Nossa última viagem

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JENNIE KIM15h26

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JENNIE KIM
15h26

A chuva vira garoa quando o ônibus para na frente da Arena de Viagens pelo Mundo, na 30th Street com a 12th Avenue. Desço do ônibus primeiro e, atrás de mim, ouço um ganido.

— PORRA!

Eu me viro a tempo de apoiar o braço no corrimão e impedir que Lisa caia de cara no chão e me leve junto. Ela é um pouco musculosa, então meus ombros reclamam de ter que aguentar seu peso, mas Lisa ajuda na hora de ficarmos de pé.

— Piso molhado — diz ela. — Foi mal.

Chegamos.

Sãs e salvas.

Nós contamos uma com a outra. Vamos estender esse dia ao máximo, como se fosse um solstício de verão.

A Arena de Viagens sempre me lembrou o Museu de História Natural, só que com metade do tamanho e bandeiras internacionais penduradas ao redor da cúpula. O rio Hudson está a apenas alguns metros de distância, mas não comento isso com Lisa. A capacidade máxima da arena é de três mil pessoas, o que é mais do que o suficiente para Terminantes, seus acompanhantes, pessoas com doenças sem cura, e qualquer um que esteja a fim de aproveitar a experiência.

Decidimos comprar os ingressos enquanto esperamos por Rosé.

Um funcionário nos ajuda. Existem três filas organizadas por urgência: uma para pessoas doentes; uma para quem, como nós, está morrendo hoje por alguma causa desconhecida; e a terceira para visitantes entediados com a vida. Basta olhar as outras filas para descobrir qual é a nossa. A da direita está repleta de risadas, selfies e pessoas no celular mandando mensagens. A fila da esquerda não tem nada disso. Uma mulher jovem com um lenço enrolado na cabeça se apoia em um tanque de oxigênio; outros não param de tossir; algumas pessoas estão desfiguradas ou com queimaduras graves. Eu me sinto sufocada por tristeza, não apenas por eles, nem mesmo por mim, mas pelos outros à nossa frente que acordaram em suas vidas seguras e vão entrar em perigo nas próximas horas, talvez minutos. Sem falar nos que não conseguiram chegar vivos até essa hora do dia.

Por que não podemos ter uma chance? — pergunto a Lisa.

— Uma chance para quê? — Ela está olhando ao redor, tirando fotos da arena e das filas.

— Uma chance de ter outra chance. Por que não podemos bater na porta da Morte e implorar ou tentar negociar ou propor uma queda de braço ou uma competição de quem pisca primeiro em troca de uma chance de continuarmos vivos? Eu entraria até mesmo numa briga pela oportunidade de decidir como vou morrer. Escolheria morrer dormindo — confesso.

E só pegaria no sono depois de viver com muita coragem, como o tipo de pessoa que as outras gostam de embrulhar num abraço, e elas até iriam se aninhar sob meu queixo ou no meu ombro, enquanto conversamos sobre como éramos felizes por estar vivas, uma com a outra, sem sombra de dúvidas.

Um dia com ela.Onde histórias criam vida. Descubra agora