ENTERNECER

capítulo quinze: tempo

"A vontade é impotente perante o que está para trás dela. Não poder destruir o tempo, nem a avidez transbordante do tempo, é a angústia mais solitária da vontade."

Friedrich Nietzsche

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[Presente/Harry]

Impressionante como o tempo parece ser apenas uma cortina de fumaça em cidades pequenas. Tudo permanece do jeitinho que sempre foi. São sempre os mesmos moradores, donos dos mesmos comércios, fazendo as mesmas coisas.

O tempo parece não existir aqui... só se dá para notar através das marcas inegáveis que são cravadas no corpo. Mesmo o tempo não passando, as coisas mudam e as pessoas envelhecem, como eu envelheci.

Tento não pensar nas inúmeras coisas que insistem em martelar em minha mente, como uma fita cassete em constante repetição. Tento não pensar em meu casamento, no desastre que é a minha vida, nos acontecimentos recentes... em Louis.

Porque não pensar, é a maneira mais óbvia de não enlouquecer.

Tenho feito as coisas no automático, como estou fazendo agora, dentro da única boutique de casamentos da cidade. Minha mãe deixou Ralf e meu pai organizando as bebidas que serão servidas na recepção e me arrastou para essa loja. Eles proporcionam tudo: os cerimonialistas, as decorações, o buffet, e tudo o que há de necessário para se realizar um casamento.

ㅡ Qual flor você quer na recepção? Orquídeas ou peônias? ㅡ Minha mãe aponta para os vasos de flores dispostos no balcão para mostruário. ㅡ Eu particularmente acho peônias mais charmosas.

ㅡ Então escolha as peônias.ㅡ Digo sem um pingo de animação na voz. ㅡ Para mim, realmente tanto faz.

Suas sobrancelhas se curvam em seu rosto ㅡ já não tão jovem ㅡ e percebo uma linha de expressão funda se formando em sua testa. Minha mãe sempre foi uma mulher bonita e elegante, e o tempo não parece ter tirado isso dela.

ㅡ Mostre algum tipo de empolgação, Harry. ㅡ Ela bufa frustrada, encolhendo os ombros. ㅡ Você parece que está preparando um enterro ao invés do seu casamento.

ㅡ Eu só não esperava uma recepção para duzentos convidados. Quando me disseram que queriam fazer uma pequena comemoração aqui em Dunklin, eu supus que seria realmente pequena. ㅡ Digo sincero. ㅡ Escolha a que você achar melhor... a recepção é pra vocês de qualquer forma.

ㅡ Filho, ㅡ ela dá alguns passos em minha direção e já me preparo para o que ela possa dizer ㅡ ainda dá tempo de desistir da ideia, caso não seja o que você realmente queira. Sua cara não nega que você não está nem um pouco animado com esse casamento. Eu não te quero infeliz, Harry. Faltam três dias... e isso é mais do que suficiente para cancelarmos. Você sabe que eu vou te apoiar, independente do que seu pai ache.

Solto uma risada baixa, negando com a cabeça enquanto observo o seu olhar de condescendência. Ajeito os meus óculos de sol no topo da cabeça e tento utilizar de toda a minha sutileza para dizer:

ㅡ Você não me apoiou quando eu precisei, mãe. Agora eu não preciso desse apoio.

ㅡ Harry... não fale assim. Não seja cruel comigo. ㅡ Sua voz sai baixa, e por um instante, me arrependo das palavras que acabaram de sair da minha boca. ㅡ Eu fiz o que eu achei que era melhor pra você naquela época.

ㅡ Faz o que você acha que deve agora também. Escolha as flores, os doces... as entradas. Eu realmente não me importo. Eu não conheço nem metade das pessoas que estarão presentes no dia.