2017 - HUNGRIA

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Hungaroring, julho de 2017

POV Daniel Ricciardo

A primeira parte do campeonato finalizaria, para mim, com mais um abandono por falhas no carro. Insistentemente eu ouvia "Box, box" no rádio, sem potência alguma para conseguir andar alguns metros. De um bom P5, fui sendo ultrapassado pouco a pouco, até ter que abandonar o carro, causando uma bandeira amarela. Caminhando de volta à garagem, pensava em mais uma prova não finalizada para a conta, e nada que eu poderia fazer sobre isso. Tirava tudo que podia do carro, mas as constantes falhas mecânicas colocavam tudo a perder. Em contrapartida, era a última corrida antes de 3 semanas de intervalo do calendário. E eu tinha planos excelentes para essas férias. Ao chegar de volta ao box da RedBull, fui recebido em meio a lamentações de engenheiros e mecânicos, que tentei tranquilizar com algumas piadas. 

Eu me aproximei dos monitores para acompanhar o restante da corrida de Max, abrindo o uniforme para deixá-lo na cintura, como de costume. Por baixo do macacão, usava a corrente de ouro branco que ele havia me dado semanas atrás, no meu aniversário. No fecho, nossas iniciais gravadas, discretamente. Eu me perdi na lembrança daquela noite, celebrada na estrada entre corridas. De como ele organizou um discreto jantar em nosso quarto de hotel, de todas as palavras carinhosas, seus toques e sorrisos. Até do pedido de desculpas de que ainda não tinha forças para tornar nada público ainda. Max mudava quando estávamos a sós. Seu jeito turrão dava lugar a um garoto carinhoso. Era fácil me perder naquele azul. Voltei a realidade quando Christian chegou ao meu lado, colocando uma das mãos em minhas costas, para me consolar.

- Após o Summer Break vai ser diferente, Daniel. Estamos empenhados em acertar o que está dando errado e...

- Nos dois carros? Pq é engraçado como todas as falhas possíveis chegam só no meu carro.

- Estamos fazendo o possível. Nós precisamos de um campeão, sabe? - Horner disse, entre dentes. O tom da conversa começava a mudar. - E no momento parece uma boa escolha...

- Aquele papo de merda de não ter primeiro piloto foi por água abaixo tão rápido assim?

- Mas nós estamos dando chance para ele brilhar. E tem dado certo.

- A sua obsessão pelo Max ainda vai afundar sua carreira, Chris - Ele ri, ainda encarando os monitores.

- A minha obsessão? Não parece que sou o único... nem o assunto que corre pela garagem - Ele me olha, dando a entender que sabia de tudo que acontecia entre nós - Dê um jeito nessa sua "amizade" com o Max. Precisamos de dois pilotos, não dois namorados.

- Vai se foder, Horner - digo, me afastando dali. Era melhor enfrentar os microfones da imprensa do que continuar ali.

Essas rusgas com Christian eram normais, uma troca de ofensas gratuitas e saudáveis, mas essa insinuação me incomodou. Não somente sobre minha relação com Max, mas jogar minha atuação para escanteio. Desde que ele se juntou ao time havia uma alta expectativa, sobretudo de Marko e Horner, mas o recebi no time como qualquer companheiro no passado. Porém, esse ano senti uma mudança nos ares, um tratamento diferente da direção. E suspeitava que os problemas no meu carro estavam favorecendo Max de alguma forma. Após as entrevistas, subi para meu quarto no motorhome e esperei.

Janelas e cortinas fechadas, o aguardei chegar da pista, o que não demorou muito. Assim que entrou, meu humor melhorou, sabendo que ele sequer tinha ido dar entrevistas ainda. Os cabelos estavam molhados de suor, a face vermelha e o macacão nem tinha sido aberto ainda. Dava pra ver as marcas da balaclava nas maçãs do rosto, por conta da pressão do capacete. Fresco da pista, Max tinha uma beleza diferenciada quando estava assim, e era difícil me controlar para não o despir completamente e amá-lo no chão mesmo. Mas me contentei a apenas recebê-lo com um sorriso, a abrir seu colarinho em meio a beijos e a sentir seus dedos acariciando minha nuca enquanto ajustava seu macacão na cintura. Era ridículo como eu estava apaixonado por esse menino.

- Parabéns pelo P4, ótimo resultado - eu entreguei sua garrafa de isotônico.

- Meu carro estava quase caindo aos pedaços, não sei como consegui chegar até o fim - Ele chupava o líquido pelo canudo. Os cabelos agora ainda mais rebeldes, após Max secá-los com uma toalha - Eu sinto muito que teve que abandonar...

- Confesso que isso deixa um gosto ruim pra esse começo de férias - eu sorri enquanto tirava o uniforme, para trocá-lo para uma camiseta preta da RBR. Max conhecia meus sorrisos o suficiente para saber que era doloroso se manter positivo diante da situação. Ele me ofereceu o conforto do seu braço, beijando meu rosto e murmurando incentivos.

Click.

A porta abriu. Max me empurrou fora do abraço, cambaleando para atrás. Era Michael Italiano, avisando que procuravam Max para as entrevistas. Assim que o recado foi dado, ele correu para trancar a porta.

- Essa foi por pouco... ainda bem que foi só o Michael senão...

- Christian já sabe - Eu o cortei. Max me olhou um pouco preocupado, esperando eu completar - Alguém deve ter visto alguma coisa e reportou pra ele.

 Ele me pediu detalhes do que Horner havia falado e eu contei. Via seu nervosismo subir e a face ficar mais vermelha, a linha acentuada na testa surgia.

- Fica calmo, baby - eu o abracei por trás e depositei pequenos beijos em seu pescoço. Max segurava meus braços, tenso. - Vamos descansar e pensar nisso depois. Não desistiu do summer break, né?

- Não, claro que não... - sua voz ficava distante. Ele me deu um último beijo antes de partir para cumprir os protocolos de imprensa.

Eu me reuni a ele pouco depois, quando Max já estava pronto para deixar o circuito. Caminhamos pelo paddock juntos, sem ficar tão próximos. A tarde caía, as estruturas eram desmontadas pouco a pouco. Encontramos outros amigos, falamos sobre a corrida e os planos para as férias de verão. Eu ainda o via preocupado, mas não queria insistir no assunto. Éramos grandes amigos, todos sabiam disso, e ninguém que passou por nós fez qualquer insinuação. Eu peguei meu celular para uma selfie de nós. Max se aproximou e abriu um sorriso, assim como eu o fiz também. Ele apoiou sua mão em meu ombro. "Te vejo em 3 semanas, F1!" escrevi na legenda. Ele relaxou, com essa memória criada, acariciando rapidamente meu ombro, antes de se distanciar. Quem sabe um dia poderíamos falar abertamente que já estávamos juntos naquele momento.

Voltaríamos para Mônaco juntos, para preparar a viagem. Mas havia algo que me incomodaria nos próximos dias. Blake, meu agente, preferiu me contar após o fechamento do semestre: ele viu trocarem uma peça de meu carro e sendo colocada no carro de Max. A mesma peça que abreviou minha corrida na Hungria.

As coisas começavam a mudar no paddock.

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