CAPITULO 2 - A tocaia ao intruso: O princípio da iniciação

235 3 0
                                    

Num único ser humano existem muitos outros seres, todos com seus próprios

valores, motivos e projetos. Algumas tecnologias psicológicas sugerem que

prendamos esses seres, que os numeremos, que os classifiquemos, que os forcemos a

aceitar o comando até que nos acompanhem como escravos vencidos. Agir assim

equivale, no entanto, a impedir a dança das luzes selváticas nos olhos de uma mulher;

a proibir os relâmpagos e reprimir toda emissão de centelhas. Em vez de deturpar sua

beleza natural, nossa tarefa consiste em criar para todos esses seres uma paisagem

selvagem na qual os artistas entre eles possam criar, os amantes amar, os curandeiros

curar.

Mas o que devemos fazer com esses seres interiores que são completamente

loucos e com aqueles que destroem.sem pensar? Mesmo a esses deve ser atribuído

um lugar, muito embora seja um lugar que os possa conter. Uma entidade em

especial, o fugitivo mais traiçoeiro e mais poderoso na psique, exige nossa

conscientização e contenção imediatas — e esse é o predador natural.

Embora a causa de grande parte do sofrimento humano possa ser atribuída a

uma criação negligente, existe também dentro da psique um aspecto contra naturam

inato, uma força voltada "contra a natureza". O aspecto contra naturam opõe-se só

que for positivo: ele é contra o desenvolvimento, contra a harmonia e contra o que for

selvagem. Trata-se de um antagonista debochado e assassino que nasce dentro de nós

e, mesmo com a viação parental mais cuidadosa, sua única função é a de tentar

transformar todas as encruzilhadas em ruas sem saída.

Esse potentado predatório1

aparece de vez em quando nos sonhos das

mulheres. Ele irrompe no meio dos planos da alma mais significativos e profundos.

Ele isola a mulher da sua natureza intuitiva. Quando termina seu trabalho destrutivo,

ele deixa a mulher com os sentimentos entorpecidos, sentindo-se frágil para seguir

adiante na vida. Suas idéias e seus sonhos jazem a seus pés, esgotados de qualquer

animação.

A história do Barba-azul trata dessa questão. Na América do Norte, as versões

mais conhecidas do Barba-azul são a francesa e a alemã.2 Eu, porém, prefiro essa

antiga versão na qual a francesa e a eslava estão fundidas. Ela é parecida com a que

me foi passada por minha tia Kathé (pronuncia-se "Kêiti"), que vivia em Csíbrak,

perto de Dombovar na Hungria. Entre aquele grupo de contadoras rurais, a história

do Barba-azul começa com uma piada acerca de alguém que conhecia alguém que

conhecia alguém que havia visto a prova medonha da derrocada do Barba-azul. E

assim começamos.

=======================================

Existe uma mecha de barba que fica guardada no convento das freiras brancas

Mulheres que Correm com os LobosOnde histórias criam vida. Descubra agora