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- O que aconteceu com você? - A voz de Hange me desperta dos meus pensamentos quando chegamos ao primeiro andar.

- Nem queira saber. - Resmungo em resposta, respirando fundo em seguida. - Como ela está?

- Está no quarto, dormiu fazem alguns minutos. A febre desapareceu, mas ela ainda está tossindo muito sangue. - Hange faz uma pausa. - Eu temo que...

- Eu sei. - Tento sorrir para ela. - Eu preciso ficar com Lina, já desperdicei tempo demais lá em baixo.

A mais velha assente em silêncio e se afasta, assim como o Capitão, que a acompanha pelo corredor mal iluminado. Algo dentro de mim está inquieto e a ansiedade e o medo me corroem de dentro para fora enquanto penso em Lina. Sinto a mão de Erwin ainda em meu ombro e seu polegar se move com sutileza. Me atento ao movimento enquanto caminhamos em direção ao andar superior, tentando ao máximo controlar meu impulso de sair correndo para longe daqui e nunca mais voltar.

Acordei naquela noite com o rangido baixo da porta do quarto se abrindo. Ergui o tronco entre os cobertores a tempo de ver a pequena figura se esgueirando até mim nas pontas dos pés, parando ao lado da cama com o próprio travesseiro em mãos.

- O que aconteceu? - Perguntei a Lina com a voz rouca pelo sono, esfregando os olhos para a enxergar melhor.

- Está muito frio no meu quarto, posso ficar aqui com você? - Ela perguntou enquanto desviava o olhar para os pés, tímida. Sorrio comigo mesma sabendo que aquilo era mentira, Lina só queria ficar aqui.

Não lhe disse mais nada e deitei novamente, erguendo o cobertor pesado com uma mão e esticando o outro braço para a menina, que não se demorou em subir na cama, se aconchegando imediatamente no abraço que ofereci a ela. Sorri comigo mesma e sussurrei um "boa noite" para a minha irmã, sentindo os bracinhos gelados se aquecerem aos poucos ao redor do meu tronco enquanto sua cabeça descansava em meu ombro.

Lá fora, a neve se acumulava contra a janela e me aconchego mais contra os cobertores, sentindo o calor emanar até o meu corpo enquanto me entregava aos poucos ao sono, certa de que aquele era o melhor lugar no mundo inteiro.

Me lembro com nitidez daquele dia, sentindo meu estômago despencar quando chego na porta do quarto e a vejo na cama, encolhida sobre o abdômen em posição fetal, parecendo estar em um sono perturbado. Dou um passo a frente, o pouco ruído que faço a acorda e ergo as mãos na frente do corpo para que ela não se levante.

- Tem espaço para mim? - Pergunto a ela forçando um sorriso. Lina apenas assente, me dando espaço na estreita cama de solteiro.

Sento sobre o colchão com as costas apoiadas na cabeceira de madeira e o móvel range um pouco sobre mim quando Lina se arrasta com dificuldade e deixa cair sua cabeça contra as minhas pernas. Minhas mãos trêmulas vão até o seu cabelo, os dedos ainda um pouco sujos de sangue seco acariciam os fios avermelhados com cuidado e não posso deixar de sorrir assim que vejo Lina fechar os olhos e também curvar os lábios em um sorriso.

- Onde você estava? - Sua voz fraca me questiona e engulo a seco, tentando pensar no que responder a ela quando a menina continua: - Espero que tenha dado uma surra nela.

Não contive uma risada anasalada.

- Precisava ver a cara dela. - Respondo. - Como está se sentindo?

- Não estou muito bem. Meu corpo inteiro está doendo e estou muito cansada.

Fico em silêncio e busco os olhos de Erwin, parado do outro lado do quarto, recostado na parede. Novamente, é impossível para mim entender o que as orbes azuis querem me dizer e apenas respiro fundo, dessa vez me obrigando a acreditar no que está acontecendo: Minha irmã está morrendo e não posso fazer nada para ajuda-la. Não posso tratar de suas dores e tampouco pegá-las para mim. Minha mente explode novamente em pensamentos que se atropelam depressa, imaginando como aconteceria de fato.

Lionheart I Erwin SmithOnde histórias criam vida. Descubra agora