6. Culpa

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Yuan nunca gostou de rotinas ou cronogramas. O jovem gostava de acordar e imaginar que aventura aconteceria no dia ou em qual sorveteira iria no final das aulas.

Ele era um espírito livre, como seu pai gostava de dizer. Ele era como um filhote de pássaro, voando sem rumo entre as gigantescas árvores da floresta.

Wuxian o criou assim como seus tios o criaram, vivendo um dia de cada vez.

Entretanto, sua infância não fora a época mais feliz de sua vida. Ela foi marcada por diversos acontecimentos que geraram traumas irreversíveis na mente do adolescente.

Uma vida escura demais para uma criança iluminada.

Mas, mesmo odiando rotinas, todos os dias e no mesmo horário, Yuan estava sentado na cadeira branca. A roupa do colégio no corpo e as olheiras fundas e escuras sempre no rosto.

Wuxian já estava em coma a 2 semanas.

- "Baba... Eu prometo que quando o senhor acordar, eu vou fazer uma festa de aniversário incrível para você..."

Durante toda visita, o adolescentes contava sobre o seu dia, sobre seus primos, seus tios e até mesmo sobre seu chefe. Sempre atualizando o homem intubado sobre a sua vida.

- "O Jingyi não conseguiu entrar hoje de novo... Eu ouvi ele chorando no banheiro, ele sente sua falta também."

Desde pequeno, o Jiang mais novo nunca fora de demonstrar seus verdadeiros sentimentos. Uma característica única e marcante que puxou do pai.

Era difícil e quase impossível vê-lo chorar por algo, não importando a gravidade da situação.

Mas seu tio não preferido estava desacordado a muito tempo. Ele não estava acostumado com tanta calmaria na vida, e nem queria estar.

- "Ling disse que se o senhor não acordar, ele vai comer todos os salgadinhos que você esconde no armário!"

Jin Ling era um jovem de temperamento difícil e bloqueio emocional muito forte. Sua única forma de demonstrar carinho e afeto era através de ações consideradas grosseiras.

Mas era seu tio lunático que estava desacordado a muito tempo. Fora o mais velho que o ensinou sua primeira palavra.

"Jiujiu."

- "Os tios não estão vindo muito porque querem me deixar sozinho com o senhor... Eu me sinto culpado, eles vieram primeiro..."

Em todas as visitas, Yanli e Jiang Cheng acumulavam cerca de 1h semanais com o irmão. Eles sentiam que Yuan deveria permanecer mais tempo com o pai.

- "O tio Xuan disse que não aguenta mais ficar sem discutir com o senhor! Nada é a mesma coisa sem você..."

Mesmo tendo uma relação de gato e rato com o cunhado, Zixuan genuinamente gostava da sua presença. Quando estavam juntos, arquitetavam muitas pegadinhas infantis para fazer com os filhos e com Jiang Cheng.

No final, corriam igual crianças da fúria avassaladora do homem.

- "Hanguang-jun sempre pergunta do senhor, eu queria apresentá-los um dia... Quando você melhorar, a gente vai ir para o hospital que o tio Jue trabalha! Eu espero que não fique bravo comigo..."

Wangji, mesmo não sendo necessário, aparecia todos os dias na ala hospitalar para saber do estado de Wuxian e ter certeza que Yuan estava bem e se alimentando.

O homem se recusava a entrar no quarto. Ele não era familiar e muito menos amigo do paciente para ocupar lugar de quem realmente era.

Mas ele se preocupava.

Considerando que sempre ouvia histórias absurdas e surreais do outro, sentia que Wuxian era alguém muito alegre e especial na vida das pessoas.

E tem plena esperança de conhecê-lo um dia.

- "Eu chamei ele de pai novamente! Bom, ele não parece se importar... Espero que o senhor não fique com ciúmes..."

Yuan sabia que ele iria ficar, afinal, o adolescente era o bebê dele e só dele!

Se estivesse acordado, provavelmente diria: 'Quem esse Hanguang-jun pensa que é para roubar meu filho!?' Mas depois iria rir e convidar o homem para tomar um café.

Ele sempre fora muito sociável.

- "Eu... Eu conheci um menino. Já te contei sobre ele a algum tempo. Eu gosto dele..."

Yuan não conseguiu mais segurar as lágrimas, desabando e soluçando de forma auditiva no quarto.

O pai sempre conversou consigo sobre amor, prometendo ao filho que estaria ouvindo atentamente quando o mesmo tivesse sua primeira paixão.

- "Eu não aguento mais ficar sem o senhor..."

Doía. Sufocava.

Yuan nunca imaginou que ficaria tanto tempo sem ouvir aquela voz doce o chamando de 'bebê' ou sem olhar para aqueles globos azuis e radiantes do mais velho.

Mesmo pagando todas as despesas com o salário que juntou e fazendo o possível e o impossível para fazer o homem acordar, tudo parecia ser em vão.

- "É tudo culpa minha! O senhor sempre me deu tudo do bom e do melhor... Eu nunca fiz nada para você! Eu não me esforcei para fazer você se cuidar... Me desculpe."

Culpa. Era tudo que ele sentia no momento.

- "Eu deveria ter morrido no lugar da mamãe e do tio!"

Yuan nunca havia dito aquilo em voz alta, mesmo pensando nisso a quase todo instante.

As lembranças de sua infância eram borradas e já se perdiam pelo tempo. Mas ele se lembrava do rosto sorridente de sua mãe, que contrastava com o semblante severo da mulher.

Ela era linda.

Com seus cabelos longos e castanhos escuros e seus olhos cinzas esverdeados. Sua voz rígida mas que carregava uma elegância e leveza.

O jovem se lembrava de como seus pais discutiam até pela roupa que o homem colocava em si.

"Wei Wuxian! Meu filho não vai sair com essa roupa!"

"Mas ele está tão lindinho..."

"Isso é uma fantasia de abelha!"

Entretanto, até com as pequenas e bobas discussões, o casal de amigos era inseparáveis.

Se conheciam desde o começo do ensino médio e desde então, não se separavam nunca. O pivô da amizade fora seu tio, irmão de sua mãe.

Ele era a pessoa mais doce e bondosa que o jovem já conheceu na vida.

Seus cabelos eram grandes e pretos, o rapaz vivia com ele solto enquanto o vento os baguncava. Seus olhos cinzas e grandes o davam um ar infantil e inofensivo.

"Pequeno A-Yuan! Eu trouxe sopa de lotus com costela da tia A-Li!"

Yuan sentia falta deles.

- "Baba, desculpa por ter estragado a vida de vocês... Eu sinto muito."

Quando alguém está em coma, seja induzido ou natural, dependendo do estado do paciente, eles conseguem ouvir, se mexer e até mesmo interagir com as visitas.

Wuxian não havia demonstrado nenhuma interação humana nessas semanas, mas isso não impedia do homem ouvir e entender o exterior.

Yuan pensou ter sentido algo mexer em sua mão, mais especificamente, em seu dedo mindinho.

Era um aperto. Um aperto justo no dedo onde mantinha o anel de sua mãe.

- "B-Baba? Baba!? Faça isso de novo, por favor!"

E Wuxian fez. Apertou o dedo do filho o mais forte que pôde.

- "Baba! Médico, algum médico!! O meu pai se mexeu!!"

ℋ𝑒𝒶𝓇𝓉𝒷𝑒𝒶𝓉Onde histórias criam vida. Descubra agora