A beira-mar

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Para um alfa, cedo ou tarde a vida passava de algo trivial para uma pressão constante. Ao menos nas camadas mais altas — no caso, na nobreza e no clero, onde em algum momento de suas vidas teriam, querendo ou não, que tomar uma posição de liderança diante daquilo para o que estava destinado a ser. A partir desse ponto a pressão aumentava numa crescente, jamais abandonando o alfa até o fim de seus dias, fosse esse fim chegado de uma maneira positiva ou negativa. Alguns alfas gostavam da sensação; a expectativa do poder podia ser um prazer para determinadas pessoas. Para outros, o tique-taque intenso do relógio se aproximando do dia inevitável poderia ser desolador. E havia, também, os que transitavam entre os polos, sentindo o frio na barriga os consumirem ao mesmo tempo em que mal podiam esperar para assumir, enfim, suas maiores responsabilidades enquanto seres humanos.

Seokjin era um dos que se encaixavam no terceiro tipo de alfas. Desde o instante em que exalou o cheiro forte de limão não houve um momento em que não pensasse, com certa felicidade, que num dia qualquer seria coroado Rei de sua nação. Muito mais do que a pompa do cargo, desde pouca idade Seokjin sonhava em poder ser útil para o reino e respeitado diante de seu povo, mesmo nos tempos em que ainda não se sabia se sua biologia o permitiria de fato governar. Era bem mais do que o desejo de deter o poder nas mãos; era a vontade de entrar para a História como justo, correto e pacífico.

Anseios desta monta, considerados utópicos por não pouca gente, eram não típicos dos alfas lúpus. Contudo, tais presunções eram próprias de sua personalidade, e eram tão fortes quanto os brios de um lúpus poderiam ser. A convicção de Seokjin era consistente, e a firmeza de suas posições fizeram com que, com o tempo, se tornasse um príncipe visto digno de confiança pelos membros decisivos da Corte. Não era dado a paixões e irresponsabilidades constantes, como se via acontecer com frequência entre os de sua espécie, e isso contava a seu favor. Mostrava-se integrado, consciente e ponderado com suas obrigações, provando que um alfa lúpus não precisava abusar de sua condição nem conquistar coisa alguma "no grito", bastando para tanto ser preciso, esperto e respeitável. Atualmente ninguém duvidava de que, quando as obrigações o chamassem, seria um excelente líder, com exceção dele próprio. E era aí que entrava a característica que o fazia repensar, em tantas oportunidades, que talvez não fosse o futuro rei que Gwacheon merecia ter, o fazendo pertencer ao terceiro grupo de alfas.

Boa parte disso se dava pelo fato de ser um filho único. A pressão natural que um alfa sofria tão logo iniciava a sua puberdade, para Seokjin, foi ainda mais intensa. Ele seria a única pessoa capaz de levar adiante o nome de sua Casa, o único que poderia expandir a sua linhagem. Não havia ninguém além dele oficialmente legalizado para este fim, e um peso desses nas costas de um garoto de onze anos podia ser bastante opressor — o que, de fato, acabou sendo. Não ajudava sua condição ser visto, inicialmente, como um alfa lúpus "macio" demais, que preferia dialogar a dar ordens sem maiores explicações. Descobrir coisas sobre suas origens e, recentemente, ficar a par das tramas que vinham sendo desenhadas por debaixo dos panos fez sua autoestima terminar por despencar ainda mais.

Foi por isso que entrou em crise quando lhe noticiaram que já tinham escolhido um ômega para que ele desposasse. Por esta razão não queria ver o noivo quando este chegou, agindo como inconsequente numa das poucas vezes em sua vida. O casamento era um passo largo, e diante de tudo o que sabia sobre si mesmo e sobre o que vinha acontecendo em seu reino, não havia como se acalmar plenamente. Era bom ter uma fuga, uma chance de alienação, uma tábua para se agarrar em meio ao oceano de angústias e medos que vez ou outra afogava seus maiores sonhos enquanto Príncipe Herdeiro. Casar-se com alguém que nunca tinha visto a não ser por um quadro era assustador por si só, e ganhava traços ainda mais espinhosos para um alfa em sua posição.

Seokjin não podia admitir, mas estava assustado, e o temor, de uns tempos para cá, vinha se mostrando bem maior do que a ansiedade de poder ser, finalmente, quem tinha sido concebido para ser. O clima estava tenso, e numa bela manhã sua Casa poderia acordar com o cerco fechado, e ele não teria chance alguma de pôr em prática todos os ensinamentos e princípios que a caro custo acumulou ao longo da adolescência, nas extensas aulas preparatórias sobre como ser Rei. Não havia como uma pessoa com seu modo de pensar e ver a vida passar ileso por isso, e Seokjin não era melhor que ninguém para conseguir um feito desse tipo.

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