II. Vítima em potencial.

651 64 14
                                    

Bianca conseguia ouvir o telefone incomodo tocando do outro lado da parede de sua sala que ninguém se disponibilizava para atender. O paletó jazia no encosto da cadeira, a deixando com a simples blusa branca de manga ¾. Estava de pé com os braços cruzados, olhando o movimento de policiais uniformizados na porta do prédio através do vidro da janela fechada. Se achava mais legal quando era uma simples oficial, realizando rondas e prisões diárias.

Sua vida profissional costumava ter mais adrenalina do que o que estava tendo naquele momento. Já não aguentava mais sentar e esperar outras pessoas lhe trazerem resultados. Queria ir para campo, mas não podia. Queria ficar em segurança, mas não aguentava. Havia passado uma vida dentro daquelas paredes e nunca pensou que um dia sentiria falta de dividir uma viatura cheirando à café e óleo queimado com Rodrigues no banco do motorista.

- Com licença. - A voz de Bárbara veio acompanhada de uma leve batida de dedos na madeira da porta. - Mandou me chamar?

A Andrade girou sobre os calcanhares para encontrar os olhos azuis da jornalista. Por mais que tenha passado boa parte de sua juventude ao lado de Rafaella, a presença da morena lhe causava mais nostalgia do que apreciaria. Todas as vezes que olhava para Bárbara era como se ainda estivesse com seus vinte anos de idade, ou pelo menos, ansiava ainda ter.

- Sim. - Suspirou, indicando a cadeira oposta à sua. - Por favor.

- Você está séria. - A morena comentou, acomodando-se no assento. - Estou aqui como amiga ou repórter?

- Chamei a repórter. - Bianca descansou as costas contra o acolchoado da cadeira, mirando nos olhos azuis. - Mas isso não significa que a amiga não possa aparecer. - Bárbara sorriu, rendendo o mesmo feito nos lábios da comandante. - Eu estive pensando sobre a sua irritante insistência em cobrir o caso dos assassinatos anônimos, mesmo depois de todas as minhas proibições.

- Eu sei que posso ser bastante irritante quando quero. - A morena jogou o cabelo para trás em um nítido ato de convencimento.

- Sim. Você pode. - Apontou, erguendo uma sobrancelha para a jornalista. - Mas isso não vem ao caso. - Bianca se inclinou para a frente, descansando os braços no tampo da mesa. - Eu quero te propor um acordo. Você receberá informações do caso em tempo real, terá livre acesso às provas e pode acompanhar meus detetives quando e onde quiser.

- Estou esperando o "mas". - Bárbara gesticulou com um brilho de satisfação nos olhos.

- Você não pode publicar absolutamente nada até que o caso esteja encerrado. - A Comandante jogou, observando o franzir de cenho da mulher. - Já tive muitos problemas com a mídia atrapalhando minhas investigações e você é uma mulher inteligente, sabe que se aparecer com um dossiê completo em mãos para teus superiores, tua carreira irá alavancar para nunca mais parar.

- Então, você só me concede as informações se eu não publicá-la antes do desfecho. - Concluiu com os olhos cerrados.

- É pegar ou largar. - Bianca deu de ombros, voltando a se recostar na cadeira.

- Bom. - Bárbara suspirou, parecendo relaxar um pouco mais. - Isso com certeza é melhor do que nada.

Bianca não gostava de trabalhar com a mídia. Para ser realmente franca, ela odiava. Detestava a forma como distorciam e manipulavam para algo inexistente. Sempre teve problemas com discrição, graças aos jornais. Sem contar com acréscimos ou cortes que faziam apenas para se beneficiarem. Inicialmente encaixou Bárbara justamente nessa categoria, como alguém que deveria repelir de todas as formas possíveis. Entretanto, após analisar melhor toda a situação, viu que aquela seria uma forma de ter um caso sendo relatado fielmente como ocorrido. Fez questão de deixar isso claro para a antiga colega de faculdade, que concordou sem poder pensar em discordar.

Já era fim de tarde quando a Comandante decidiu levar Bárbara até a sala onde as investigações estavam realmente acontecendo. Os olhos da jornalista contemplavam as fotos e mapas fixados nas paredes cinza. Buscou o pequeno gravado no bolso traseiro e o ligou assim que se deu conta de onde realmente estava. Estava, finalmente, no meio.

- Crianças, sei que vocês já a conhecem, mas quero apresentar formalmente a
jornalista Bárbara Labres. - Falou alto, ganhando a atenção de Chris, Dante e Manoela. - Ela vai estar cobrindo esse caso.

- Como é que é? - O detetive Dante guinchou, escorado ao lado da janela aberta. - Você abriu as portas desse caso para a mídia? Sabe que isso compromete 70% das investigações?!

- Sim, detetive. Eu abri. - Respondeu dura, com os olhos fixos nos do homem. - E engula qualquer opinião ou informação que eu já saiba porque eu não perguntei se vocês estão de acordo. Bárbara irá trabalhar com vocês e ponto final. - A Andrade abandonou os olhos do homem e caminhou até o lado da mesa que Chris ocupava, alguns aparelhos estavam distribuídos por ali junto a algumas caixas vazias de comida japonesa. - Temos alguma novidade?

Os olhos do hacker dançaram em direção a Comandante antes de voltar para a tela iluminada na qual trabalhava.

- Achei uma falha. – O rapaz disse, sem parar de digitar. – Consegui um rastreamento padrão partindo de um histórico recente de conversa entre o tal de Brandon e a menina, mas uma espécie de nuvem bloqueia a minha visão da máquina dele. – Chris pausou por alguns segundos para esfregar as vistas. – Parece que ele usa algum programa que borra a informação.

Bianca suspirou, puxando uma cadeira vazia e sentando de frente para o rapaz.

- Então você não consegue localizá-lo? É isso? – A voz de Dante veio um pouco mais alterada do que o de costume.

- Tecnicamente. – Chris ergueu o indicador, mas socou a mesa assim que sentiu o cheiro peculiar preencher a sala. – Dante, você quer parar?! – As três mulheres se voltaram para o Detetive na janela que mantinha o cigarro entre os lábios. – Se você quer alimentar o teu câncer, alimente-o lá fora!

- Foi apenas um trago. – O detetive explicou um pouco mais calmo, apagando o cigarro no batente da janela. – Podem continuar.

Bianca e Manoela se entreolharam por dois segundos, mas logo Chris puxou o foco novamente.

- Não consigo rastrear o computador propriamente. - Gesticulou em direção a tela ainda acesa. - Mas consegui uma forma de coletar informações da banda larga de cada conversa que encontrei nas últimas duas semanas através do banco de dados do jogo. Não garanto conseguir a localização precisa dele, mas como os dados são trocados de rede para rede acho que dá pra saber com quem ele tem interagido.

- A próxima vítima em potencial? - Gavassi perguntou bem ao seu lado.

- Exatamente. - O hacker balançou a cabeça em concordância.

- Tá legal. - A comandante respirou fundo, assimilando as informações. - E pra quando consegue isso?

- Dentro de 45 segundos e diminuindo. -  Chris apontou para o notebook.

Bianca sentia o corpo tenso e aliviado ao mesmo tempo. Tenso porque, se a ideia de Chris fosse dar certo, finalmente estariam com uma direção a ser seguida. Aliviado pelo mesmo motivo. A Comandante se levantou da cadeira e deu a volta na mesa quando julgou que a listagem já estivesse na tela do aparelho, e estava certa. Letras verdes pipocavam na tela preta e precisou fazer um esforço extra para entender do que se tratava, mas algo nas primeiras informações compreendidas um nó se formou em sua garganta.

- Espera. Esse é o endereço da minha casa. - Disse rouca, franzindo o cenho para entender o que estava diante de seus olhos. Chris não estava procurando o psicopata, estava rastreando pessoas que mantinham contato através daquele maldito jogo. Sentiu o arrepio lhe cortar a espinha quando a pequena ficha caiu em sua cabeça. - Camila.

Boa noite!

The Middle | Versão RabiaOnde histórias criam vida. Descubra agora