O Contrato - COMPLETO

Capítulo 21

ISADORA

"Não há como estar em casa" é uma frase clichê, mas é a mais pura verdade – se você tiver uma família bem estruturada, não acho que Guilherme goste quando chega em casa. 

O dia pode ter sido o pior possível, mas, por mais que eu nunca vá admitir isso na frente de nenhum dos idiotas, é ótimo estar com meus irmãos e rindo de qualquer que seja a besteira – a mais nova fofoca de Madison, o mais novo crush de Adriana, a mais nova briga de Diego e Daiane, a mais nova história de Adrian, a mais nova loucura na sala de Diane.

Gosto de voltar para casa, porque consigo me lembrar exatamente o motivo para sempre voltar. Eu não conseguiria viver um dia sem as birras dos meus irmãos, ou o amor incondicional dos meus pais e me dói toda vez lembrar que Guilherme não tem isso. Não sei como gostam de chamar, mas sinto uma vontade enorme de sempre proteger Guilherme de tudo.

Escutar, da maneira mais calma e natural de todas, que o pai dele tinha deixado uma marca roxa no pescoço dele foi algo que embrulhou meu estômago. Meu pai nunca seria capaz de fazer algo assim, meu pai só bate em mim e nos meus irmãos se a gente realmente pisar na bola – uma vez, Adrian levou surra de cinto por ter deixado de entregar as atividades por uma semana, desde esse dia, eu sempre tentei ser a mais correta possível.

Se eu pudesse socar alguém, seria o pai do Guilherme. Céus, eu teria pena dele se algum dia nós dois se encontrássemos em algum lugar, eu seria capaz de fazer um escândalo e obrigar a chamarem a polícia. Eu daria uma surra tão grande nesse homem, que me dariam uma restrição de pelo menos 500 quilômetros distante dele.

Surrar o pai de Guilherme trouxe um sorriso enorme no meu rosto – ok, acho que fiquei um pouco sociopata.

Meu coração acelera quando escuto a buzina personalizada – o carro começa a cantar, sim, cantar, que está vendendo pamonha – do jeep de Adrian. Céus, às vezes acho que Adrian e Diego dividem o mesmo neurônio com uma sinapse mínima, porque tudo que eu imagino que Diego faça, Adrian também faz.

Adrian sai do jeep, como se já estivesse ali há um bom tempo, sei disso porque ele ainda usa o uniforme que usa para treinar – todo branco, que minha mãe odeia colocar na máquina e obrigou ele a lavar a mão. Adrian sempre chega, pelo menos, uma hora mais cedo que eu.

Não consigo decifrar seu rosto, quando é iluminado pela luz da nossa área externa. Seus olhos verdes brilham com uma ansiedade que eu nunca tinha visto. Ele parece eufórico, mas ao mesmo tempo triste, mas mais importante ainda, ele parece o Adrian de dez anos atrás que nunca conseguia se decidir – inquieto, divertido e melancólico.

Ele encosta o corpo enorme na parte da frente do carro e sorri para mim, seu sorriso é mais alegre, mas ainda carrega uma tristeza enorme que eu não consigo imaginar de onde tenha vindo. Eu e Adrian dividimos uma característica em comum: a nossa incapacidade de falar sobre nossos problemas. Nunca falamos se sentimos algo ruim, apenas os sentimentos bons. 

Adrian não nos falou quando desmaiou no treino por estar treinando demais. O treinador tinha dito que por ele ser mais velho, ele nunca conseguiria chegar em nenhum campeonato internacional de futebol, então, como todo bom e teimoso Alves, ele tentou provar ao contrário. Só descobrimos o motivo depois que ele estava internado no hospital, não foi nada demais, mas eu quase vi meu pai bater em alguém – minha mãe chegou a bater no treinador.

Eu não contei para ninguém que fui assediada, mas ele sabe, entretanto ele não sabe que ainda guardo alguns traumas enormes e que esse foi o motivo do meu término. Talvez ele imagine isso, mas talvez não.

— Vai se aproximar não? – ele gritou e eu ri. — Não sei se você percebeu, mas eu tava te chamando pra conversar.

Ajeitei a bolsa de treino lilás no meu ombro e me aproximei dele. — Você quer conversar comigo e ainda me trata assim? Sei não, hein. Talvez eu acabe te batendo com o que tem dentro dessa mochila.