Ligação

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Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe.
- Oscar Wilde

31 de dezembro de 2020JENNIE KIM00h22

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31 de dezembro de 2020
JENNIE KIM
00h22

A Central da Morte está me ligando com o aviso mais importante que todos nós recebemos durante a vida: irei morrer hoje. Para falar a verdade, "aviso" é forte demais, uma vez que recebemos um aviso como forma de algo que pode ser evitado, como um carro buzinando para um pedestre que atravessou a rua no sinal vermelho, dando a ele uma chance de se afastar; soa mais como um alerta. Este alerta altíssimo, um gongo inconfundível e infinito, como um sino de igreja a um quarteirão de distância, está vindo do meu celular no outro lado do quarto. Já estou surtando, um milhão de pensamentos abafando tudo ao meu redor. Com certeza é o sentimento de um paraquedista ao saltar do avião pela primeira vez, ou até mesmo de um pianista tocando em seu primeiro concerto. Não que eu vá confirmar essas suspeitas um dia.

Há poucos segundos eu estava fuxicando publicações do dia anterior no blog ContagemRegressiva – onde os Terminantes registram suas últimas horas com status e fotos atualizados em tempo real, e essa postagem, em específico, era a história de um estudante universitário tentando encontrar um lar para seu golden retriever – e agora eu vou morrer.

Vou... não... sim. Sim.

O meu peito dói. Dói porque eu vou morrer hoje.

Sempre que me perguntavam qual era o meu maior medo, eu podia responder que era a morte, porque eu sempre tive medo de morrer. Não sei por que, mas eu acreditava que ter medo poderia impedir que isso viesse a acontecer. Não para sempre, claro, mas por tempo suficiente para que eu pudesse crescer. Meu pai sempre botou na minha cabeça que eu deveria fingir ser a protagonista de uma história na qual nada de ruim acontece, em especial a morte, porque o herói precisa estar vivo para salvar todo mundo. Ele me dizia que eu era a heroína. O barulho na minha cabeça está diminuindo e há um mensageiro da Central da Morte na linha esperando para me contar que vou morrer hoje, aos dezoito anos.

Eu... realmente não quero atender o celular.

Tudo que eu queria era correr até o quarto do meu pai e xingar com a cara enfiada em um travesseiro porque ele escolheu o momento errado de ir parar na UTI, ou então socar a parede porque minha mãe me predestinou a uma morte prematura ao falecer durante o meu parto. O celular continua tocando, não sei dizer se é a vigésima ou trigésima vez, mas eu preciso atender porque eu não posso evitar o que vem a acontecer mais tarde, ainda hoje.

Tiro o meu laptop de cima das pernas cruzadas e me levanto da cama, cambaleando, me sentindo tonta de verdade. Pareço um zumbi caminhando em direção à escrivaninha, lenta e morta-viva.

O identificador de chamadas é bem claro em nos mostrar CENTRAL DA MORTE no display. Meus dedos estão tremendo, a minha mão está suando, quase que não consigo pressionar o botão verde. Não digo nada, apenas respiro fundo enquanto aguardo pela voz que me dará a pior notícia que uma pessoa pode receber.

Um dia com ela.Onde histórias criam vida. Descubra agora