Capítulo 34 - Por um fio

701 92 33
                                    

Sem perder tempo, Gerolt pegou uma corda de sua bolsa de tranqueiras.

- Temos que amarrá-lo em alguém. É perigoso, mas é a única forma.

- Amarrem ele em mim – voluntariou-se Isa.

Celine e Adriel ataram Dario ao corpo da guerreira – a maior e mais forte do grupo.

- Está bom. Ele não vai cair. Agora vamos – apressou Isa.

Celine e Adriel foram na frente, a mulher que carregava o capitão logo em seguida e Gerolt e Mondegärd por fim. A tarefa não seria fácil. Havia apenas uma estreita faixa de terra onde era possível andar encostado a uma das montanhas. A faixa tinha pouco mais de vinte centímetros. Para dificultar, ela não era uniforme, ficando mais larga ou mais estreita dependendo do trecho. Um passo em falso ou perda de equilíbrio derrubaria o descuidado em um abismo aparentemente sem fim.

- O som está ficando cada vez mais alto. Ele está se aproximando. Vamos rápido.

- O Gerolt está certo, jovens – concordou Mondegärd. – Se aquela criatura nos atirar uma rocha enquanto cruzamos o desfiladeiro será nossa morte.

Assim foram os seis. O som dos passos do gigante aumentava a ansiedade de Celine. “Atravessar um abismo desses nessas condições não é o bastante?! Tinha que ter um monstro também?”, pensava, afastando primeiro o pé direito e depois levando o esquerdo. A cada novo passo, um punhado de areia caía no abismo. Conforme andava, sentia o frio cada vez mais cortante. A batalha contra o monstro de pedra tinha esquentado o sangue, mas agora os ventos frios da Cordilheira pareciam cortar-lhe o corpo. Ou era isso, ou o medo estava dando mais calafrios que de costume.

- Estou quase lá, quase lá – repetia, enquanto andava à frente dos outros. Era uma forma de enganar a si própria e os amigos, pois ainda faltava mais da metade do trajeto.

- Estamos indo bem. Continue assim, Isa – tentava acalmar todos Gerolt. O braço direito esticado para tentar apanhar Isa caso ela escorregasse ou o corpo de Dario se desamarrasse.

Celine sorriu eufórica quando percebeu que estava muito próxima de terminar o trajeto, mas a felicidade durou pouco tempo. Um som forte assustou o grupo. Quando viu a perna rochosa do gromav despontar na curva atrás deles, Mondegärd avisou:

- Ele está aqui!

- Já?! Falta um pouco ainda... E agora?! – assustou-se Celine. O medo desconcentrou a garota e seu pé de apoio escorregou. Sem conseguir encontrar ar para gritar, a moça de tiara estava pronta para ser tragada pelo abismo, quando Adriel passou o braço pelo seu busto e a pregou na parede com força. O apoio foi o suficiente para a jovem conseguir trazer o pé novamente para a fina trilha.

- Me desculpe – falou Adriel, assustado. – Mas tive que pegar no seu peito...

Celine parecia ainda não ter entendido o perigo que acabara de passar.

- Tudo bem... Fica como agradecimento por ter me salvado... – falou olhando para lugar algum. Suas pernas pareciam ter travado, assim como sua mente.

- Parem de brincadeira! – urrou Gerolt, vendo a criatura chegar cada vez mais perto. – Celine, não tem mais tempo! Pule para a borda!

- Não consigo! Preciso andar mais! – finalmente a garota conseguira desfazer-se do choque e voltara a trilhar o caminho.

- Droga... – gemeu Gerolt. – O monstro era lento, mas seus passos cobriam uma grande extensão do caminho. Em poucos minutos chegaria até a borda do precipício. “Estamos no meio do trajeto, talvez ele não consiga nos alcançar aqui”, desejava o guerreiro.

- Consegui! – os outros ouviram Celine gritar.

Assim que a jovem atingiu o outro lado sã e salva, o gigante chocou seu braço em uma grande rocha fincada no chão e a soltou do solo. Usando seu fio de energia mágico, uniu o braço ao pedregulho e preparou-se para arremessá-lo.

- Droga! Faça alguma coisa, Celine! – implorou Isa, esforçando-se para não se inclinar para frente enquanto carregava o comandante desmaiado.

- Ei! Olhe aqui, idiota! – E disparou uma flecha no inimigo. Este, entretanto, parecia não vê-la. Estava focado em acertar os amigos com o grande pedaço de pedra. – Ele vai acertar vocês!

Em seguida, Adriel também saltou e chegou ao outro lado do abismo dando uma cambalhota. Ao observar a posição dos outros, desesperou-se:

- A Isa não vai conseguir! Vocês quatro vão morrer!

O gigante já segurava a grande rocha no alto. Era questão de segundos para atacá-la contra os quatro que ainda cruzavam o precipício.

- Não há mais tempo! – Isa fechou os olhos quando viu o monstro atirando a rocha na direção deles.

Certeira, a pedra voou e atingiu os quatro em cheio. Celine e Adriel viraram o rosto em desespero.

- O quê?! – Assustou-se Isa ao sentir o pé quase escapar da trilha. Quando a poeira se desfez, viu que ainda estava sobre a estreita faixa de terra. A pedra atirada pelo gromav tinha se transformado em pó.

- Ande logo, Isa! Não tenho mais energia para outro escudo! – gritou Mondegärd, ofegante.

- Graças aos deuses, Monde... – agradeceu a oficial, acelerando o passo o máximo que podia.

O gigante olhou no entorno, mas as pedras haviam acabado. “Ele não pode mais nos acertar”, Gerolt respirou aliviado. Mesmo assim, percebendo que os guerreiros estavam prestes a cruzar o precipício, o gromav começou a rodar o próprio braço – formado por duas grandes rochas.

- Mondegärd, ele vai nos atacar novamente arremessando o próprio braço... Isa ainda não conseguiu cruzar.

- Me desculpe, Gerolt – falou o mago, soturno. – Não posso fazer mais nada. Teremos que confiar em Celine e Adriel para terminar a missão sozinhos...

O velho olhou para o lado e sorriu ao ver a criatura girando o braço para arremessá-lo. Não havia mais nada a fazer. Gerolt fechou os olhos e respirou fundo.

- Então está certo. Foi até aqui que cheguei. Por favor, mande um adeus à minha filha por mim...

- O quê? – não entendeu Mondegärd.

Ignorando o amigo, Gerolt gritou:

- Celine! Virão duas pedras, mas uma delas tem uma rachadura, por favor, destrua ela!

- Cuidado! – berrou Adriel.

Quando o braço da criatura se desprendeu e voou em direção ao grupo, Celine fez o que o amigo pediu e atirou uma flecha perfeita na rachadura de um dos blocos, transformando-o em pequenos fragmentos. Entretanto, o movimento foi inútil, pois a outra rocha continuava em direção ao grupo.

Isa, de alguma forma, tentava chegar ao outro lado, mas sabia ser impossível. O bloco a atingiria e tanto ela como o capitão morreriam no precipício.

“Por favor marreta... Eu sei que essa rocha é inquebrável, mas por favor quebre ela por mim”, orou Gerolt.

O guerreiro então dobrou as pernas e saltou contra o pedregulho – ignorando o precipício – e acertou o bloco em cheio com sua marreta. Para sua surpresa, o golpe de sua marreta foi tão forte que a pedra se partiu.

- Adeus, amigos!

Foram suas últimas palavras antes de ser engolido pela fome infinita do negro abismo.

Era Perdida: O Globo da MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora