II. Major Andrade.

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Já era noite quando Bianca estacionou a viatura na entrada da garagem. Sentia cada ponto de seu corpo tenso e uma latente dor de cabeça que desde cedo não passava. Suspirou, olhando as poucas luzes acesas dentro de casa. Rafaella e Camila provavelmente já estariam na cama.

Soltou o cinto de segurança e estalou o pescoço antes de tirar a chave da ignição e abrir a porta. O frio da noite penetrou o tecido da blusa fina que usava a fazendo estremecer levemente. Acionou o alarme quando já estava próxima a porta de casa e o cantar de uma coruja a fez repreender o agouro mentalmente enquanto subia os degraus da varanda. Estava cansada, verdadeiramente cansada e necessitada de sua cama. Soltou o molho de chave no suporte atrás da porta, estranhando a ausência de Milagre que costumava recepcioná-la com um banar de rabo sempre que chegava.

Olhou ao redor analisando o silêncio mórbido. As luzes do andar de baixo todas apagadas, com exceção das luminárias que clareavam o corredor que dava acesso aos cômodos. Forçou um pouco mais a audição e mais uma vez o canto da coruja preencheu o silêncio.

Algo estava errado.

Sentiu o coração bombear mais rápido com a intuição e ansiedade. Tirou o revólver do coldre da cintura e puxou o cão da arma por prática. Seus passos eram leves enquanto subia as escadas e seu coração doía a cada suposição que corria por sua cabeça. Chegou ao segundo andar ofegante devido a adrenalina. Tudo estava escuro, o que constatava que algo, definitivamente, estava errado.

Notou o filete de luz escapando da porta entreaberta do quarto de Camila e sentiu uma zonzeira estranha que quase lhe levou ao chão. Deu alguns passos em direção à claridade, tomando cuidado ao pisar no assoalho. Só então notou o rastro de líquido vermelho pelo chão. Vermelho sangue.

Empurrou a porta do quarto em um só gesto, encontrando o corpo de Camila ensanguentado na cama e ao seu lado a morena de olhos claros girando um bisturi entre os dedos. Bianca acordou em um solavanco e olhou ao redor.

Estava em sua cama, estava em seu quarto, havia sido um pesadelo.

Correu as mãos pelo rosto e o encontrou suado. Olhou para o lado, fiscalizando Rafaella ainda dormindo entre as cobertas.

Só um pesadelo.

Umedeceu os lábios e procurou estabilizar a respiração, mas parecia uma tarefa difícil.

Saiu debaixo do emaranhado de lençol e coberta para se sentar na beirada da cama. Massageou o próprio peito que doía com a respiração escassa. Precisava se acalmar. Pegou a jarra de água, que geralmente ficava sobre seu criado mudo durante a noite, e encheu um copo. A água ajudaria, a água sempre ajudava. Se levantou da cama e saiu do quarto em direção ao da adolescente que estava devidamente fechado.

Bianca empurrou a porta devagar, encontrando a iluminação neon vinda das estrelas fixas no teto do cômodo. Desde criança Camila tinha dificuldade para ficar no escuro e foi uma luta para deixar a luz de seu quarto apagada até que acharam a solução nos objetos neon: A luz ficaria apagada e Camila não ficaria no escuro.

Sorriu ao notar a forma que a filha dormia. A adolescente abraçava um travesseiro enquanto o outro, que deveria abrigar sua cabeça, já estava no chão junto com o edredom. Se aproximou da cama de solteiro e pegou o celular da cubana, que lutava para não se juntar ao edredom e travesseiro no assoalho, o colocando sobre o criado mudo. Meneou a cabeça e colocou o travesseiro de volta na cama.

Camila nunca teve modos para dormir. Lembrava-se de muitas vezes acordar com as costas travadas por causa da maratona que era quando a filha resolvia fugir dos trovões e se esconder entre Rafaella e ela na cama de casal.

Ergueu o edredom, o sacudindo devagar, e o colocou de volta sobre a adolescente. Um suspiro cansado lhe escapou quando olhou uma segunda vez para Camila. Ela não era mais uma criança e isso não se dava apenas pelas pernas longas e temperamento forte. Seu rosto já estava quase ausente dos traços infantis e o ar de mulher adulta aparecia cada dia mais.

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⏰ Última atualização: May 14, 2022 ⏰

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