, fale o que você tem mais dificuldade e o que mais precisa de ajuda. Poderemos começar daí - clicou a ponta da caneta, mão a postos para escrever.
Eu ri.
- O que você vai fazer? Um cronograma? - soltei, sarcástico.
- Isso - nem se deu ao trabalho de olhar para mim antes de escrever "matérias a separar" no topo da página - Como é seu nome?
- Você cria cronogramas para muita gente? - comentei e ele levantou a sobrancelha - Escreva aí: garoto gato do 3B.
Ao invés disso, Zhongli escreveu "encosto do 3B", deu dois riscos embaixo como enfase e sorriu antes de perguntar: - Vamos começar?
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𝐌𝐀𝐑𝐋𝐁𝐎𝐑𝐎 𝐍𝐈𝐆𝐇𝐓𝐒 • zhongli x childe
FanfictionTartaglia está, finalmente, em maus lençois. Após uma intervenção da diretora e uma recapitulação desagradável do seu estilo de vida, ele percebe o quão encrencado está. Porém, uma alternativa aparece como uma luz no fim do túnel - uma ajuda organiz...