Como chegamos aqui?

2018 - CHINA

Circuito Internacional de Xangai, final de março de 2018

POV Daniel Ricciardo

O incidente no paddock de Albert Park virou passado rapidamente. Ainda sim, nosso relacionamento seguia às escondidas. Estávamos bem, passeávamos ao ar livre como dois bons amigos. Quando estávamos de volta a Mônaco, passávamos dias no apartamento um do outro. Abdicava das minhas trilhas por ele, para estar ali num quarto rodeado de suas carícias e vontades, seus sorrisos e provocações. Quem sabe Xangai permitisse mais, a cidade do outro lado do mundo que poderia ser nosso refúgio pessoal.

Tivemos uma semana extra na China, entre vídeos promocionais e muito treino. Era um mercado em ascensão e saíamos na frente, com eventos pós corrida e merchandising exclusivos para aquele GP. Em uma sessão de fotos, preparávamos para fazer mais divulgação. Nesse quesito, éramos verdadeiros opostos: eu adorava ter a atenção das câmeras e promover o que usávamos. Max, se deixassem, não faria 1 sessão sequer. Fazíamos a última troca de roupas e me aproximei de Max, para ajustar a gola de sua jaqueta.

- A porra de um cara lindo, hein - eu disse, ajeitando sua roupa mais perto do que necessário. Na mesma sala haviam pessoas da produção, ajustando lentes e verificando as demais fotos em um mosaico de monitores.

- Que isso? - ele riu de nervoso - Aqui não, tá maluco?

- Ah faça-me o favor, Max. Me prenda por dizer a verdade. Se eu quisesse realmente te deixar tímido, eu diria... - e segui dizendo obscenidades ao pé do seu ouvido.

- Daniel! - ele exclamou, fazendo as outras pessoas nos olharem.

- A gente tá aqui na puta que o pariu do outro lado do mundo. Ouse, como você ousou noite passada - pisquei para ele, caminhando de volta ao estúdio.

Justiça seja feita, eu provocava Max para nos distrair. Remoeria os acontecimentos da corrida enquanto posava novamente, sorriso no rosto e uma jaqueta de touros e dragões para as câmeras.

Meu carro resistiu à pressão da Mercedes e Ferrari atrás de mim, e sustentei o primeiro lugar até o final, mesmo que já desse indícios de falhas nos freios. Cada corrida que passava o carro ficava mais e mais defeituoso. Ao estacionar, saltei alto e vibrei imensamente com meus engenheiros e mecânicos mas, em algum lugar daquele festejo, havia um tom melancólico. Horner e Marko comemoraram, sim, mas com menos vigor do que geralmente faziam. Muito menos do que quando Max vencia. Parecia um vírus que se alastrava pela equipe.

Na antessala, aguardávamos os três primeiros para o momento do pódio. Lewis e Sebastian conversavam sobre a corrida, mas eu assistia em silêncio o momento que Max ganhara vantagem por fora de uma curva. A não devolução da posição resultou em uma punição de 5 segundos, colocando-o em quinto lugar. Com o boné de primeiro lugar, eu chupava o canudo do meu isotônico, pensativo. Meu silêncio também sobrevoava outras muitas preocupações.

Naquela semana eles me apresentaram o novo contrato. E nele, duas opções: ou a insegurança de mais um ano, competindo claramente contra meu companheiro. Ou a estabilidade de 3 anos e o sepultamento da minha carreira, de que eu deveria ser o segundo piloto durante o mesmo período. Um fiel escudeiro. Nem mesmo o gosto do champagne da vitória tirava este gosto amargo, essa escolha maldita que teria que fazer. Não fosse Max, que  sempre me surpreendia.

- Daniel - sua voz veio rápida através do corredor para meu quarto no motorhome. Apressava-se ao meu encontro, macacão na cintura e um sorriso no rosto, que sempre afastava os maus pensamentos.

Max me alcançou e me fez parar. Ele me segurou contra a parede, o antebraço atravessando o meu peito, no corredor do meu quarto. As pessoas passavam a poucos metros de nós, na correria de arrumar tudo. E ainda sim, ele me segurava ali, para qualquer um ver. Me lembrei daquele pequenos avanços de meses atrás, quando trocávamos carícias nos corredores do motorhome, sem ligar para quem nos visse. E mesmo que Max ainda travasse em novas tentativas, ele me encarava tão perto que tinha me pegado de guarda baixa.