Capítulo 33

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Sarah Andrade Point Of View

Me tranquei no meu quarto por quarenta e oito horas, afogada em lágrimas e em luto total, não quis receber visitas de Roberta ou Giu, não dei tanta atenção para minha namorada, nem comia direito, tudo que eu fazia era tomar banhos demorados e dormir a tarde toda. Eu apenas estava sofrendo em silêncio, eu estava respeitando a morte do meu irmão.

— Está na hora. – Edgar falou assim que eu saí do quarto.
 
 Dois dias depois da fatalidade que aconteceu com Lucas, meu pai veio me buscar, perguntei sobre minha mãe e ele disse que que ela estava inconsolável para sair do lado do corpo do meu irmão. Thomas não estava diferente, as olheiras escuras debaixo dos seus olhos mostravam o quanto ele havia chorado, assim como a rouquidão incomum na sua voz. Mas mesmo assim ele se preservava forte, abrindo sorrisos curtos e me dando beijos amorosos.
 
Já em Los Angeles, enquanto tentávamos sair do aeroporto, os paparazzi’s caíram em cima de nós, usando perguntas invasivas e intimidadoras, meus nervos estavam à flor da pele o que fez meu choro sair na frente de todos, os braços do meu pai tentavam me proteger de tantos flashes e os seguranças faziam uma barreira humana entre nós e os fotógrafos. Quando finalmente entramos no carro, conheci o novo motorista e segurança dos meus pais. Ele era grande e fofo, não tinha um semblante muito amigável, mas se mostrou bastante amoroso ao me conhecer.
 
Meu pai havia me dito que minha mãe já estava no cemitério, apenas nos esperando. Assim que pisei de volta em casa, Angela apareceu e me abraçou como sempre fazia, chorei novamente no seu colo, mas rapidamente ela impediu toda aquela choradeira, dizendo que eu precisava me apressar para o enterro do meu irmão, ela usou as palavras: “Você precisa se despedir dele, para que ele possa descansar em paz, Sarah”.
 
Subi as escadas correndo, evitando de olhar em volta e sentir a falta de Lucas, missão fracassada com sucesso. Entrei no meu quarto aos prantos, tomei um banho rápido e vesti roupas que me lembravam a alma de Lucas, branca e florida. O vestido que jurei nunca usar se encaixava perfeitamente com o que se pedia. Meus cabelos se formaram cachos naturais, não passei maquiagem porque sabia que iria borrar.
 
Assim que saí no corredor encontrei Renan de cabeça baixa tocando na maçaneta da porta do quarto de Fangs, ele limpou suas lágrimas e me olhou. Suas roupas estavam um pouco amassadas e desalinhadas no seu corpo.
 
— É bom te ver. – Ele abriu um breve sorriso. – Acho melhor irmos.
 
Balancei a cabeça e segui o garoto, descemos para a sala de estar e esperamos nosso pai. Renan e eu não trocamos nenhuma palavra desde aquele momento. Meia hora depois, Angela e meu pai se juntaram a nós, para assim seguirmos a caminho do cemitério.
 
[…]
 
O dia estava quente e o sol radiante, o lugar era perfeito. Desci do carro e caminhei ao lado de Angela, a grama verde e bem cortada deixava as flores mais vivas, e no meio daquele imenso gramado verde com algumas lápides maiores do que as outras, estava um grupo de pessoas. Senti meu coração parar assim que vi minha mãe ao lado de um caixão, ela usava óculos escuros e roupas pretas, uma de suas mãos estavam sobre o caixão de madeira e a outra segurava o lenço branco perto do nariz.
 
Minhas pernas travaram e acidentalmente fiz Renan trombar em mim, Angela segurou meu rosto e me fez olhá-la nos olhos, minha visão já estava embaçada por causa das lágrimas.
 
— Você precisa ser forte, meu amor. Eu sei que você é. – Balancei a cabeça e a lágrima escorreu. – Lucas precisa descansar em paz, Sarah.
 
— Eu não quero que ele vá. – Falei com a voz embargada. – Eu não quero que ele me deixe.
 
— Ele não está mais entre nós, apenas nos nossos corações. – A mulher tocou suavemente sobre meu peito. – Ele precisa sentir paz no seu coração, para viver apenas aí dentro.
 
Me abaixei abraçando meus joelhos e voltei a chorar, eu me sentia tão incompetente de fazer algo que não fosse chorar, eu me sentia incapaz de me despedir de Lucas. Meu coração doía tanto, meus olhos ardiam por causa das lágrimas salgadas, minha boca estava ressecada e meu corpo parecia quebrado em várias partes.
 
Meu pai gentilmente me abraçou e me deu forças para levantar, pela primeira vez em toda minha vida, presenciei meu pai chorando, olhei seu rosto,  acariciei sua bochecha e abri um sorriso inocente.
 
— Ele se parece tanto com você, pai.
 
Ele não suportou guardar seu choro, nos colidimos em um abraço apertado e carregado de dor da perda.
 
[…]
 
Eu ainda não tinha falado com minha mãe, mas ela também não havia falado com ninguém. Olhei para meu irmão que parecia dormir tranquilamente, toquei na sua mão fria e me arrepiei, mas continuei acariciar as costas da sua mão. Memorizei seu rosto mais uma vez, apesar da pele estar um pouco mais pálida, Lucas não havia mudado.
 
— Eu sinto muito, meu irmão. Não realizei seus pedidos e... – Fiz uma pausa para engolir o choro. – Não vou ver você realizar os seus. – Me curvei para beijar sua testa. – Prometo realizar todos eles por você. Eu te amo tanto.
 
O padre dizia lindas palavras para descrever a pessoa que Lucas era, ele não mentiu quando disse que meu irmão era um anjo, não mentiu quando disse que estaria sempre em nossa lembrança e coração, e eu tenho certeza que ele não mentiu quando disse que meu irmão estava no céu.
 
A parte mais difícil de estar ali, foi ver o caixão se fechando e descendo lentamente para debaixo da terra, ou pior ainda, ver a terra sendo jogada em cima do caixão de madeira detalhada. Joguei as rosas brancas e derramei mais lágrimas antes de sair dali.
 
Vero, Lucy e Demi vieram me consolar e me dar os pêsames pela morte de Lucas, elas me deram abraços sinceros e beijos amorosos. Até mesmo Jowjow e Richard estavam ali.
 
— Nós sentimos muito pelo o que aconteceu, Sarah.
 
— Eu também, Richard. Obrigada por terem vindo. – Falei olhando para meu amigo e seu irmão. – Vocês estão com mais tatuagens do que eu me lembro.
 
— Eu e JJ abrimos um salão de tatuagens.
 
— Agora tatuamos um no outro de graça. – O mais novo falou e eu sorri.
 
— Inteligente. – Soquei seu ombro.
 
— Nós já vamos, vou pegar uma carona com a Vero. – O mais velho disse. – Foi bom te ver, Sarah.
 
— Foi bom ver vocês. – Abracei os dois.
 
— Se quiser fazer uma tattoo e só aparecer por lá. – JJ falou abrindo um sorriso de menino.
 
— Vou parecer sim, pode apostar.
 
As meninas vieram me dar um abraço coletivo e aproveitaram para bagunçar meus cabelos e tentar me fazer cócegas. Beijei cada uma no rosto e observei elas se afastarem.
 
— Sarah! – Olhei para trás e vi minha mãe se aproximando rapidamente.
 
Antes que eu pudesse responder, Katy Andrade me puxou para um abraço apertado, sua lágrimas molharam meu pescoço enquanto ela me apertava contra si. Numa promessa comigo mesma, jurei não chorar mais, não porque eu não estava mais triste ou sofrendo, mas sim porque eu sabia que Lucas queria ver todos sorrindo e não chorando, pensei no que Angela havia dito, então deixei meu coração leve sabendo que meu irmão estava em um lugar melhor do que aqui. Abracei minha mãe e beijei seus cabelos.
 
— Eu sinto muito, mãe.
 
— Eu também, querida. É bom te ter aqui, você sabe que pode sair do curso de boas maneiras, nós queremos você em casa. – Ela limpou seus olhos. – Lucas estava tão orgulhoso de você, por você estar tão diferente.
 
— Eu sei, mãe. – Sorri apertando gentilmente seus ombros. – Ele me dizia isso todos os dias.
 
— Seu irmão te amava tanto. – Minha mãe voltou a chorar.
 
— Eu ainda amo ele. – Beijei sua testa não querendo vê-la chorar. – Vamos para casa.
 
Minha mãe me abraçou de lado e caminhamos para o carro, onde meu pai se despedia de alguns parentes e amigos de Lucas. Renan e Angela falavam com uma garota, ela chorava igualmente como minha mãe.
 
— Aquela é a Amber, a namoradinha de Lucas. – Minha mãe falou seguindo meu olhar.
 
— Vou falar com ela, está bem?
 
— Tudo bem, eu vou ficar ali com seu pai. – Ela apontou para o homem.
 
— Certo. – Beijei sua mão e andei rapidamente até a garota.
 
Ela abraçava seu corpo com uma mão e com a outra cobria seus olhos.
 
— Amber, olá, eu sou a irmã do Lucas. – Toquei no seu ombro. – É uma pena nos conhecermos desse jeito. Eu sinto muito.
 
— Ele me falava tanto de você. – Ela levantou a cabeça para me olhar. – Tudo que a gente conversava você estava no assunto. – Ela deu uma risada falhada. – Eu sinto tanto, tanto a falta dele. – Ela abaixou a cabeça.
 
— Todos nós, Amber. – Angela falou amorosa.
 
— Eu não sei se vou conseguir superar isso. – Ela suspirou limpando as lágrimas.
 
— Você vai sim, você terá nós. – Renan falou incrivelmente solidário.
 
— Isso mesmo, você é parte da nossa família. – Falei sorrindo. – Era o que Lucas queria. – Todos sorriram por um momento.
 
[...]
 
Nossa casa nunca esteve tão silenciosa, no jantar ninguém dizia nada, ninguém mal tocava na comida, ninguém fazia contato visual. Angela tocou no meu ombro e sussurrou no meu ouvido:
 
— Fiz sua torta de limão favorita. – Abri um sorriso e vi a mulher colocar um enorme pedaço de torta na minha frente.
 
— Obrigada. – Beijei sua bochecha.
 
— Renan, fiz pudim de chocolate para você. – Meu irmão abriu um largo sorriso. – Dona Katy e senhor Thomas, para vocês eu fiz manjar com calda de ameixas.
 
— Angela, você é a melhor. – Meu pai levantou sua taça.
 
— Tento agradá-los ao máximo. – Ela falou colocando as sobremesas sobre a mesa.
 
Assim o clima ficou mais suave, perguntei aos meus pais sobre a família de Joe, e eles me garantiram que estavam dando todo apoio familiar e financeiro, mudamos a conversa para as sobremesas que eram servidas no castelo, meus pais fizeram perguntas sobre as aulas e meu comportamento, não demorou para surgir perguntas sobre Juliette e nosso namoro.
 
— Estamos dando um tempo, eu acho. – Enruguei o nariz. – As coisas estão complicadas por lá.
 
— Por que? – minha mãe perguntou curiosa. – Achei que estavam indo bem.
 
— Estávamos, mas Juliette não é a mesma, ela está diferente. – Suspirei pesadamente. – Nem eu mesma entendo.
 
— Mulheres. – Renan murmurou com a boca colada na taça de água.
 
— Falando nisso, onde está sua namorada?
 
— Terminamos. – Ele deu de ombros.
 
— Ninguém te aguenta. – Sorri de lado.
 
— Idem, a princesa Juliette está louquinha para te deixar e você nem está percebendo. – Seu comentário fez minhas narinas inflarem. – Agora ela vai ficar com dó de fazer isso, óbvio.
 
— Renan! – Minha mãe repreendeu.
 
— Está tudo bem, mãe. – Bebi um pouco de água. – Estou satisfeita. – Me levantei colocando o guardanapo sobre a mesa. – Obrigada pelo jantar, vou para o meu quarto.
 
— Sarah, espera. – Meu pai falou.
 
Não parei de andar, encontrei Angela na sala ajeitando as almofadas, desejei boa noite e beijei seus cabelos brancos e segui para o meu quarto. No momento que eu abri a porta, escutei a madeira se colidir com algo sólido, espiei atrás da porta e vi um casco de tartaruga mediano, com lantejoulas rosas no centro dos pentágonos desenhado naturalmente no seu casco. Não sei quanto tempo fiquei ali olhando para o animal de estimação de Lucas.
 
— Acho que você já conheceu o Floyd. – A voz de meu pai me assustou.
 
— É… ele... ele vai ficar aqui?!
 
— Ele gosta do seu quarto. – Cocei a cabeça. – Eu posso colocar ele lá fora se for um incômodo.
 
— Lucas não ia gostar disso. – Suspirei derrotada.
 
— É verdade. – Meu pai tirou as mãos do bolso e entrou no meu quarto para pegar o jabuti. – Bom, acho que você quer descansar.
 
— É, estou precisando…
 
— Filha, você já decidiu se irá sair do curso?
 
— Ainda não, pai.
 
— Recebemos suas notas pelo celular e tenho que admitir que fiquei admirado com sua evolução em administração. – Ele se abaixou para colocar Floyd no chão. – Estou ansioso para te ensinar como dominar o poder do Império Andrade.
 
— Advocacia não é muito minha praia. – Fiz uma careta e meu pai riu.
 
— Eu pago uma faculdade para você de administração ou de direito, eu ficaria feliz de qualquer forma.
 
— Prometo pensar no assunto.
 
— Sinto que você leva jeito para isso, você nunca se contentou com coisas pequenas. Sei que você irá ter o mundo na sua mão.
 
— O rei fala isso para Juliette, acho que todos os pais falam isso para suas filhas. – Sorri ao ver meu pai concordando. – Eu ainda não sei o que eu quero da vida, pai, mas irei aceitar essa oferta de faculdade de administração, pelo menos assim saberei administrar minhas ideias.
 
— Está vendo só! Você mudou, Sarah. Se fosse a tempos atrás você teria fechado a porta na minha cara. – Gargalhei e pedi desculpas. – Vai dormir, filha, e não liga para o que seu irmão fala, ele só está chateado e sente sua falta.
 
— Eu não ligo. Renan sempre foi assim. – Dei de ombros. – Boa noite, pai.
 
— Boa noite, filha.
 
Meu pai me deu um beijo na testa e voltou para a escada, entrei no meu quarto e deixei meu peso fechar a porta enquanto deixava minhas costas escorregar na madeira, olhei para o lado e vi Floyd parado, ele parecia estar me olhando, talvez estranhando meu rosto.
 
— Hey carinha, eu sou irmã do Lucas, me chamo Sarah. – Falei baixo ainda olhando para o animal. – Você deve saber que ele não vai mais voltar, não é? Mas não se preocupe, eu vou cuidar de você por ele. – Levantei a mão para acariciar sua cabeça, mas ele rapidamente se escondeu no casco. – Okay… Tudo bem. – Suspirei e levantei.
 
Tirei minha calça, ficando apenas com minha camisa e minha roupa íntima, caminhei até a grande janela de vidro afim de fechar as cortinas, porém parei para admirar a lua. Ela estava tão linda e brilhante, o céu estava cheio de estrelas e sem nenhuma nuvem, sorri maravilhada com a imagem.
 
Boa noite, Lucas.
 
[…]
 
Se passaram dois dias sem nenhuma alteração, dias vazios e silenciosos, mas na manhã do terceiro dia fui acordada com um falatório no andar de baixo, tirei a cabeça do travesseiro e como nos outros dias demorei alguns minutos para lembrar que eu estava em casa, e que sim, Lucas havia morrido. Virei de lado e abracei meu travesseiro forçando os olhos para não chorar, funguei algumas vezes até me acostumar temporariamente com a dor da saudade que viveria eternamente comigo.
 
A porta do meu quarto abriu com tudo, pulei com o susto e vi Demi e Vero correr e se jogarem na minha cama, olhei incrédula para as garotas enquanto elas se enfiavam debaixo da minha coberta.
 
— Que calcinha linda! – Demi falou levantando a coberta.
 
— Deixa eu ver. – Vero falou também levantando a coberta.
 
— Ei! – Puxei a coberta sentindo minhas bochechas corarem. – Vocês não têm casa, não?
 
— Cala boca, tia Katy nos convidou. – Vero falou se aconchegando no meu lado.
 
— Convidou vocês para dormir comigo? Bah! Sinto muito mas vocês não fazem meu tipo.
 
— Graças ao bom Deus. – Vero falou levantando as mãos.
 
— Qual é o seu tipo? – Demi perguntou de olhos fechados.
 
— Vocês não estão no cardápio. – Cruzei os braços olhando para o teto.
 
— No seu cardápio só tem um prato, que é: princesa Juliette a bolonhesa. – Vero murmurou.
 
Eu e Demi gargalhamos, a morena falava nomes de pratos acrescentando o nome da princesa, enquanto eu e Demi apenas ria. Nem percebi quando Lucy, minha mãe e Angela entraram no quarto.
 
— Bom dia, filha. – Minha mãe falou parada em frente a minha cama.
 
— Bom dia, Sarah. – Lucy beijou minha testa e aproveitou para tirar Vero da minha cama.
 
— Bom dia, meu bem. – Angela falou abrindo minhas cortinas.
 
— Bom dia, minhas mulheres. – Sorri sentando na cama.
 
— Sarah, levanta temos muito o que fazer. – Lucy falou arrumando o cabelo da namorada. – Temos que ir em uma festa beneficente para crianças especiais.
 
— Temos que ir?! – Fiz uma careta olhando para minha mãe.
 
— Sim, nós temos, sou sócia de uma das ONGs. – Ela respondeu.
 
— Hey, eu vou fazer uma pequena coluna para o jornal da faculdade sobre isso, eu preciso muito ir. – Lucy falou quase choramingando. – Eu preciso entrevistar todos os convidados para ter mais informações sobre os hospitais, escolas, sobre a vida dessas crianças, sobre tudo o que eles passam. Mas... – Ela enfatizou a palavra falando um pouco mais alto. – Eu não tenho todo esse tempo, entende?
 
— Então, nós também vamos ser reportes entrevistadores por um dia. – Demi concluiu.
 
— Isso, vocês só vão conversar com eles, fazer perguntas e gravar tudo o celular, depois eu vou escutar e colocar tudo no papel. – Lucy terminou de falar.
 
— Pode ser. – Dei de ombros. – Mas acho que não vai ser uma “pequena coluna”.
 
— Quanto mais informações, melhor. – Ela piscou um olho.
 
— Muito bem, agora levanta essa bunda daí e desce para a gente tomar café. – Vero falou batendo palmas. – Estou cheia de fome.
 
— Quando você não está? – Demi e Lucy falaram ao mesmo tempo.
 
— Quando eu estou dormindo. – A Iglesias deu de ombros.
 
— Vamos lá, dêem privacidade para a Sarah se arrumar. – Angela falou empurrando as meninas para fora do meu quarto.
 
Minha mãe ainda estava parada em frente da minha cama, ela estava bem arrumada, como sempre. Usava uma saia preta de linhas de giz e uma camisa de botões branca, alguns colares e brincos discretos, seu cabelo estava preso em um coque no alto da cabeça. Minha mãe era uma mulher estilosa, que extravasava poder e ela sabia muito bem disso.
 
— Estava com saudades de você. – Ela confessou.
 
— Eu também.
 
Katy e eu não tínhamos tanta afinidade familiar, mas não por culpa dela, eu apenas era difícil de lidar, eu era fria e grossa, vivia longe de casa e odiava sua superproteção, as vezes ficava impressionada com a sua insistência em cuidar de mim, mesmo com todos os palavrões e xingamentos que eu falava para ela, minha mãe sempre continuou do meu lado.
 
— Mãe, vem cá. – Bati a mão na cama.
 
Ela me olhou desconfiada, mas fez o que eu pedi. Olhei dentro do seus olhos confusos e ainda tristes, peguei suas mãos e beijei.
 
— Eu nunca fui uma boa filha para você, eu me arrependo tanto disso. Sei que demorou muito para cair a ficha, mas o que eu quero dizer, ou melhor, pedir… Me desculpa por tudo o que eu fiz você passar, todas as coisas rudes que eu te disse, todas as vezes que eu fiz você chorar por causa da minha desobediência…
 
— Meu amor. – Minha mãe me interrompeu dando um sorriso. – Você é minha filha, e por mais que você tenha feito tudo isso, eu nunca deixei de te amar, e todos os dias que eu dormia, eu te perdoava. Eu te amo, Sarah, acima de qualquer coisa. – Meus olhos marejaram.
 
— Eu te amo, mãe. – Abracei a mulher e recebi um beijo na testa.
 
— Vai se arrumar, estamos te esperando lá embaixo. – Com o polegar ela acariciou minha bochecha antes de se levantar e sair do quarto.
 
Pulei da cama e corri para o banheiro, fiz minha higiene pessoal e tomei um banho quente, andei até meu closet e escolhi uma calça jeans de cintura alta e uma camisa básica preta. Olhei para minha gaveta e estranhei por estar aberta, Angela nunca mexia nela. Abri lentamente e espiei dentro, tinha minhas garrafas de vodka e alguns maços de cigarro, tinha um bilhete grudado na garrafa. Sorri antes mesmo de ler, era a letra de Lucas.
 
“Beba o quanto quiser, troquei sua vodka por água. Muito saudável.”
 
Gargalhei e neguei com a cabeça, fechei a gaveta guardando o bilhete no meu bolso, peguei meu óculos de sol e coloquei sobre minha cabeça, desci as escadas e encontrei todas na cozinha conversando, Vero falava alguma coisa que fazia todas rirem.
 
— …Aí eu cheguei e falei: "mas por que não bacon?". – Todas gargalharam. – Mas todo mundo era vegetariano, cara, e pior era dia de corpus christi. Minha mãe me deu um tapa no ouvido que eu fiquei surda por uma semana.
 
— Só você, Vero! – Demi falou rindo.
 
— Passamos vergonha. – Lucy falou. – Era a primeira comemoração que passávamos em família. E meus avós são católicos e vegetarianos.
 
— Amor, eu esqueço que sua família não come carne.
 
— Você sofre de alzheimer, Vero. – Falei me sentando na mesa.
 
— É mesmo. – Ela concordou comendo cereal.
 
— O bom é que ela sabe. – Demi disse rindo.
 
— Imagina quando essa garota estiver velha? – Lucy falou levantando as sobrancelhas fazendo todas rirem.
 
Depois que tomamos café, Lucy confirmou a presença no evento e passou o endereço para minha mãe que rapidamente colocou no GPS. Peguei meu celular e coloquei no bolso, descíamos para a garagem, entramos no carro da minha mãe, uma Range Rover branca.
 
— Muito bem. Meninas coloquem o cinto. – Minha mãe falou ligando o carro.
 
— Tia Katy posso dirigir, por favor? Por favor? – Demi se enfiou entre o banco do motorista e do passageiro.
 
— Não! Somos jovens demais para morrer. – Vero gritou.
 
— Estou falando com a tia Katy, cala a boca e vai tomar no cu.
 
— Demétria! Que isso?! – Lucy falou incrédula.
 
— Ninguém me deixa dirigir. – A morena cruzou os braços se afundando no banco.
 
— Você dirige muito mal, Demi. – Vero provocou.
 
— Sai do carro da tia Katy! Sai, sai. – As duas começaram se estapear.
 
— PAREM! – Lucy falou alto, eu só sabia rir. – Demi passa para cá. – Lucy passou por cima da garota e se sentou no meio de Vero e da Demi.
 
— Só vocês meninas. – Minha mãe riu olhando pelo retrovisor. – Quando voltarmos eu deixo você dirigir, Demi. – Arregalei os olhos olhando para minha mãe.
 
— Sério?! – Nós quatro falamos juntas e minha mãe gargalhou.
 
[...]
 
A festa era a céu aberto, era no jardim dos fundos da enorme mansão dos melhores amigos da minha mãe, o lugar era decorado com balões coloridos e brinquedos infantis, além de alguns materiais artesanais, tinha bastante crianças especiais e deficientes, mas todas, literalmente todas eram muito bem educadas e amorosas. Brinquei com algumas que estavam agarradas nas minhas pernas e me chamavam a todo momento. Quando tive um tempinho para descansar, comecei a conversar com alguns pais e sócios de ONGs.
 
— A Giulia estuda em uma escola especial, nas escolas antigas que ela estudou minha pequena sofria bastante bullying. – A mulher falou.
 
— Entendo, e como você lidou com isso?
 
— Não foi fácil, é difícil ver o mundo recriminando sua filha apenas por ela ser diferente…
 
— Especial. – Corrigi.
 
— Sim. – Ela riu.– Pensei em tirar ela da escola, mas então encontrei essa escola para crianças especiais e deu muito certo. Ela está feliz.
 
— Acredito nisso. – Olhei para a garota que brincava ao nosso lado. – Ela é linda.
 
— Ela é linda mesmo. – A mulher riu.
 
— Bem, última pergunta. – Olhei para a folha. – Como é o atendimento médico?
 
— É ótimo, porém não são todos os hospitais que atendem crianças especiais, quero dizer, o clínico geral atende todos, sem exceção, mas Giulia precisa de tratamento especial.
 
— É difícil achar um hospital de qualidade?
 
— Foi difícil, mas agora que encontramos, não tem mais erro.
 
— Obrigada por responder minhas perguntas, Senhora Moyer. – Eu disse parando a gravação.
 
— Imagina, meu bem. É gratificante ver vocês jovens interessados nesse assunto. – Ela pegou na minha mão e deu um leve aperto. – Eu que agradeço.
 
Sorri e me levantei para beijar a testa de Giulia, a garota sorriu tímida e me ofereceu um pedaço da grama que ela havia arrancado do chão.
 
— Muito obrigada, Giulia. Eu amei, olha vou fazer um colar. – Me ajoelhei para ficar na sua altura.
 
Tirei a corrente fina do meu pescoço e fiz um pequeno buraco na folha da grama, passei a corrente por ali e coloquei de volta no meu pescoço, um colar com um pedaço de grama como pingente. Giulia abriu um sorriso tão lindo que me fez sorrir também. Dei tchau e andei pelo lugar procurando por Lucy ou minha mãe.
 
— Sarah! – Avistei Vero acenando com a mão.
 
— Quando vamos embora? – Falei me sentando na mesa onde minha mãe e Vero estavam.
 
— Daqui a pouco, só estou esperando Lúcia terminar sua entrevista. – Minha mãe disse calma virando o rosto. – Oh, céus, Margareth? – Olhei para o lado e vi uma mulher loira se aproximando sorridente.
 
— Katy, minha querida, como vai? – Elas se abraçaram e deram beijinhos em cada lado da bochecha.
 
— Estou indo e você? Quando chegou da Austrália?
 
— Ontem mesmo. Querida, que viagem maravilhosa. – A mulher falou dramática colocando a mão na testa.
 
— Imagino. – Minha mãe riu.
 
— Oh, Deus! Eu sinto muito por seu filho. – A loira abraçou minha mãe. – Ele era tão jovem.

𝘿𝙚𝙨𝙩𝙞𝙣𝙖𝙩𝙞𝙤𝙣 𝙏𝙧𝙖𝙞𝙩𝙨 • 𝙎𝙖𝙧𝙞𝙚𝙩𝙩𝙚Onde histórias criam vida. Descubra agora