O Som no Caixão da Minha Filha

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Quando a minha filha nasceu, estávamos radiantes. Estávamos tentando ter um filho há quase dez anos. Agora, no final dos trinta, quase desistimos de ter um bebê. Mas, milagrosamente, minha esposa Karen engravidou. Ninguém tinha visto duas pessoas mais felizes do que nós, quando tivemos uma garotinha saudável. Karen a chamou de Vitória. Foi uma espécie de ode à nossa longa provação e a vitória que tivemos depois de tanto tempo.

Nossa felicidade durou exatamente uma semana.

Dormimos a noite toda, o que não era algo que esperávamos fazer por muito tempo. O monitor do bebê não tinha feito um piu. Acordei devagar e verifiquei as horas: 8:00 da manhã, e Vitória ainda não nos acordou. Um medo profundo atingiu o meu estômago.

Eu entrei no quarto dela e a encontrei deitada perfeitamente quieta. Muito quieta. Toquei na bochecha dela e ela estava fria. Gritei para Karen chamar a polícia. Tentei fazer os primeiros socorros, tentei reanimá-la, tentei gritar com ela. Karen e eu não tivemos palavras enquanto segurávamos o nosso bebê morto. Ela estava tão cheia de vida no dia anterior.

O médico disse que foi um mal súbito, que basicamente significava que eles não sabiam por que ela morreu.

E, junto a isso, Karen parou de falar. Tive que organizar o funeral sozinho. Dormir era impossível. A minha esposa era apenas uma estátua agora, realizando as funções necessárias, mas nunca mais do que isso. Ficamos lado a lado no funeral. Nosso amigos e familiares estavam soluçando, tentando nos consolar, mas ficamos em silêncio. Nossa Vitória foi descida no chão. Fiquei espantado pela rapidez com que você poderia perder uma vida, a sua e a de outra pessoa. Fomos pra casa, e não deixamos ninguém entrar.

Honestamente, eu pensei que Karen poderia se matar, mas, invés disso, ela colocou o monitor do bebê perto da cama, como fazíamos antes. Ela ligou e cantarolava algo feliz. Eu limpei a minha garganta.

- O que... você tá fazendo?

Ela sorriu.

- Nós precisamos disso, pra verificar o bebê.

O meu corpo gelou. Era pior que suicídio. Karen estava enloquecendo.

- A Vitória tá morta, Karen. Ela não vai voltar.

- Ela tá dormindo - disse Karen animadamente -, eu posso ouvir a respiração dela um pouco.

- Por favor, Karen...

Mas, então, eu ouvi. Um ronco macio, quase silencioso, um pequeno som sonolento. Corri para o lado dela pra ficar mais perto do monitor.

- O que que é isso? - eu sussurrei.

Karen sorriu.

- Eu coloquei o outro com a Vitória. Eu queria ter certeza de que poderíamos cuidar dela.

- Então esses ruídos...?

- Ela tá dormindo, amor, ela vai acordar em breve.

Eu não poderia lidar com isso por mais um segundo.

Saí de casa, levando a minha pá comigo. Se algo estivesse vivo no caixão da Vitória, eu encontraria. A viagem ao cemitério foi rápida e, em plena luz do dia, comecei a desenterrar o caixão, não me importava quem me visse. Enquanto cavava, eu me perguntava se eu também estava louco, mas eu empurrei essa ideia de lado, enquanto eu empurrava a pá pra terra.

Finalmente cheguei ao caixão. Era tão pequeno. Lágrimas vieram aos meus olhos e eu puxei a caixa, coberta de terra. A parte de cima tinha sido pregada. Usei minhas próprias unhas para abri-la, elas rasgaram e sangraram. Não senti dor nenhuma. De repente, a tampa estava livre, e eu revelei o conteúdo do caixão. Dentro havia um corpo em decomposição de uma criança. Eu quase vomitei. Era Vitória. Morta. Não havia monitor de bebê lá dentro. Não sei o que eu queria encontrar. Achei mesmo que puxaria minha filha e ela estaria viva?

Alguém chamou a polícia e me levaram pra casa. Eu estava muito abalado pra dirigir, de qualquer maneira. Eles não me acusaram de nada, mas me avisaram pra não profanar o túmulo novamente.

Eu andei pra dentro de casa e podia ouvir Karen murmurar no quarto.

- Você mentiu! - eu disse com firmeza, apontando um dedo, acusando. Ela olhou pra cima, sorrindo, embalando o monitor como uma criança.

- Ela tá acordando!

Eu podia ouvir algo vindo do monitor.

- Karen, você disse que colocou outro com a Vitória.

- Sim, e agora ela tá acordada.

Uma pequena tosse podia ser ouvida pelo monitor, e então uma voz infantil horrível falou:

- Mamãe.

Parecia uma mistura entre um grito e uma voz humana. Os pelos dos meus braços se arrepiaram. Eu dei um passo pra trás.

- O... O que...?

- Ela ta acordada. - Karen ficou de pé. - Eu acho que a gente tem que alimentar ela agora.

Ela passou por mim e caminhou em direção ao quarto de Vitória. Eu a segui lentamente. Dentro do quarto eu podia ver o outro monitor, exatamente onde sempre esteve. Karen estava sobre o berço.

- A Vitória tá morta - eu disse.

Ela se virou com algo nos braços. Eu quase desmaiei.

- Ela não tá morta, querido, ela tá bem aqui.

Em seus braços, havia uma criatura que se assemelhava a um inseto. Seus braços eram espinhosos e tinham grandes pelos pretos saindo de seu corpo. O abdômen era seccionado em duas partes, ambas brilhantes como um exoesqueleto de um besouro. O rosto era humanóide, mas desprovido de emoção. Dois dentes afiados explodiam de sua boca. Eu quase tive certeza que eu ouvi a coida dizer "mamãe" com sua voz doentia.

- Você tá com fome, Vitória? - Karen levantou a camisa e aproximou a criatura de seu peito. Ela mordeu ansiosamente. Duas poças distintas de sangue começaram a escorrer de sua pele.

- Karen... - eu disse lentamente, ainda cambaleando, tentando entender o que estava acontecendo. Eu fui até seu lado. Com os dedos tremendo, eu acariciei os cabelos escuros e estáticos do tórax da coisa. - A nossa filha... é linda.

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