2018 - AUSTRÁLIA

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Circuito de Albert Park, Austrália, março de 2018

POV Max Verstappen

Albert Park inteira parecia ter um único herói para torcer: Daniel Ricciardo. Enfim o ano da Fórmula 1 se desenrolava diante de nós com uma torcida vibrante e quente. Os fãs estavam eufóricos naquela manhã, com números 3 pintado nos rostos e fotos de Daniel por toda a parte: em camisetas, cartazes, recortes de papelão. E quando nós despontamos na alameda dos fãs para atender ao máximo de pessoas possíveis, não havia um australiano sequer que não estivesse gritando seu nome. Era incrível ver a adoração à Daniel naquele momento, no Grand Prix de sua terra natal. Uma boa forma de começar a temporada depois de um merecido descanso.

Nós retornávamos de um período de férias adorável. Durante as festas de fim de ano, ficamos cada um em seu país de origem, celebrando com nossas famílias. Meu pai me evitou o máximo que pôde, aceitando uma única visita minha em sua casa. Ele me colocava em um regime de silêncio, nada de muito diferente do que eu já vivi por anos a fio sob sua tutela. Já na casa de minha mãe, era o contrário. Ela e Victoria adoravam o Natal e criavam um clima muito reconfortante. Foram dias de paz no inverno holandês. Vic me encheu de perguntas sobre nosso relacionamento. Mostrei a ela as alianças que Daniel me presenteou no verão passado, que não tive tempo de mostrar quando contei sobre nós, na Itália. Contei quase tudo daquele amanhecer australiano, inclusive o tímido pedido de namoro. Mas, sem explicar se eu havia aceitado o pedido ou não, minha irmã apenas me desejou força para os próximos passos.

Assim que janeiro chegou, ambos voltamos para Mônaco. Escondidos um na casa do outro, vivemos tudo que queríamos. Ali na segurança de nossos lares, éramos livres para sermos namorados. Conversamos muito sobre nós - e mesmo fazendo tanto tempo que estávamos juntos, soava tão novo falar no plural. Eu falei dos meus medos, Daniel me mostrou toda sua proteção. Queria estar mais a vontade, mostrar como éramos apaixonados um pelo outro. Até mesmo inspirar aqueles que estivessem em negação com a própria sexualidade. Vivíamos num ambiente bem preconceituoso, ainda que soubéssemos de história de casais que agiam quase como clandestinos no paddock. Ele sempre falava da força que eu tinha e não sabia, como um leão enjaulado. Mas ainda insisti no sigilo por mais um tempo indefinido, por todos os problemas que enfrentaríamos na equipe - e o fantasma das ameaças do meu pai. O frio de janeiro nos prendia dentro de casa. Ainda sim, sabia que era frustrante para Daniel de não sairmos tanto. Pra mim, era perfeito.

Os dias no Grand Prix da Austrália correram na normalidade e no barulho do público, que carregava seu conterrâneo em seus gritos. Restou apenas o gosto amargo na boca de cada australiano quando Daniel teve que abandonar por falha em seu motor. Seria a primeira de muitas dificuldades que enfrentaríamos no campeonato no ano. Mas houve um momento que apagaria qualquer momento grandioso daquele dia.

Foi por um segundo. A família de Daniel chegava ao recinto para a corrida. No meio do paddock, abarrotado de gente. Daniel passou seu braço pela minha cintura, abraçando-me de lado. Seus dedos me apertaram de leve, com uma pequena carícia. De repente, parecia que todos olhavam para mim. As câmeras ficaram mais evidentes, as vozes de pessoas embaralhadas num barulho alto. Suei frio e me desesperei, batendo no braço de Daniel para me soltar. O empurrei com mais força do que deveria, e o vi cambalear dois passos para trás. Foi por um segundo. Ao levantar sua cabeça, eu vi seu olhar de homem morto de novo, sem acreditar no que eu tinha feito, mas eu não podia deixar que isso fosse registrado. E dentro desse momento tão pequeno no tempo, eu sabia que isso não passaria batido. E no segundo seguinte, Daniel voltou a sorrir e passou por mim, caminhando de braços abertos para receber sua família. Um segundo.

Na hora, não falamos nada. Focamos na corrida, nas entrevistas e em organizar tudo para voltarmos e descansar. As horas entre aquele momento e o fim de prova passaram rápido demais. Dentro do mortorhome, Daniel não me procurou. Teria ele esquecido o que aconteceu ou se preparando para uma briga? Não, com certeza ele não se esqueceu, já que o vi sair do paddock em um carro separado. De volta ao hotel, caminhamos lado a lado em companhia de nossos coachs, em silêncio. Eu sabia que ele queria falar algo, via sua impaciência para chegar logo em um local privado. Ao entrarmos no elevador, impediu ambos os coachs de entrarem, apertando diversas vezes o botão para fechamento das portas.

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