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- Ele está mesmo... - Hesito, quase me escondendo atrás de Angela quando ela descobre o cadáver sobre a maca.

O homem parece apenas dormir, os olhos fechados e o rosto eternizado em um semblante tranquilo. Segundo ela, morreu durante o sono. Já era idoso e me pergunto se ele tinha filhos e netos enquanto junto mais coragem para me aproximar dele. Angela havia me dito que eu poderia ser sua aprendiz, desde que soubesse lidar com a morte. Engulo a seco recordando suas palavras e respiro fundo, disposta a aceitar sua condição.

- Você acha que ele sentiu dor? - Pergunto a ela.

- Eu diria que não, a julgar pelo seu semblante. - Angela suspira. - Eu não o conhecia, o filho o trouxe aqui quando já estava morto, o rapaz não sabia o que fazer. Talvez ele tenha sentido dor, mas nós nunca sabemos quando alguém almeja a morte.

Franzi o cenho, a ideia parecendo inconcebível para alguém com 13 anos de idade.

- Almejar a própria morte?

- Sente-se aqui, Amarie. - Ela indica a mesa do outro lado do consultório e nos sentamos. Angela tira os óculos do rosto e afasta o cabelo com poucos fios brancos do rosto, me encarando séria. - A morte faz tanta parte da nossa vida quanto qualquer outra coisa, precisa se lembrar sempre disso. É a única coisa que todos nós temos em comum de verdade, um único destino para tudo o que é vivo.

- Pediu para eu me sentar só para contar que vamos morrer um dia? - Arqueio as sobrancelhas. - Eu meio que já sabia disso, Angela.

- Não seja idiota. - Ela sorri. - Quero lhe dizer que às vezes as pessoas enxergam a morte como uma saída, um ponto final que encerra todo o sofrimento. Aceitam que precisam partir e abraçam o suspense do desconhecido, concordam em deixar tudo o que conhecem para trás e seguir para o inevitável.

"Você será médica um dia, Amarie. Será seu dever salvar quantas vidas puder, mas também deve saber quando alguém não deseja mais viver e o respeitar. Apenas o faça companhia. Sorria. Não traga de volta jamais alguém que não deseja ser salvo."

Aquela conversa com Angela havia se esticado por toda a tarde e ela me ensinou que há certa beleza na morte, de fato. Como Erwin Smith poderia ter morrido, se sacrificado pelo bem maior da humanidade. Como Armin Arlert morreu para que o Reconhecimento pudesse derrotar o Titã Colossal. Como poderá ser a minha, colocando a vida dos meus companheiros acima da minha assim como neste momento, correndo na direção contrária das pessoas que deixam suas casas com pressa mesmo sob a chuva que não para de cair.

O distrito de Shiganshina passa por um ataque inimigo pela segunda vez e acredito que este tenha potencial para ser ainda pior que o primeiro. Afinal, tenho conhecimento do que Marley é capaz e duvido que eles tenham vindo até aqui se todos os seus guerreiros de estimação. Com certeza Pieck e Galliard estão aqui. Cerro os dentes enquanto corro, pensando em como eu conseguiria derrotar um soldado experiente como Reiner Braun.

Não é segredo que minha forma de titã é poderosa, afinal, são dois dos primordiais além do próprio fundador. Entretanto, apenas alguns testes foram feitos com Hange no tempo escasso que tivemos e ainda não sei exatamente o que posso fazer com três titãs ao mesmo tempo. Talvez a coordenada se revelasse mais útil do que imagino, afinal. Balanço a cabeça tentando esvaziar os pensamentos, os voltando apenas para Erwin e o visualizando em qualquer lugar seguro longe dali. O Comandante é um dos homens mais fortes que já vi, entretanto, não seria páreo para um ataque como o que está por vir.

Paro de correr quando o portão se faz visível, muitos metros diante de mim no fim da rua principal. Já não há mais ninguém desse lado da cidade e me sinto aliviada por isso. Afasto o cabelo que gruda na minha testa e cerro os punhos, sentindo minhas mãos soarem devido ao nervosismo de saber que o Titã Blindado está esperando do outro lado, pronto para qualquer coisa. Porém, meu estômago despenca e sinto como se minhas entranhas estivessem congeladas quando escuto os passos rápidos do outro lado do enorme muro. Dou um passo para trás e instintivamente me abaixo cobrindo a cabeça quando o titã enorme irrompe pelo portão, o destruindo apenas com a força do próprio corpo.

Lionheart I Erwin SmithOnde histórias criam vida. Descubra agora