Capítulo 16.

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Andando pelos corredores escuros e silenciosos da Quinta, após despertar numa manhã estranhamente nublada, pude refletir sobre a vida que tenho levado desde que cheguei ao Brasil. Apesar de ter crescido num mundo de privilégios, minha história nem sempre foi um mar de rosas. Tive perdas demasiadamente significantes, amores não vividos, alguns sonhos adiados e todas estas dores jamais poderão ser esquecidas ou reparadas. Porém, ultimamente, cada manhã tem se tornado uma nova chance de ser feliz.
E, para mim, uma semente de esperança inesperada germinou e tem se desenvolvido gradativamente em meu ventre de maneira graciosa.

Inicialmente, tive um choque pela notícia. As palavras da médico me trouxeram impacto, soaram distantes e, ao mesmo tempo, muito intensas aos meus ouvidos. São tempos difíceis, principalmente por estarmos entrando numa guerra em favor de um país aliado. Do meu país, inclusive. Nada disso foi planejado. Mas prefiro confiar que as melhores coisas acontecem quando menos esperamos. E, mesmo em meio aos momentos de turbulência que temos enfrentado, sinto-me cada dia mais feliz e extasiada com esta espera.

Ainda que eu esteja apenas entrando no terceiro mês de gravidez, tenho tentado me habituar com a ideia de ter um novo bebê fazendo parte da família. E tudo acontecerá novamente. Primeiro o anúncio para a família, depois o anúncio público, em seguida todos me verão com uma barriga cada dia maior e, assim como a barriga, o peso e a expectativa de estar carregando um novo herdeiro também crescerá. É inevitável. Por mais que as pessoas disfarcem, elas sempre esperarão por um filho homem. Este é mais um fardo que tenho que carregar por ser uma imperatriz consorte. Meu dever é, além de estar ao lado de Pedro e governar para todos, gerar herdeiros. Preferencialmente do sexo masculino. Embora eu nunca tenha sentido uma pressão escancarada vinda do
Imperador, sei que ele sempre desejou filhos homens. Muitos filhos homens. Mesmo assim, precisei lidar com esta frustração pessoal depois da perda de nossos garotos. Depois que Afonso e Pedrinho se foram, todos os olhos se voltaram para mim, novamente. O que está crescendo em mim poderá ser motivo de grande mudança na linha de sucessão e na política.

De todo modo, o que pode ser algo irrelevante aos meus olhos, é algo decisivo para muitos. Não quero nem pensar no alvoroço que esta gravidez irá causar. Meu filho - ou filha - será amado e levado em consideração. Independentemente de seu sexo, ele será um de nós.

Acordei no quarto de Pedro, como tem sido nos últimos dias. Desde que fizemos as pazes - novamente -, não tivemos mais desavenças e é admirável a forma com que ele tem tentado nos aproximar. Ou reaproximar. Não é fácil, principalmente por termos temperamentos e opiniões fortes, mas seguimos mais unidos e, consequentemente, mais felizes. Tenho a sensação de estarmos recomeçando. Parece que a vida está nos oferecendo uma nova oportunidade. O medo de estar vivenciando o nascimento e crescimento de uma criança é palpável, mas sei que posso lidar com isto como consegui das outras vezes. Eu descobri o que é a força de uma mãe quando me tornei uma. Me dei conta de que sou capaz de enfrentar qualquer coisa pelos meus filhos. Qualquer coisa e qualquer pessoa.

Decidi deixá-lo dormindo e fui até o meu quarto para buscar algo que está guardado há dois dias. Ainda não contei para Pedro e para as nossas meninas sobre a gravidez. Mantive o silêncio por alguns dias e mesmo sendo extremamente difícil fingir normalidade, consegui esperar até o momento planejado.
Estive pensando em algumas formas para contar a novidade e se não fosse pela ajuda de Celestina, não teria conseguido idealizar algo concreto. Enquanto me revezava entre organizar o leilão que acontecerá hoje a noite no Hotel Cassino, também tentei preparar um singelo presente para dar a notícia à Pedro. Não é nada demais, afinal, não tivemos muito tempo para providenciar um grande anúncio. Ainda sim, foi o mais especial que consegui pensar desde que recebi o diagnóstico do Doutor Alberto.

Antes de voltar para o quarto de Pedro, senti uma vontade enorme de me olhar no espelho. Na verdade, de olhar para o meu bebê através do espelho. É claro que minha barriga ainda não está evidente, tampouco consigo sentir movimentação alguma em meu ventre, mas é tão estranho olhar para o meu reflexo agora. Passei a me ver com outros olhos desde que descobri que o meu coração não é o único que bate dentro de mim. Quantos sentimentos e hormônios devem existir no corpo, mente e coração de uma mulher grávida? Não tenho a mínima noção. Há pouquíssimos dias eu não fazia ideia do que estava acontecendo comigo mesma. Mas agora, olhando e acariciando meu bebê que ainda não nasceu, tenho a certeza do amor incondicional que comecei a nutrir em meu peito. Como é possível amar tanto alguém que ainda não conheço? Amar ao ponto de dar minha própria vida? Mais uma vez, não tenho a mínima noção. Todavia, estou certa de que esta é uma dádiva celestial, dádiva outra vez concedida a mim.

Sinestesia - Pedresa Onde histórias criam vida. Descubra agora