Capítulo 1

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Mais um dia se inicia aqui na Quinta da Boa Vista e eu, sinceramente, sinto que me perdi de mim mesma. Estou apenas agindo no automático, de forma instintiva. É assim que tem sido nos últimos dias, ou melhor, no último mês. Não posso dizer que foi do dia para a noite, pois houve uma motivação. Para tudo há um porque e eu sei muito bem qual foi o meu.

Desde que voltamos da viagem que fizemos ao Norte do país, há cerca de um mês, nossa convivência voltou a ser monótona e distante. Há sido assim desde que um certo alguém passou a fazer parte de nossas vidas. Passamos mais tempo afastados do que antes, na verdade. Mas, mais uma vez, há uma explicação para isso: o fato de Pedro ter encontrar em Luísa, a condessa de Barral, sua alma gêmea.

Eu me pergunto como ainda posso amar este homem que vive tão distante de mim, ainda mais agora depois de ter afirmado com todas as letras que ama e está perdidamente apaixonado por sua amante (que por ironia, também é preceptora de nossas filhas).  Na melhor das hipóteses, penso que o que sinto está relacionado a tudo que vivemos no passado. Afinal de contas, não faz o menor sentido amar alguém que mal me olha, me toca ou que demonstra afeto por mim.

A minha vida não devia ser assim. Eu era feliz em Nápoles, tinha amigos, irmãos que me amavam, uma família acolhedora, e estava apaixonada por alguém que também gostava de mim. Sim, eu estava apaixonada quando tive que me casar por procuração. Infelizmente monarcas não têm acesso a certas coisas que para nós, são privilégios, enquanto para as pessoas comuns, são coisas simples. Amar é uma delas. Alguns de nós tem a sorte de se apaixonar e viver o amor dentro do casamento monárquico, mas comigo não foi assim. Esta sorte não é para todos e, definitivamente, não foi para mim. Está é a conclusão que tenho tirado com base nos últimos acontecimentos no meu casamento.

Quando cheguei ao Brasil, no início, minha relação com Pedro foi distante. Mal nos víamos é apenas cumpríamos certos protocolos na frente das pessoas. Mas o tempo ia passando, as pessoas começaram a estranhar nossa distância e a cobrar um herdeiro, é nós nem se quer tínhamos consumado o casamento... patético. É patético lembrar que o imperador do Brasil "fugiu" ao ver a esposa pela primeira vez. Na época me pareceu uma criança birrenta, tudo devia ser sempre conforme a sua vontade e eu tinha que aguentar aquele exército de bajuladores cumprindo os caprichos do jovem imperador.

Demorou para que ele pudesse me enxergar. Enxergar de verdade, não apenas olhar. Lembro-me do dia como se fosse hoje, foi no meu primeiro aniversário comemorado aqui no Brasil...

*Flashback*

Lurdes: Vamos, majestade! Cante uma música para nós. -disse a mulher com empolgação.

Caxias: Sabemos de sua linda voz, dona Teresa, dê-nos a honra de ouvi-la nesta noite! -o marquês apontava para o piano no canto da sala, fazendo menção para que eu me dirigisse a ele.

Eu estava um tanto desconcertada, nunca gostei de ser o centro das atenções, mas estava feliz pelo dia. Era meu aniversário, afinal. Os empregados da Quinta fizeram uma pequena recepção, apenas com a família imperial (que contava comigo e com Pedro, apenas), alguns amigos mais próximos  de Pedro que também haviam se tornado meus amigos, Nicolau, Lurdes e Celestina.
Não tive tempo de fazer muitas amizades desde que cheguei ao Brasil. Além de preferir uma vida mais reservada, ainda estou aprendendo a falar o português fluentemente. Que, por sinal, é uma língua extremamente difícil, mas apaixonante.

Pedro nada dizia, apenas intercalava seus olhares entre mim e os convidados que faziam questão que eu cantasse algo. Ele estava sentado em uma das poltronas que ficavam de frente para o piano, enquanto eu estava no sofá ao lado de Celestina. Percebi seus olhares sobre mim desde o início da noite, mas havíamos trocado poucas palavras, ele beijou minha mão assim que desci para a recepção e logo nos distanciamos.

Sinestesia - Pedresa Onde histórias criam vida. Descubra agora