22. Me desculpe e obrigado

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Acordar, se arrumar, tomar café da amanhã, caminhar, ajudar no almoço, almoçar, ver TV, buscar Yuan no colégio e voltar para casa.

Rotina. Sempre a mesma chata e monótona rotina.

A única coisa boa era que tinha Wangji ao seu lado, que fazia tudo aquilo ser menos cansativo. Entretanto, o homem estava se sentindo tão mal consigo mesmo que não conseguia sequer permanecer ao lado do outro sem querer chorar ou bater em si.

Wuxian se olhava no espelho todos os dias, sentindo sua garganta arder ao perceber a notória perda de peso. Esse era um dos fatores para que seu guarda-roupa, antes com roupas justas e definidas em seu corpo, tenha sido trocadas por infinitos pares de  moletom largos e pesados, que escondia grande parte de si. Seus pés inchados lhe causavam um incômodo imenso, algumas vezes precisava de cinco a dez pausas em sua caminhada por conta da dor.

Yuan sempre corria para casa em dias assim. Preparava banhos quentes e massagens relaxantes com a ajuda de Wangji e mimavam o homem o quanto podiam. Preparavam comidas mais temperadas e saborosas, além de alguma sobremesa que o outro gostasse.

Ele não queria essa atenção e cuidado todo. Yuan estudava e Wangji trabalhava. Wuxian era apenas um peso morto e doente na vida deles.

E isso aconteceu desde os resultados dos exames, ao qual quebraram todas as expectativas boas que o médico tinha.
Por alguma razão, o seu organismo estava expulsando e rejeitando os medicamentos que tomava.

Mingjue trocou a porcentagem e os remédios. Trocou os horários e com a ajuda de uma nutricionista, prescreveu uma dieta mais centrada e regrada. Conversou com Wangji e Yuan, a partir daquele momento, nenhuma falha poderia ser feita.

No mesmo dia e sem o seu consentimento, o Lan informou aos colegas de equipe que faria uma pausa no trabalho para cuidar exclusivamente da família. Sendo assim, se auto afastou do cargo e colocou alguém de confiança em seu lugar. Cancelou todos os compromissos que tinha e priorizou a saúde do parceiro.

Na mesma noite, Wuxian chorou.

'Como alguém pode ser tão inútil ao ponto de acabar com a vida de outra pessoa? Eu realmente mereço isso tudo?'

Wangji entendia a melancolia do outro e respeitou inteiramente seu espaço. Quando precisava, ele corria para atender as necessidades alheias, e quando queria ficar sozinho, ficava horas da madrugada sentado no sofá da sala, esperando qualquer sinal.

O homem quase sempre estava no celular conversando com Huaisang e outrora conversando com Mingjue. Seu melhor amigo lamentava o estado do novo companheiro de luta, mas dava total assistência e apoio ao seu irmãozinho de longa data.

Do outro lado, as inúmeras ligações dos irmãos Jiang eram ignoradas e postas em 'Deixe seu recado'. Zixuan até tentou aconselhar o cunhado a conversar com os dois, porém, a única coisa que recebeu em troca fora um abraço apertado, que o outro não lhe dava desde o seu casamento.

As únicas notícias que tinham sobre o Wei vinham de Yuan, que ligava a cada dois dias para atualizar os tios preocupados e os primos raivosos.

- "Lan Zhan?"

Wangji, que estava concentrado em um livro qualquer que encontrou na estante, se assustou e elevou seu olhar para a porta do quarto. O relógio marcava exatas 02:00 da manhã, então a fina e única luz do cômodo era do abajur dourado ao lado da cama.

Wuxian adentrou assim que recebeu um aceno discreto. Fechou a porta lentamente e andou até o outro, que já tinha fechado o bloco grosso e cheio de páginas e se ajeitado em meio aos lençóis. Sua respiração estava lenta pelos lances de degraus que subiu, então apenas parou a alguns centímetros de distância.

Ele não sabia o que falar, não agora que estava frente a frente com o homem. Todo o seu discurso tinha caído por terra desde o momento que adentrou o quarto e encontrou aqueles doces e sintilantes olhos, vidrados na sua figura feia e escondida pelo escuro.

Wangji o puxou delicadamente e o sentou ao seu lado. Esse era o mais próximo que tinha chegado do outro nesses dias.

- "Wei Ying precisa de algo?"

Wuxian negou. Ele não precisava de nada pois já tinha tudo sem sequer falar nada.

- "No passado, Wen Qing sempre me falava a mesma frase, e eu nunca entendia o porquê... E agora eu entendo. Lan Zhan, me desculpe e obrigado. Eu agradeço por tudo que tem feito por mim. Eu agradeço pelo cuidado, pela preocupação e por tudo, de verdade. E eu sei que você gosta de mim na mesma intensidade que eu gosto de você... Mas eu não consigo... Eu não sou a pessoa que você precisa, não sou a pessoa que vá te fazer feliz, não sou a pessoa que vá caminhar com você... Lan Zhan, você precisa de alguém que vá ficar ao seu lado para sempre, e eu não sou essa pessoa! Eu achei que conseguia, eu juro que tentei! Eu..."

Wangji estava farto. Farto de ouvir aquelas coisas patéticas e farto de olhar as lágrimas escorrerem e pingarem na roupa alheia.

Ele puxou o corpo, o mais gentil que conseguia. Encaixou os braços longos e definidos na cintura fina. Inspirou e acariciou o pescoço com a ponta de seu nariz gelado. Ouviu os soluços abafados do rosto enterrado em sua clavícula, e fez um carinho delicado nos cabelos grandes e pretos.

- "Me desculpa... Lan Zhan... Eu não quero morrer."

Wuxian havia guardado aquele pensamento desde que fora internado a primeira vez. Talvez por sua personalidade otimista, ou talvez por não querer preocupar sua família e seu filho, nunca deixou esse pensamento transparecer.

Entretanto, agora, ele estava em um lugar tão confortável. Um lugar quente e aconchegante, dentro de um dos melhores abraços que já esteve.

- "Wei Ying não vai morrer. Wei Ying é forte, capaz e nunca será um problema. Eu sei do que preciso, eu sei do que quero. E eu quero Wei Ying perto de mim. Eu quero te amar e te proteger. Se não for você, não será mais ninguém. Consegue entender? Eu amo tudo que te envolve. Eu amo o seu sorriso, os seus olhos, o seu cabelo, a sua voz, o brilho que trouxe para a minha vida... Eu amo o seu corpo, amo a sua boca, amo cada parte. Eu quero Wei Ying, eu quero você."

Wangji depositou as duas mãos em cada bochecha do outro. Aos poucos, aproximou e colou testa com testa, nariz com nariz.

- "Entre nós dois, não precisa existir obrigado ou me desculpe. Tudo bem?"

Recebeu um fungo baixo junto com um aceno pequeno. Seus olhos estavam hipnotizados por aquele céu escuro e brilhante, que também o encarava.

- "Wei Ying consegue ouvir?"

- "... O que?"

O mais velho depositou um castro e simples selar nos lábios alheios, se viciando no sabor singelo de morango que continha neles. Ajeitou o corpo acima do seu e deitou a cabeça do outro em seu peito, perto do coração.

- "O rosto e as palavras não mostram nada. Ouça as batidas do coração."

E Wuxian ouviu. Ouviu as batidas rápidas e bagunçadas ecoarem dentro do seu ouvido. Ouviu a respiração pesada atingir suas madeixas. Ouviu o ranger da cama. Ouviu o click do abajur sendo desligado.

E sentiu. Sentiu o formigamento bom que seu corpo sentiu ao ser abraçado novamente. Sentiu o cobertor grosso cobrir os dois corpo. Sentiu outro selar mais demorado e carinhoso ser depositado em seus lábios.

E Wuxian sorriu.

Sorriu porque sabia que seus batimentos, por mais descompensados que tivessem se tornado, estavam batendo na mesma intensidade.

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