Capítulo 11-O cio: A recuperação de uma sexualidade sagrada As deusas sujas

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Há um ser que vive no subterrâneo selvagem das naturezas das mulheres. Essacriatura faz parte da nossa natureza sensorial e, como qualquer animal completo,possui seus próprios ciclos naturais e nutritivos. Esse ser é curioso, gregário,transbordante de energia em certas horas, submisso em outras. Ele é sensível aestímulos que envolvam os sentidos: a música, o movimento, o alimento, a bebida, apaz, o silêncio, a beleza, a escuridão.1É esse aspecto da mulher que tem cio. Não um cio voltado exclusivamente paraa relação sexual, mas uma espécie de fogo interior cuja chama cresce e depois abaixa,em ciclos. A partir da energia liberada nesse nível, a mulher age como lhe convém. Ocio da mulher não é um estado de excitação sexual, mas um estado de intensaconsciência sensorial que inclui sua sexualidade, sem se limitar a ela.Muito poderia ser escrito acerca dos usos e abusos da natureza sensorialfeminina e sobre como a mulher e outras pessoas atiçam o fogo à revelia dos seusritmos naturais ou tentam extingui-lo por completo. No entanto, em vez disso, vamosfocalizar um aspecto que é ardente, decididamente selvagem e que transmite umcalor que nos mantém aquecidas com boas sensações. Na mulher moderna, essamanifestação sensorial recebeu pouquíssima atenção e, em muitas regiões e períodos,foi totalmente eliminada.Existe um aspecto da sexualidade feminina que, nos tempos remotos, erachamado de obsceno sagrado, não na acepção que damos hoje em dia ao termo, mascom o significado de uma sabedoria sexual de uma certa forma bem-humorada.Havia outrora cultos a deusas que eram voltados para uma sexualidade femininairreverente. Longe de serem depreciativos, eles se dedicavam a ilustrar partes doinconsciente que ainda hoje permanecem misteriosas e em grande partedesconhecidas.A própria idéia da sexualidade como sagrada e, mais especificamente, daobscenidade como um aspecto da sexualidade sagrada, é vital para a naturezaselvática. Havia deusas da obscenidade nas antigas culturas matriarcais — assimdenominadas por sua lascívia astuta, porém inocente. Contudo, a linguagem, pelomenos no inglês, dificulta a compreensão das "deusas sujas" como algo que não sejavulgar. Eis o que a palavra sujo e outros termos a ela relacionados significam. A partirdesses significados, creio que ficará claro por que motivo essa antiga adoração àsdeusas foi empurrada para baixo do pano.Gostaria que vocês examinassem as seguintes definições encontradas emdicionários e chegassem às suas próprias conclusões.• Dirt (sujeira): Inglês Médio, drit, provavelmente do islandês — excremento.Significado ampliado para incluir imundície; geralmente, o solo e a poeira, porexemplo, e obscenidade de qualquer natureza, especialmente na fala.• Dirty word (palavrão): uma palavra obscena, também usada atualmentepara designar qualquer coisa que tenha se tornado impopular ou suspeita em termossociais ou políticos, muitas vezes através de difamação e críticas imerecidas ou porestar em descompasso com as tendências atuais.• Obscene: do hebraico antigo, ob, significando um mago, uma feiticeira.250Tudo isso, difamação. Existem, porém, fragmentos de histórias em toda acultura mundial que sobreviveram a vários expurgos. Eles nos informam que oobsceno não é absolutamente vulgar, mas que lembra mais alguma criatura fantásticada natureza que desejamos muito que nos venha visitar e que venha a ser uma dasnossas melhores amigas.Há alguns anos, quando comecei a contar "histórias de deusas sujas", asmulheres sorriam e depois riam ao ouvir os feitos de mulheres, tanto verdadeirasquanto mitológicas, que haviam usado sua sexualidade, sua sensualidade, paratransmitir uma idéia, para amenizar a tristeza, provocar o riso e, desse modo, corrigiralgo que estivesse desencaminhado. Eu também me comovi com a forma pela qual asmulheres se aproximavam do limiar do riso a respeito desses assuntos. Elas primeiroprecisavam pôr de lado tudo que lhes dizia que isso não seria sinal de boa educação.Percebi como essa atitude de "boa educação" nas situações erradas realmentesufocava a mulher em vez de permitir que respirasse. Para rir, você precisa ser capazde soltar o ar e inspirar de novo rapidamente. Sabemos a partir da cinesiologia e deterapias do corpo, como a Hakomi, que respirar significa conhecer nossas emoções,que, quando queremos parar de sentir, interrompemos a respiração, prendendo-aNo riso, a mulher pode começar a respirar de verdade e ao fazê-lo, ela talvezcomece a ter sentimentos censurados. E quais poderiam ser esses sentimentos? Bem,eles acabam não sendo sentimentos, mas alívio para os sentimentos e, em algunscasos, curas para os sentimentos, como por exemplo a liberação de lágrimas contidasou de lembranças esquecidas ou ainda a destruição das amarras que prendiam apersonalidade sensual.Ficou evidente para mim que a importância dessas antigas deusas daobscenidade estava na sua capacidade de soltar o que estava muito preso, de fazerdissipar a melancolia, de trazer ao corpo uma espécie de humor pertencente não aointelecto, mas ao próprio corpo, de manter desobstruídas as passagens. É o corpo queri das histórias de coiotes, das histórias de Tio Trungpa,2 das frases de Mae West,entre outras. As deusas sujas fazem com que uma forma vital de medicamentoneurológico e endócrino se espalhe por todo o corpo.Seguem-se três histórias que encarnam o obsceno nos termos em que estamosusando a palavra, ou seja, uma espécie de encanto sexual/sensual que gera emoçõesagradáveis. Todas as três podem ser empregadas como histórias ilustrativas. Duassão antigas, e uma é atual. As três tratam das deusas sujas. Chamo-as de sujas porqueestiveram muito tempo vagueando debaixo da terra. No sentido positivo, elaspertencem à terra fértil, à lama, ao estrume — à substância criadora da qual seorigina toda arte. Na realidade, as deusas sujas representam aquele aspecto daMulher Selvagem que é tanto sexual quanto sagrado.Baubo: a deusa do ventreHá uma expressão muito forte que diz: Dice entre las piernas, "ela fala domeio das pernas". Essas pequenas histórias "do meio das pernas" são encontradas emtodo o mundo. Uma delas é a história de Baubo, uma deusa da Grécia antiga, achamada "deusa da obscenidade". Ela tem nomes mais antigos, como por exemploIambe, e aparentemente os gregos a adotaram de culturas muito mais antigas.Sempre houve deusas selvagens arquetípicas da sexualidade sagrada e da fertilidadeda vida-morte-vida desde o início dos tempos.Conhece-se apenas uma referência escrita a Baubo remanescente de temposremotos, dando a nítida impressão de que seu culto foi destruído e soterrado pelasdiversas conquistas. Tenho a forte sensação de que em algum ponto, talvez debaixo251daqueles morros silvestres e lagos de florestas na Europa e no Oriente, existamtemplos dedicados a ela, templos lotados de artefatos e ícones de marfim.3Portanto, não é por acaso que poucos ouviram falar de Baubo mas, lembrem-se, precisamos apenas de um fragmento para reconstituir o todo. E temos essefragmento, porque temos uma história em que Baubo aparece. Ela é uma dasdivindades mais adoráveis e picarescas que habitaram o Olimpo. Esta é a minhaversão da cantadora, baseada num resquício selvático de Baubo que ainda cintila namitologia grega pós-matriarcal e nos hinos homéricos.4=====================Deméter, a mãe-terra, tinha uma linda filha chamada Perséfone, que estavaum dia brincando ao ar livre. Perséfone encontrou por acaso uma flor de rara beleza eestendeu os dedos para tocar seu lindo cálice. De repente, a terra começou a tremer euma gigantesca fenda se abriu em ziguezague. Das profundezas da terra chegouHades, o deus dos Infernos. Ele chegou alto e majestoso numa biga negra puxada porquatro cavalos da cor de fantasmas.Hades apanhou Perséfone, levando-a para sua biga, em meio a uma confusãode véus e sandálias. Ele guiou, então seus cavalos cada vez mais para dentro da terra.Os gritos de Perséfone foram ficando cada vez mais fracos à medida que a fenda foi sefechando como se nada tivesse acontecido. Por toda a terra, abateu-se um silêncio e operfume de flores esmagadas.E a voz da donzela a gritar ecoou nas pedras das montanhas e borbulhou numlamento vindo do fundo do mar. Deméter ouviu os gritos das pedras. Ela ouviu,também, o choro das águas. Arrancou, então, a grinalda dos seus cabelos imortais,deixou cair de cada ombro seus véus escuros e saiu a sobrevoar a terra como uma aveenorme, procurando, chamando por sua filha.Naquela noite, uma velha à frente de uma gruta comentou com suas irmãs quehavia ouvido três gritos naquele dia um, o de uma voz jovem que gritava de pavor;um outro que implorava ajuda; e um terceiro, o de uma mãe que chorava.Não se via Perséfone em parte alguma. E assim começou a procura longa eenlouquecida de Deméter por sua filha querida. Deméter esbravejava, chorava,gritava, fazia perguntas, procurava debaixo, dentro e em cima de todos os acidentesgeográficos, implorava por misericórdia, implorava pela morte, mas não conseguiaencontrar sua filha amada.Assim, ela, que havia gerado o crescimento perpétuo tudo, amaldiçoou todosos campos férteis do mundo, gritando na sua dor.— Morram! Morram! Morram!Em decorrência da maldição de Deméter, nenhuma criança poderia nascer,nenhum trigo poderia crescer para se fazer pão, nenhuma flor para as festas, nenhumramo para os mortos. Tudo ficou murcho e esgotado na terra crestada e nos seiossecos.A própria Deméter não mais se banhava. Seus mantos estavam encharcados delama; seus cabelos pendiam em cachos imundos. Muito embora a dor no seu coraçãofosse tremenda, ela não se entregava. Depois de muita investigação, de muitospedidos e de muitos incidentes, tudo levando a nada, ela afinal perdeu as forças aolado de um poço numa aldeia onde não era conhecida. E quando recostou seu corpodolorido n pedra fresca do poço, chegou por ali uma mulher, ou melhor, uma espéciede mulher. E essa mulher chegou dançando até Deméter, balançando os quadris de252um jeito que sugeria a relação sexual, e balançando os seios nessa sua pequena dança.E, quando Deméter a viu, não pôde deixar de sorrir um pouco.A fêmea que dançava era realmente mágica, pois não tinha nenhum tipo decabeça, seus mamilos eram seus olhos e sua vulva era sua boca. Foi com essaboquinha que ela começou a regalar Deméter com algumas piadas picantes eengraçadas. Deméter começou a sorrir, depois deu um risinho abafado e em seguidauma boa gargalhada. Juntas, as duas mulheres riram, a pequena deusa do ventre,Baubo, e a poderosa deusa mãe da terra, Deméter.E foi exatamente esse riso que tirou Deméter da sua depressão e lhe deuenergia para prosseguir na sua busca pela filha, que acabou em sucesso, com a ajudade Baubo, da velha Hécate, e do sol Hélios. Restituíram Perséfone à sua mãe. Omundo, a terra e o ventre das mulheres voltaram a vicejar.========================Sempre gostei mais dessa pequena Baubo do que de outras deusas namitologia grega, talvez mais do que de qualquer outra figura, ponto final. Ela semdúvida tem como origem as deusas do ventre do período neolítico, que sãomisteriosas figuras sem cabeça e às vezes sem pés e sem braços. É insignificantechamá-las de figuras de fertilidade, porque elas são muito mais do que isso. Elas sãotalismãs da conversa da mulher — vocês sabem, aquele tipo de conversa que asmulheres nunca, nunca mesmo, teriam na frente de um homem, a não ser que fossesob circunstâncias raras. Esse tipo de conversa.Elas representam sensibilidades e expressões exclusivas em todo o mundo: osseios, e o que é sentido dentro desses bichinhos sensíveis, os lábios da vulva, nosquais a mulher tem sensações que outros podem imaginar mas que só ela sabe. E agargalhada é um dos melhores remédios que a mulher pode ter.Sempre considerei que o kaffeeklatsch era um remanescente de algum antigorito feminino de reunião, um ritual de conversa íntima, mulheres falando com suasentranhas, dizendo a verdade, rindo até parecerem bobas, revigoradas, de volta aolar, sentindo tudo melhor.Às vezes é difícil conseguir que os homens se afastem para que as mulherespossam ficar a sós. Só sei que antigamente as mulheres estimulavam os homens afazer uma "excursão de pesca". Trata-se de um ardil usado pelas mulheres desdetempos imemoriais com o objetivo de fazer com que os homens saíssem por algumtempo a fim de que elas pudessem ficar sozinhas ou só com outras mulheres. Asmulheres desejam estar numa atmosfera exclusivamente feminina de quando emquando, quer sós quer com outras. Trata-se de um ciclo feminino natural.A energia masculina é agradável. Ela é mais do que agradável; ela éexuberante, grandiosa. No entanto, ela às vezes lembra um banquete de chocolates.Depois, ansiamos por arroz frio e puro durante alguns dias e um caldo quente esimples para limpar a boca. Precisamos fazer isso de vez em quando.Além do mais, a pequena deusa Baubo nos dá a idéia interessante de que umpouco de obscenidade pode ajudar a desfazer uma depressão. E é verdade que certostipos de riso, que provêm de todas as histórias que as mulheres contam umas para asoutras, histórias que são tão apimentadas ao ponto de serem de total mau gosto...essas histórias ativam a libido. Elas acendem o fogo do interesse da mulher pela vida.A deusa do ventre e a gargalhada são o que procuramos.Portanto, acrescente à sua coleção de medicamentos essas histórias típicas deBaubo. Essa forma diminuta de história é um remédio poderoso. A história engraçada253e "suja" pode não só acabar com a depressão como arrancar da raiva o coração irado,deixando a mulher mais feliz do que antes. Experimente e verá.Agora não posso me estender muito acerca dos dois aspectos seguintes nahistória de Baubo, pois eles se destinam a ser debatidos em pequenos grupos esomente entre mulheres, mas posso afirmar o seguinte: Baubo tem um outro aspecto— ela vê com os mamilos. É um mistério para os homens, mas as mulheres emseminários concordam entusiasticamente e dizem saber exatamente do que estoufalando.Ver com o mamilos é sem dúvida uma qualidade sensorial. Os mamilos sãoórgãos psíquicos, sensíveis à temperatura, ao medo, à raiva, ao barulho. Eles sãoórgãos dos sentidos tanto quando os olhos na cabeça.E quanto a "falar com a vulva", trata-se simbolicamente de falar a partir daprimae materia, o nível mais básico e honesto da verdade — a boca vital. O que maishaveria a dizer além de que Baubo fala do filão mestre, da mina profunda,literalmente das profundezas. Na história em que Deméter procura sua filha,ninguém sabe que palavras Baubo teria realmente dito a Deméter. Mas podemos teralgumas idéias.Coyote Dick*Creio que as piadas que Baubo contou a Deméter eram piadas de mulheres arespeito desses belos transmissores e receptores: os órgãos genitais. Nesse caso,talvez Baubo tenha contado a Deméter uma história com a que se segue, que ouvi háalguns anos de um administrador de estacionamento de trailers em Nogales. Seunome era Old Red e ele alegava ser de origem indígena.Ele não estava usando sua dentadura e não se barbeava há alguns dias. Suaesposa simpática, Willowdean, tinha o rosto bonito porém castigado. Ela me disseque havia uma vez quebrado o nariz numa briga de bar. Eles possuíam três Cadillacs,nenhum funcionando. A mulher tinha um Chihuahua que mantinha preso numcercadinho na cozinha. Ele era o tipo de homem que não tira o chapéu nem quandoestá sentado no vaso sanitário.Eu estava recolhendo histórias e havia chegado ao seu território com meupequeno trailer Napanee.— Vocês conhecem algumas histórias típicas dessa região? ~- comecei,querendo dizer sua terra e redondezas.Old Red olhou para a mulher com um sorriso matreiro e frouxo e a provocou,debochado.— Vou contar para ela a história de Coyote Dick.5— Red, não conte essa história para ela. Não vá me contar essa história.— Vou lhe contar a história de Coyote Dick de qualquer jeito — afirmou OldRed. Willowdean pôs as mãos na cabeça e falou direto para a mesa.— Red, não conte essa história. Estou falando sério.— Vou contar, e é agora mesmo, Willowdean. Willowdean sentou-se de lado,com a mão tapando os olhos como se tivesse ficado cega.Eis a história que Old Red me contou. Ele disse que a havia ouvido "de umíndio navajo, que a havia ouvido de um mexicano, que a havia ouvido de um hopi".*Dick é a forma hipocoristica de Richard, mas é também um termo vulgar para designar o pênis. (N. da T.)254======================Era uma vez Coyote Dick, e ele era tanto a criatura mais esperta quanto a maistonta que jamais se podia esperar encontrar. Ele estava sempre querendo comeralguma coisa, sempre trapaceando as pessoas para conseguir o que queria e, emqualquer outra hora, estava dormindo.Bem, um dia quando Coyote Dick estava dormindo, seu pênis ficou realmenteentediado e resolveu abandonar Coyote para viver sozinho uma aventura. Foi assimque o pênis se soltou de Coyote Dick e saiu correndo pela estrada. Na realidade, elepulava pela estrada afora já que possuía só uma perna.E ele foi pulando e pulando, e se divertindo até que saltou da estrada e entrouna floresta, onde — Ah, não! — ele pulou direto numa moita de urtigas.— Ai! — gritou ele. — Ai, ai, ai! — berrou ele. — Socorro! Socorro!O barulho dessa gritaria toda acordou Coyote Dick e, quando ele estendeu amão para dar partida no coração com a manivela, como de costume, viu que ela nãoestava mais lá. Coyote Dick saiu correndo pela estrada, segurando-se no meio daspernas, e afinal encontrou seu pênis passando pela maior dificuldade que se pudesseimaginar. Com grande delicadeza, Coyote Dick tirou seu pênis aventureiro do meiodas urtigas, acarinhou-o, tranqüilizou-o e o devolveu ao seu lugar certo.Old Red ria como um louco, com acesso de tosse, olhos saltados e tudo o mais.— Essa é a história do velho Coyote Dick.— Você se esqueceu de contar o final — repreendeu-o Willowdean.— Que final? Já contei o final — resmungou Old Red.— Você se esqueceu de contar para ela o verdadeiro final da história, seuporcaria.— Ora, se você se lembra assim tão bem, então conte você mesma. — Acampainha tocou e ele se levantou da cadeira desconjuntada.Willowdean olhou direto para mim, e seus olhos cintilavam.— O final da história é a moral. — Nesse instante, Baubo apoderou-se deWillowdean, pois ela começou a dar risinhos, a rir abertamente e afinal a gargalhartanto, e até com lágrimas, que levou dois minutos para conseguir dizer as duasúltimas frases, já que repetia cada palavra duas ou três vezes enquanto tentavarecuperar o fôlego.— A moral é que, mesmo depois de Coyote Dick sair do meio das urtigas, elasfizeram seu pau coçar feito louco para todo o sempre. E é por isso que os homensestão sempre chegando perto das mulheres e querendo se esfregar nelas com aqueleolhar de "Estou com uma coceira". Pois é, aquele pau universal está coçando desde aprimeira vez que fugiu do dono.Não sei o que deu em mim, mas ficamos ali sentadas na cozinha, rindo aosguinchos e batendo na mesa até praticamente perdermos o controle dos músculos.Depois, a sensação me pareceu semelhante àquela de ter comido um bom pedaço deraiz-forte. É esse o tipo de história que eu realmente acho que Baubo contou. Seurepertório inclui qualquer coisa que faça as mulheres rirem desse jeito, desenfreadas,sem ligar para as amídalas aparecerem, com a barriga solta, com os selos balançando.Há algo numa risada sexual que é diferente de uma risada sobre temas maiseducados. Uma risada "sexual" parece chegar longe e fundo na psique, sacudindotodos os tipos de coisas, tocando nos nossos ossos e fazendo com que uma sensaçãoagradável corra por nosso corpo. Ela é uma forma de prazer selvagem que está àvontade no repertório psíquico de qualquer mulher.255O sagrado e o sensual/sexual vivem muito próximos um do outro na psique,pois eles despertam nossa atenção por meio de uma sensação de assombro, não poralguma racionalização, mas pela vivência de alguma experiência física do corpo, algoque instantaneamente ou para sempre nos muda, nos sacode, nos leva ao ápice,abranda nossas rugas,-nos dá um passo de dança, um assobio, uma verdadeiraexplosão de vida.No sagrado, no obsceno, no sexual, há sempre uma risada selvagem à espera,um curto período de riso silencioso, a gargalhada de velha obscena, o chiado que éum riso, a risada que é selvagem e animalesca ou o trinado que é como uma volata. Oriso é um lado oculto da sexualidade feminina: ele é físico, essencial, arrebatado,revitalizante e, portanto, excitante. É um tipo de sexualidade que não tem objetivo,como a excitação genital. É uma sexualidade da alegria, só pelo momento, umverdadeiro amor sensual que voa solto e que vive, morre e volta a viver da sua própriaenergia. Ele é sagrado por ser tão medicinal. É sensual por despertar o corpo e asemoções. Ele é sexual por ser excitante e gerar ondas de prazer. Ele não éunidimensional, pois o riso é algo que compartilhamos com nosso próprio self bemcomo com muitos outros. É a sexualidade mais selvagem da mulher.Segue-se mais um exemplo de histórias de mulheres e de deusas sujas. Essahistória conheci quando criança. É surpreendente o que as crianças ouvem que osadultos acham que elas não ouvem.Uma viagem a RuandaEu tinha cerca de doze anos, e estávamos no lago Big Bass no norte deMichigan. Depois de preparar o café da manhã e o almoço para quarenta pessoas,todas as minhas parentas redondas e bonitas, minha mãe e minhas tias, estavamdeitadas ao sol em espreguiçadeiras, conversando e contando piadas. Os homensestavam "pescando" — o que significava que eles estavam se divertindo, dizendopalavrões e contando suas próprias histórias e piadas. Eu estava brincando por pertodas mulheres.De repente, ouvi uns guinchos agudos. Alarmada, corri para onde as mulheresestavam. Mas elas não estavam gritando de dor. Elas estavam rindo, e uma dasminhas tias não parava de repetir sempre que recuperava o fôlego entre os gritos, "...cobriram o rosto... cobriram o rosto!" Essa frase misteriosa provocava novos acessosde riso em todas elas.Elas ficaram muito tempo gritando, guinchando e recuperando o fôlego paravoltar a guinchar. No colo de uma das minhas tias havia uma revista. Mais tarde,quando todas elas cochilavam ao sol, tirei a revista da sua mão adormecida e medeitei debaixo da espreguiçadeira lendo com os olhos espantados. Na página haviaum caso da Segunda Guerra Mundial. Eis o que dizia:==========================O general Eisenhower ia visitar suas tropas em Ruanda. [Poderia ter sidoBornéu. Poderia ter sido o general MacArthur. Os nomes não significavam muitopara mim naquela época.] O governador queria que todas as mulheres nativas sepostassem ao longo da estrada de terra para dar vivas e acenar em boas-vindas aEisenhower quando ele passasse no seu jipe. O único problema era que as mulheresnativas nunca usavam roupa a não ser um colar de contas e às vezes um minúsculocinto de correia.256Não, não, isso não seria conveniente. Portanto, o governador chamou o chefeda tribo e lhe falou do seu problema.— Não se preocupe — disse o chefe. Se o governador conseguisse algumasdúzias de saias e blusas, ele se certificaria de que as mulheres se apresentariamvestidas nesse acontecimento especial. E esses trajes o governador e os missionáriosda região conseguiram obter.No entanto, no dia do desfile e apenas poucos minutos antes de Eisenhowerdescer pela longa estrada no seu jipe, descobriu-se que apesar de todas as mulheresestarem usando obedientemente as saias, elas não haviam gostado das blusas e ashaviam deixado em casa. Pois agora todas as mulheres; estavam enfileiradas dos doislados da estrada, com saias, mas com o peito nu, e sem mais nenhuma roupa, nemmesmo roupa de baixo.Ora, o governador ficou apoplético ao saber disso e convocou, irado, o chefe.Este lhe assegurou que sua mulher havia conversado com ele, garantindo-lhe que asmulheres haviam concordado com um plano para cobrir os seios quando o generalestivesse passando.— Você tem certeza? — berrou o governador.— Tenho toda a certeza — respondeu o chefe. Bem, não havia muito tempopara discutir, e nós só podemos tentar adivinhar qual foi a reação do generalEisenhower quando seu jipe veio passando ruidoso e uma mulher de seios nus atrásda outra levantava graciosamente a frente da saia rodada e cobria o rosto com ela.=======================Fiquei deitada debaixo da espreguiçadeira abafando meu riso Era a históriamais tola que eu já havia ouvido. Era uma história maravilhosa, uma históriaexcitante. Mas por intuição eu sabia também que ela era ilícita, por isso guardei-apara mim por muitos e muitos anos. E às vezes em meio a situações difíceis, emépocas de tensão e mesmo antes de fazer provas na faculdade, eu pensava nasmulheres de Ruanda cobrindo o rosto com a saia, e sem dúvida rindo por trás dela. Eeu ria e me sentia firme, forte, com os pés na terra.Esse é sem dúvida o outro benefício das piadas e do ris compartilhado dasmulheres. Tudo se torna um remédio para os tempos difíceis, um fortificante paramais tarde. É uma diversão boa, limpa, suja. Podemos imaginar o sexual e oirreverente como algo sagrado? Podemos, especialmente se atua como medicamento.Jung observou que, se alguém procura seu consultório queixando-se por um motivosexual, o verdadeiro motivo muitas vezes era mais um problema do espírito e daalma. Quando uma pessoa relatava um problema de natureza espiritual, muitas vezesera na realidade um problema de ordem sexual.Nesse sentido, a sexualidade pode ser imaginada como um bálsamo para oespírito, sendo, portanto, sagrada. Quando o riso sexual é medicinal, ele é um risosagrado. E aquilo que provoca o riso medicinal é também sagrado. Quando o risoajuda sem prejudicar, quando ele alivia, reorganiza, põe em ordem, reafirma a força eo poder, esse é o riso que gera a saúde. Quando o riso deixa as pessoas alegres porestarem vivas, felizes por estarem aqui, com maior consciência do amor, elevadaspelo eros, quando ele desfaz sua tristeza e as isola da raiva, ele é sagrado. Quando elasse tornam maiores, melhores, mais generosas, mais sensíveis, ele é sagrado.No arquétipo da Mulher Selvagem, há muito espaço para a natureza dasdeusas sujas. Na natureza selvagem, o sagrado e o irreverente, o sagrado e o sexual,257não estão separados, mas vivem juntos como imagino um grupo de velhas esperandona estrada que nós apareçamos. Elas estão ali na sua psique, esperando que vocêapareça, experimentando suas histórias umas com as outras e rindo como loucas.

Mulheres que Correm com os LobosOnde histórias criam vida. Descubra agora