Cinco.

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Portuga

Saí da casa do V2 e puxei o radinho da cintura pra acionar o Ramos, ia mandar ele trazer um carro pra mim.

V2: Bora no meu. - Falou indo até a garagem da casa dele.

Portuga: Precisa ir não, isso é parada minha pô, minha irmã. - Fui entrando na garagem junto com ele.

V2: Tu é parceiro pô, num vou te deixar ir pra pista sozinho não. - Fitei ele, enquanto o mesmo entrava no carro. - Vai ficar palmeando ou vai entrar? - Entrei no carro em silêncio e ele deu partida pro Leblon. - Tá tonteado por causa dela, né? - Me indagou depois de um tempo.

Portuga: É minha irmã, pela lógica eu tenho que ficar. - Disse meio óbvio. - Sensação de cuidado, eu sempre cuidei dela. Ver ela nesse estado agora é foda, sujeito se sente um merda.

V2: Ela é novinha pô, mente dela deve tá confusa. - Eu apenas assenti e continuei em silêncio. Era a primeira vez que eu tocava nesse assunto com o V2, então preferi não entrar muito nos detalhes...

Já tínhamos saído do morro e o V2 deu o papo pro Tatau tomar conta de tudo na ausência dele. O JJ veio com a contenção logo atrás, ele e o Junin estavam vindo para cortar as ligações de câmeras que pudessem registrar o ato.

Fui o resto do caminho todo quieto, só conseguia sentir ódio na mente.

V2: Qual foi? Tá mongando aí. - Olhou de relance pra mim e depois voltou a atenção pro volante.

Portuga: Tô exalando a ódio, e só vai aliviar quando eu ver aquele filho da puta morto. - Fechei os punhos e tentei colocar um pouco da minha raiva pra fora.

V2: Destino daquele ali já é certo. - Seguimos o caminho em total silêncio, e eu com a mente a milhão. Várias lembranças do passado vieram à tona quando eu vi a Ana toda machucada.

Há mais ou menos 2 anos atrás, eu saí de casa revoltado com várias coisas.

Sempre foi eu e a Ana, um pelo outro. Nossa mãe quase nunca foi aquela mãe presente na vida dos filhos, ela trampava o dia todo e quando chegava em casa nós já estávamos dormindo.

Só teve uma época que ela era presente, essa época foi quando ainda éramos criança, mas quando crescemos ela praticamente não parava mais em casa.

A Ana sempre foi de mente inocente, mas nunca abaixou a cabeça pra ninguém. Ela sempre teve a personalidade forte, sempre foi esforçada e mesmo tendo tudo do bom e do melhor,  nunca deixou de correr atrás do dela.

Já eu era ao contrário, não ligava pra nada e tacava um foda-se grandão pra tudo. De certa forma eu me arrependo, porque nem todos os moleques tinham aquelas inúmeras oportunidades. Eu com a mente que tenho hoje jamais faria aquilo novamente.

Chegou uma certa época que a coroa começou a cobrar mais postura da minha parte e jogou vários bagulhos na minha cara. Desde esse dia eu me revoltei, passei a sair e só voltar de manhã, tinha dias que eu nem voltava.

Comecei a frequentar o Alemão, e foi aí que eu conheci o V2. O cara sempre foi de pouco papo, mas dava a vida pelo morro. Ele sempre esteve ali comigo, colando peito por mim e fechando no certo e no errado, papo de irmandade

Comecei como usuário e quando eu vi, já era vapor. A parada foi subindo pra minha mente, eu tinha um pouco aqui, outro ali, mas sempre ansiava por mais. Luxúria tomou conta de mim naquela época.

A favela me abraçou de uma certa forma. Enquanto em casa eu não recebia tal suporte, a rua me ofereceu em dobro, bagulho fez minha mente.

Depois da morte do pai, o V2 pegou o comando do morro e eu fui subindo cada vez mais até pegar a gestão de frente.

Foram mais de 15 rajadas pro alto, apenas em comemoração. Água de bandido descia igual suco.

Porém depois desse dia, a parada começou a se fundar de outra forma... Tive que sair da casa da coroa pra ir morar no morro, já que eu tava como braço direito.

Minha mãe nunca soube dessa caminhada. Única coisa que eu disse foi que iria me mudar pra lá. Ela falou pra caralho, argumentou que não criou filho dela pra morar em favela e nem pra se envolver com vagabundo.

Mal sabia ela que eu já tava mais do que envolvido!

Eu estranhei a reação dela. Lógico que eu já tinha em mente que ela iria encaretar o bagulho, mas a reação dela foi sinistra, foi como se ela já conhecesse tudo aquilo.
Isso porque até onde eu saiba ela nunca pisou lá.

A Ana chorou muito, implorando pra eu ficar. Naquele dia eu só contive a minha raiva por causa dela.

O Júlio começou a entrar na mente da minha mãe, e pra evitar estresse eu cheguei na Ana e falei que voltaria pra buscar ela. Ela só sabia chorar e pedir pra eu não deixá-la sozinha, mas eu nunca faria isso.

Como eu disse, sempre foi nós dois desde menor, sempre protegi ela, e se for preciso matar, eu mato, mas se pra proteger ela eu precise morrer, eu morro também.

Depois desse dia, ela só foi me visitar umas quatro vezes lá no morro. Daquela casa ela era a única que eu confiei pra contar tudo.

No começo ela apertou a minha mente falando que aquilo não era vida pra mim, mas depois que ela viu que não ia adiantar de nada e que eu não iria mudar o que eu era/sou, ela foi "aceitando".

Nossa mãe nunca gostou da idéia da Ana ir me ver lá no Complexo, então pra evitar rebordosa, eu sempre ia ver ela na frente da escola. Fora isso, nós só conversávamos por ligação mesmo.

Quando minha mãe morreu eu fiquei baqueado, independente de qualquer parada ela nunca me deixou faltar nada, a não ser amor.

Chamei a Ana pra vim morar comigo mas ela falou que não queria deixar o Júlio sozinho por ser uma fase difícil pra ele. Nunca bati simpatia com aquele lá.

Pagava de bom moço, mas eu sabia que era um verme. Porém respeitei a decisão dela, e me arrependo pra caralho por isso.

Passou uns meses e nós só conversávamos por ligação, nem se ver nós estávamos nos vendo mais. Aí chega agora e eu vejo a garota nesse estado.

Esses bagulhos me deixam puto à vera!

Na minha mente eu só pensava em matar ele, mas a morte ainda era muito pouco... Pra covardia a gente age conforme a favela manda. Aqui essas coisas não passam batido!

Fui o resto do caminho pensando nisso, até o V2 parar o carro e olhar pra mim.

V2: É ali? - Parou o carro uma rua antes do antigo apartamento que eu morava.

Portuga: É mermo. - Quando eu olhei pro prédio de longe, senti várias coisas dentro de mim. Desde aquele dia eu nunca mais tinha voltado aqui. - Vai entrar? - Tirei a minha atenção do prédio e olhei pra ele.

V2: Vou pô. - Assenti e fiz o toque com ele, em seguida descemos do carro, indo até o local.

A contenção havia parado duas ruas antes daquela, para não dar na cara o porquê estamos aqui.

Portuga: Aê primo... - Chamei a atenção do porteiro, que logo veio na nossa direção. - Libera a passagem pra mim aí. - O cara deixou a gente entrar por já me conhecer e nós pegamos o elevador.

Antes de ir, fiz um sinal no rádio pro JJ, que já sabia o que fazer a partir dali.

                                ...

No Alemão (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora