2017 - RÚSSIA

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Autódromo de Sochi, Abril de 2017

POV Daniel Ricciardo

Era extremamente frustrante. Uma luz no painel apareceu, o cheiro de fumaça invadia levemente o cockpit. Em cinco voltas, meus freios estavam em chamas. Com dificuldade, consegui chegar de volta ao box, onde mais uma vez tive que me retirar do GP. A segunda vez em quatro corridas - os contornos da temporada não se desenhavam exatamente bem para meu lado. O carro fora desenhado muito mais para o estilo de Max do que para mim, e até aí tudo bem, temos que aprender a nos adaptar. Mas as falhas mecânicas, que se arrastavam dos anos anteriores, me tiravam do eixo.

Cumprimentei a todos na garagem com um sorriso amarelo. Estavam decepcionados também. Christian veio em minha direção para dar as mesmas desculpas. Acabei dispensando-o educadamente, indo em direção do motorhome. Duraria mais umas duas horas até que toda a programação do dia terminasse. Enquanto trocava de roupa, do macacão para jeans e camiseta do time, pensava em Max, dando tudo de si na pista. Me sentei na cama de pernas cruzadas, diante da janela, observando o fraco movimento do paddock, o zumbido dos carros passando. Na mesa, junto com as minhas bagunças, havia uma rosa no ápice da sua florada.

Eu já tentava impor barreiras entre nós. Me assustava como nosso relacionamento havia evoluído naquele último ano -  era como dançar entre a linha da amizade e de algo a mais. Depois daquele momento na sede da RBR meses atrás, eu não poderia mais sair dessa linha. Evitava o contato físico, às vezes fingia dormir antes que ele chegasse ao quarto de hotel. Escondia todas as vezes que me permitia a conhecer outras pessoas. Fiquei com medo que ele se afastasse quando me viu com aquele engenheiro, mas foi o contrário. Me dava ainda mais atenção, estava sempre no meu encalço em semanas de corrida. Me perguntei se era ciúmes - como era um rapaz de pouquíssimos amigos, o vínculo que criamos, será que tinha medo disso se perder?

Max tinha tantas coisas para se preocupar, sobretudo a carga de pressão que viria nesse ano. Eu também tinhas minhas próprias ambições. Não precisava de mais uma distração.

Com o passar do tempo, observei o paddock ficar mais e mais cheio. O ronco dos motores havia silenciado. A corrida tinha terminado, com Max em P6 - seu motor, também no limite, já pedia reparos, assim soube depois. Eu o observei lá de cima, passando por alguns repórteres, o macacão na cintura e a garrafa da RedBull em mãos, bebendo vez ou outra do líquido pelo longo canudo. Logo ele sumiria da minha visão e eu continuaria vendo outros colegas. Não demoraria para a minha porta abrir.

- A princesa do alto do castelo está aqui então? - Max sabia que eu deveria estar emburrado pelo dia e a forma que falou me arrancou um sorriso. Maldito moleque. Ouvi o clique da porta se fechando, mas me mantive de costas, ainda observando o movimento lá de fora.

- Aonde mais eu estaria depois dessa bosta de dia?

- Honestamente? Achei que já estaria esvaziando uma garrafa de vodka no hotel - eu ouvia ele circular pelo quarto, sem saber o que fazer. - A equipe está combinando de ir comer algo, eu vim te chamar.

- Obrigado, mas não.

- Qual é, você nem ouviu o que tem no cardápio!

- Não me interessa, Max.

Ele se sentou na cama, colando suas costas na minha. Eu respirei fundo, sentindo seus músculos contra mim. Max não facilitava nunca pro meu lado.

- Uma vez um sábio homem me disse: vai adiantar o que ficar aqui sentindo pena de si mesmo?

- Era um grande idiota tentando convencer o outro grande idiota.

- Olha Daniel - A forma áspera que pronunciava meu nome já mostrava a raiva de ser contrariado surgindo. Secretamente, eu gostava disso - Tem duas formas de eu sair desse quarto: ou na base da porrada ou acompanhado de você. Qual você escolhe?

- Moleque, eu realmente agradeço - Tive que pensar rápido para que ele desistisse e fosse embora - Eu tô... com uma dor de cabeça aqui, meu pescoço também eu tenho sentido... eu realmente prefiro ficar aqui. Daqui a pouco o Michael vem dar uma ajuda nisso e...

Ele se moveu rápido. Girou, ajoelhou-se na cama e tocou delicadamente meu pescoço com as duas mãos. Pressionava os pontos certos, no início da coluna até a base do crânio, buscando os pontos de dor que não existiam. Suas coxas tocavam minhas costas, servindo de base para que eu relaxasse. 

- Aqui? - Ele falou baixo, massageando as laterais do meu pescoço com as pontas dos dedos.

Eu não sabia o quanto ele era bom nisso, somente concordando com um grunhido. O observava pelo fraco reflexo no vidro, estava concentrado. Ele se demorou na massagem, subindo por toda a extensão de minha cabeça, em movimentos firmes e circulares. Seus dedos buscavam espaços no meu cabelo cheio de cachos. Recostei a cabeça contra sua barriga, fechando os olhos, enquanto Max massageava minhas têmporas. Por que tinha que ser tão bom?

- Agora que já ganhou uma massagem e achou que conseguiu mentir pra mim, vamos comer algo com o pessoal? - Ele pousava suas mãos agora nos meus ombros, apertando-os. O tom de sua voz ainda era baixo e gentil.

Abri os olhos e encontrei os seus, com um sorriso de canto emoldurando o rosto. Seus olhos estavam incrivelmente azuis naquele dia, resultado da exposição ao sol que Sochi nos presenteava. Eu me demorei naquele instante. Ainda estava fresco da pista, os cabelos bagunçados, molhados pelo suor. Abri um sorriso, era irresistível. Aquela visão era absolutamente linda e devastadora. Eu precisava ficar longe de você, eu me esforcei tanto para esses momentos não acontecerem.

- Você é uma porra de um teimoso, Max - Eu me afastei, levantando da cama. Ele me seguiu, arrumando o macacão. Nem tinha trocado a roupa, desperdiçou todo seu tempo de recuperação aqui, comigo. Agarrei uma jaqueta, já perto da porta - Vamos, acho que a gente ainda encontra algo para comer por aqui.

Eu tentava fugir daquele moleque sempre que podia. Eu precisava fugir. Mas nesse dia em específico, ele me pegou.

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