2016 - SUMMER BREAK

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Monte Carlo, Agosto de 2016

POV Max Verstappen

Meses passaram desde Mônaco, e parece que aquele dia fortaleceu ainda mais a nossa amizade. Eu e Daniel estávamos sempre juntos desde então - era muito fácil conviver com ele. Raras as vezes eu o vi triste e frustrado como naquela corrida - e quando o fazia, sempre era em algum espaço reservado. Dizia que não queria contaminar ninguém com aqueles sentimentos, deixar a moral da equipe intacta. Logo voltava ao seu normal. Danny sempre estava sorrindo, sempre brincando. Me aconselhou diversas vezes, me ajudou a controlar meus surtos de raiva. Ele era duro comigo quando precisava, mas sempre com um sorriso e um abraço no fim. Era diferente de tudo que eu tinha aprendido desde então.

Resolvemos antecipar a volta do summer break, para curtir alguns dias juntos em Monte Carlo antes que as corridas do segundo semestre começasse. Retornamos à rotina de exercícios juntos, fizemos algumas trilhas, mas também desfrutamos da paz que Mônaco oferecia. Num fim de tarde, ele me levou ao seu barco atracado no píer, onde ficamos bebendo e conversando. Havia uma pequena luz no alto do mastro, nos iluminando fracamente enquanto a noite avançava. Uma pequena caixa de som tocava uma interminável playlist de lo-fi, quebrando os ocasionais silêncios. Estávamos esparramados em um enorme sofá espreguiçadeira acoplado à proa do barco, as cervejas nas mãos.

- Max, você me parece tão mais leve. O que mudou? Foi um bom summer break? - Daniel disse com um meio sorriso. Ele se ajeitou no assento, cruzando as pernas em posição de meditação, seu shorts jeans deixando as tatuagens à mostra. Isso era um indicativo de algumas palavras duras poderiam vir, era um momento de introspecção.

- Ah, você acha? Eu acho que nada mudou não - menti, sentindo seu olhar sobre mim - Qual é, nada mudou mesmo. Você está delirando.

- Moleque, para com isso. O que aconteceu? - Ele coçava  a coxa cheia de tatuagens, impaciente. Foram alguns minutos e silêncio, eu alisava a barra da minha camisa branca e as dobras do meu shorts marrom, procurando as palavras.

- Danny, eu acho que.. eu acho que foram várias coisas - as palavras saiam atropeladas - A promoção pra RedBull, minha confiança e aumentou, a raiva diminuiu... você...

- Eu?

- É... - eu lutava pra encontrar as palavras certas - Olha, eu nunca tive um momento assim com um amigo, por exemplo. De passar um tempo à toa, só pra dar risada. Eu nunca... eu nunca tive um amigo em quem pudesse confiar... acho que isso me deixou um pouco mais fácil de lidar. São poucos meses que a gente se conhece pra valer mas...

Daniel sorriu, bebendo mais de sua cerveja.

- Então eu sou amigo de Max Verstappen? - ele disse, em tom de brincadeira.

- Ah, cale a boca - eu ri em retorno.

Era uma noite de céu limpo e lua minguante. Sem muitas luzes para interferir, o brilho das estrelas era incrível. Daniel deitou-se na espreguiçadeira, olhando para cima por um bom tempo, em silêncio.

- Tantos anos vivendo em Mônaco e eu ainda não me acostumei com esse céu - finalmente disse, complementando ao ver meu olhar de dúvida - na Austrália eu conseguia localizar várias constelações, mas desse hemisfério... nunca consegui me encontrar.

- Ah, vejamos... eu sei encontrar algumas - me deitei ao seu lado, observando as estrelas. Aponto para um local no céu - Ali você vê Sirius, a mais brilhante! E ali - apontando para outro extremo - Você tem a Ursa Maior. Consegue ver, ali aquele aglomerad-

- Max, o que é isso? - Daniel perguntou, segurando a mão que eu havia estendido para encontrar as constelações. Haviam três cicatrizes de queimadura em linha reta, antigas, na lateral de três dedos: o anelar, do meio e indicador. Instintivamente, eu recolhi a mão.

- Não é nada - eu fechei a cara automaticamente.

- Max, você realmente acha que isso vai funcionar comigo? Você não acabou de dizer que sou seu amigo? - ele se deitou de lado, me encarando.

- Foi... meu pai - meus olhos se encheram d'água imediatamente.

- Ah Max... me desculpe... - eu me deitei de lado, olhando para ele, as lágrimas caindo sem muita emoção. Ele sabia que meu pai era um tópico sensível - Quer conversar sobre? 

As histórias foram brotando, uma atrás da outra. As muitas vezes que voltei na chuva para casa. Ou das vezes que tive que carregar meu próprio kart sozinho, quando tinha uns 10 anos. Os gritos, as ameaças, os tapas. Contei como uma vez, no meu aniversário, ele preparou uma festa e disse que tinha chamado todos os meus amigos. Ninguém foi, e o restante do dia foi um discurso interminável de como não pode-se confiar nas pessoas. Anos mais tarde, descobri que ninguém tinha sido convidado, que aquilo era um teste. Contei dos brinquedos destruídos como punição por ter ido mal em alguma disputa. As queimaduras nos dedos foram uma punição por ter perdido meu primeiro campeonato de kart, por um acidente bobo. Ele me fez segurar ferros em brasa entre os dedos. Quando minha mãe descobriu, preencheu os papéis do divórcio no dia seguinte.

Mas sem tentar justificar as ações que eu contava, Daniel ficou ali, me observando, um braço esticado com a mão em meus cabelos, fazendo um constante cafuné. Era um acalento seu toque, tornava mais fácil falar tudo aquilo que estava engasgado dentro de mim por muitos anos. Aceitando todo o desabafo, sem julgar minhas palavras. Vez ou outra as lágrimas voltavam, e ele as limpava do meu rosto com os nós de seus dedos, sem me interromper.

O leve balanço do barco parecia ninar seus tripulantes, a cerveja ajudou ainda mais. Acabei adormecendo. Eu senti quando Daniel colocou uma coberta em cima de mim e, apesar dos protestos sonolentos, acomodou minha cabeça em um travesseiro. Ele se deitou ao meu lado, com seu próprio cobertor, segurando e acariciando minha mão com as queimaduras.

- Você não merecia nada disso, Max - eu o ouvi sussurrar, beijando as cicatrizes - Não quero te ver sofrer nunca mais, não vou deixar...

Em algum momento, a luz no barco se apagou. Tudo estava em paz.

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