𝖮𝖭𝖤 | 𝖼𝖺𝗌𝗌𝗂𝖾

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Eu sabia, assim que cheguei em casa depois da aula, que algo estava errado

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Eu sabia, assim que cheguei em casa depois da aula, que algo estava errado. Tudo estava no lugar, sem nenhum sinal de nada diferente, mas eu só... sabia.

E eu estava certa.

Quinze minutos depois que eu cheguei, quando saí do banho para me livrar da pequena garoa que tomei vindo para casa, encontrei o meu pai no meu quarto. O que era, no mínimo, estranho – porque, para início de conversa, ele mal fica em casa.

Tentei não encarar muito o pequeno curativo cruzado no meio do seu nariz. Ele apareceu com ele há uma semana, e quando eu perguntei o que tinha acontecido, ele mandou eu cuidar da minha vida. Então eu só ignoro a maldita coisa agora.

Demorei cinco segundos para perceber que ele segurava um dos meus livros didáticos, que definitivamente não tinha nada de medicina.

─ Papai...

Ele continuou me encarando, segurando o livro.

─ O que é isso, Cassandra?

─ É... de uma amiga, da ONG. Ela esqueceu e eu... guardei pra ela. ─ respondo, tentando parecer honesta.

─ Ah, sim. Então isso não tem nada a ver com a sua matrícula de seis meses atrás na UCLA para estudar arquitetura, não é?

Merda. Mil vezes merda.

─ Pai, eu...

Você o que, Cassandra? ─ ele larga o livro em cima da minha cama.

─ Você cancelou a minha matrícula? ─ pergunto, com a voz falha e o primeiro indício de tremedeira aparecendo.

─ Não. Vou te dar a chance de fazer isso agora. ─ ele tirou o celular do bolso. ─ Eu vou ligar para o reitor e você vai cancelar a sua matrícula.

Antes que eu possa me controlar, estou dizendo: ─ Eu não vou fazer isso.

Ele parecia lívido. Quase decepcionado. Não, totalmente decepcionado.

─ Cassandra.

─ Andrea está cursando medicina, por que eu não posso cursar algo que eu amo? ─ pergunto, sentindo meus olhos começarem a se encher de lágrimas.

─ Você sabe que o nome Jackson vem estampando os melhores artigos de medicina de Los Angeles por décadas. Não é hora de se rebelar contra isso.

Não adiantava discutir com ele, eu sabia disso, mas não desistiria tão fácil. Se possível, eu não desistiria mesmo.

─ Por favor. ─ peço, a voz baixa.

─ Não vou deixar você degradar o nome da nossa família.

─ Foda-se o nome da nossa família! Eu odeio medicina, tenho odiado desde os cinco anos de idade! Por que eu tenho que ser forçada a fazer algo que eu não quero? Eu já sou maior de idade, você não pode me obrigar a nada!

Por um momento, pensei que ele fosse me bater. Não seria a primeira vez, mas a última foi há anos atrás.

─ Você cancela a matrícula e começa a estudar no próximo semestre.

─ Ou o quê?

─ Ou, ─ ele sorria. ─ você sai da minha casa. ─ meu queixo cai. ─ Você mesma disse: você já é maior de idade. Pode se virar sozinha.

Ele faz o caminho para fora do meu quarto.

─ Esteja fora do maldito curso amanhã, ou nem pense em passar mais uma noite sequer aqui.

Bato a porta quando ele sai.

A primeira coisa que eu faço depois disso é deitar na minha cama e chorar, realmente cogitando fazer o que ele mandou.

Eu nunca tive uma boa relação com o meu pai, mas ele... era meu pai, certo? Mamãe costumava dizer que eu deveria dar valor às broncas, porque era melhor que um pai ausente – eu discordava firmemente disso às vezes. Mas, no fim das contas, era ele quem colocava a comida na mesa, enchia meu guarda-roupas e me mantinha aquecida sob um teto. É uma obrigação dos pais, é claro, mas ainda assim... Era melhor que ter um pai ausente.

Ele sempre foi mandão desse jeito, tanto comigo quanto com Andy e mamãe. E ele sempre, sempre mesmo, mencionava medicina quando podia. O meu primeiro brinquedo foi um kit médico, quando eu tinha quatro anos; no começo foi legal, mas depois... não.

Foi por isso que, com treze anos, assim que percebi que medicina não era uma opção pra mim, eu comecei a juntar toda a minha mesada, e escondia no meu closet. Quando eu fiz quinze, e Andrea dezoito, pedi que ela fosse ao banco e me ajudasse a abrir uma conta no meu nome. Até agora, foram quase oito anos juntando dinheiro – porque, como a riquinha clichê que sou, continuei recebendo mesada mesmo depois dos dezoito.

Eu tinha o suficiente para mais dois anos de faculdade e mais uns meses, mas agora ter que alugar uma casa, com contas de água e luz, comida e mais uma montanha de dívidas que sei que vou fazer? Não. Não há nenhuma chance de eu fazer isso e conseguir me manter na faculdade.

A segunda coisa que eu faço é pegar o meu celular e ligar para Sasha.

─ Oi, WC. ─ ela atende. WC significa White Chick, mas enfim.

─ Sash... ─ engasgo em um choro silencioso.

─ O que aconteceu?

─ Meu pai... ─ funguei. ─ Ele descobriu sobre a faculdade, e quer que eu cancele a matrícula.

─ Que filho da puta! Ele não pode fazer isso!

─ Eu sei. Mas se eu não fizer isso, ele me quer fora de casa. Hoje.

Há um minuto de silêncio, onde parece que Sasha está falando com outra pessoa mais longe.

─ O que você vai fazer, Cass? ─ ela me pergunta.

─ Eu não sei. ─ passo a mão no rosto molhado. ─ Eu deveria ter me preparado pra isso, mas eu já estava lá há seis meses e estava conseguindo esconder tão bem...

Eu não posso desistir disso.

─ Acho que eu vou sair de casa, Sash.

Ouço ela suspirar do outro lado da linha, então há mais um momento de silêncio antes que um barulho e Sasha xingando passem pela ligação. Eu quase dou risada.

─ Oi, Cassie, é o Josh! Eu grudei na Sasha e ouvi a conversa. ─ uma rápida risada nasal escapa de mim. ─ Você pode ficar aqui pelo tempo que quiser, ok?

─ Não, tá tudo bem. Eu não quero incomodar vocês. ─ falo. ─ Acho melhor ir atrás de um dormitório no alojamento da universidade.

─ Você vai ficar na lista de espera por uma eternidade, Chick! Você sabe que eles preferenciam alunos quem vêm de longe ou que não podem pagar por um um apartamento aqui. ─ Sasha diz, e sei que a ligação está no viva-voz.

─ Eu não posso pagar por um apartamento também! ─ retruco, e os gêmeos dão risada.

─ Todo mundo conhece o seu pai, Cassie. Eles vão meio que invalidar isso e achar que é só você se rebelando contra ele.

Não que seja uma mentira completa.

─ Faz assim, ─ Josh começa. ─ arruma as suas coisas, e eu passo aí pra te pegar em uma hora. Você fica aqui essa noite, e amanhã nós vemos o que podemos fazer pra te ajudar. Pode ser?

─ Pode. ─ respondo baixinho, e depois acrescento: ─ Obrigada.

─ Por nada, Chick. Agora vai, tá na hora de dar tchau pra esse filho da puta.

É, acho que tá mesmo.

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