quinze

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AVISO — o capítulo a seguir pode conter gatilhos para leitores mais sensíveis.

Sangue, eu via muito sangue independente de qual lado eu passava a olhar. Era nojento, um cheiro metálico que penetrava meu nariz e me deixava enjoado. Era uma mancha que, por mais água que eu jogasse, não saia de jeito nenhum.

Debaixo da torneira, o líquido que pinga a de minhas mãos era vermelho vivo e, quanto mais eu esfregava, mais aquilo se espalhava. Começou apenas nas mãos, passou para os antebraços, bíceps e agora sujava a manga de minha camisa de corte reto.

Não limpa, eu pensava, por que essa droga não limpa?

Batidas na porta. Rápidas e ritmadas. Pesadas o suficiente para indicar autoridade, uma demonstração de força. Mesmo antes de olhar já sabia que eram eles, com seus uniformes bem arranjados e suas ordens arrogantes.

Merda, merda, merda.

Esfregava os meus braços com tanto vigor que sentia a minha pele ficar em carne viva, o sangue nas minhas mãos se misturando ao meu — tudo aquilo descendo pelo ralo como se fosse um só.

Eles batiam mais forte e os estrondos pareciam furar os meus tímpanos, gritos vindos de fora se misturando com o barulho da minha própria cabeça.

Dor, dor e mais dor. Não conseguia pensar, não conseguia fazer nada além de tentar arrancar de mim aquele pedaço de mim, aquela parte que eu sempre quis renegar.

O som havia se tornado insuportável, a porta rangia como um porco antes do abate e as dobradiças estavam quase fora do lugar. Elas pulavam, uma por uma, sendo arrancadas da parede.

Num átimo, a água que corria pela torneira estava tão vermelha quanto as feridas abertas em meus braços até se tornarem pretas, tão escuras quanto carvão. Afastei-me com o susto e a vi encher a pia e, depois, transbordar.

Aquilo se derramou no chão manchado e foi se espalhando aos poucos; alcançando primeiro a porta e cobrindo a pequena fresta. Antes que eu percebesse, o som das batidas haviam parado e ouvi apenas dois baques surdos.

Mortos.

O que é que houvesse naquela água, era fatal.

Afastei-me mais um pouco apenas para bater as minhas costas em um grande conjunto de caixas reforçadas de madeira. Encarando a poça que aumentava rapidamente, usei os cotovelos e as pernas para que pudesse subir e me alojei no ponto mais alto que podia.

Sentia-me nauseado, ainda mais que antes com o cheiro daquilo. Uma mistura grotesca de esgoto e podridão que parecia mastigar os nervos que ainda me restavam.

Ao me arrastar até o mais perto possível da parede para que pudesse me distanciar daquilo, meu braço sentiu o contato com algo rígido, quase impossível de interpor.

Quando virei, mal consegui emitir um grito. Minhas cordas vocais estavam inoperantes e conseguia perceber quando parte de mim começou a morrer ali.

Porque o que eu estava tocando era um cadáver. E pior, aquele era o meu cadáver.

— Acorde, senhor — uma mulher tocava em meu ombro, seu cabelo preto estava preso atrás em um coque e ela usava um tailleur elegante tão escuro quanto.

— Hm?

As pálpebras pesaram e sentia a cabeça ainda pender para um lado. Sentia a dor vir em pontadas em meu cérebro e meu corpo, resquícios das noites mal dormidas na última semana.

Desde que fugi de casa naquela noite, — quando deixei meu pai vulnerável por seu próprio destino, jogado naquela escada — as coisas tinham se tornado um inferno.

𝐌𝐀𝐑𝐋𝐁𝐎𝐑𝐎 𝐍𝐈𝐆𝐇𝐓𝐒 • zhongli x childeOnde histórias criam vida. Descubra agora