Enquanto o estômago de Yamaguchi jogava toda a comida para fora do corpo, Tsukishima se segurava para não ir até o rapaz e segurar seu cabelo, acariciar suas costas e dizer que estava tudo bem. Não podia, porque se Yamaguchi fosse mesmo ele, não iria gostar de ter alguém o ajudando com uma coisa tão estúpida dessas. Kei deu uma risadinha.
— Qual a graça, porra? — o esverdeado resmungou, virando parte do rosto. Ele estava ajoelhado atrás do trono de pedra; o pequeno percurso que ele conseguiu fazer antes do vômito vir.
— Nada. Estava apenas tentando lembrar de algo. — deu de ombros. Não era exatamente mentira. Seus traços ainda eram muito vagos e embaçados.
— Rindo?
— Está bravo pelo quê, exatamente? Não disse que estava rindo de você, capitão. — mas ele estava, e Yamaguchi tinha certeza. Não por ele estar vomitando, por outra coisa...
Antes que o esverdeado pudesse perguntar outra vez, as portas do salão — que eram dentes para quem olhava de fora — foram escancaradas, e Kuroo aparece entre elas com alguém no colo. Tanaka.
O enjôo do capitão sumiu no mesmo instante, e ele limpou os lábios na gola da camiseta; já estava suja mesmo. Tadashi assumiu sua posição séria e foi até o pirata, poucos centímetros maior, e examinou seu amigo: Tanaka estava pálido, a camiseta estava ficando marrom com a quantidade de sangue perdido, seu peito subia tão devagar que o capitão prendeu a própria respiração, esperando-o completar o movimento para ter certeza de que estava vivo.
— Encontramos ele assim. — Tetsurou indicou Akaashi com o queixo, cuja presença era invisível até então. — Estava murmurando umas coisas, e pelo estado do ferimento, parece que foi há meia hora.
— Preciso... preciso vê-la... — Ryuu murmurou, a voz rouca parecia prestes a sumir. Os olhos se mexiam inquietos por baixo das pálpebras.
— Vamos levar ele para um quarto, e ver o que dá pra fazer. — Keiji disse sério, mas deu um sorrisinho manchado de vermelho quando fez os três rapazes sumirem. Por algum motivo, Tadashi soube que aquele sangue nos dentes não era de Tetsurou, e sim de Bokuto.
Yamaguchi se virou com pressa, e deu de cara com Tsukishima, aquela cara sem graça de sempre. Ele sentiu vontade de bater nele até não restar mais nada.
— Isso é culpa sua, Tsukishima! Sua e dessa ilha estúpida! — o pirata gritou, apontando um dedo para o loiro. — Não é a toa que está amaldiçoada. Você deve ter feito algo muito ruim para isso acontecer.
— Tadashi, cala a boca. — as sobrancelhas de Kei estavam franzidas, único sinal de irritação.
— Então é verdade? Por sua causa a ilha caiu em desgraça, como dizia a profecia! Você só precisa de mim pelo meu colar. — A raiva definitivamente tomou conta de Yamaguchi, e ele arrancou o colar do pescoço.
O gesto pareceu doer em Kei, porque ele levou a mão à própria pedra e a apertou. O loiro pareceu fraquejar por um segundo. As coisas pareciam estar se dissolvendo na mente do esverdeado; mentiras, era do que aquela ilha era feita. E ele tinha acreditado em cada palavra.
— Coloca isso de volta, seu idiota do caralho — resmungou, olhando-o com raiva.
— Não recebo ordens de um qualquer como você — Yamaguchi disse com desdém, dando um passo para trás.
E, para o completo terror de Tsukishima, jogou o colar no chão. A pedra se quebrou com um estampido seco, em pelo menos dez partes. Dez dolorosas partes.
— Não! Não, não não... — ele se ajoelhou na frente dos pedaços, negando com a cabeça e pegando-os. Tadashi não era ele, foi um idiota ao pensar que poderia ser.
O seu — Tsukishima não conseguia lembrar o nome — não era tão idiota a ponto de quebrar algo da própria família. Não recusaria ajudá-lo, não é...?
— Eu vou embora com minha tripulação. Espero que se divirta com o que sobrou da sua preciosa ilha.
Yamaguchi não deu um último olhar para trás, apenas bateu os pés e se dirigiu aos corredores, na esperança de achar o quarto onde enfiaram Tanaka. O sangue fervilhava nos ouvidos, tinha vontade de chutar cada quina das paredes até o castelo inteiro desabar. Como alguém podia ser tão egoísta? Ele nem sequer deu atenção aos piratas que o carregavam, como se a tripulação de Tadashi não valesse o seu tempo.
Ele ouviu um soluço ecoar pelas paredes, mas não soube dizer se era seu ou não.
— Tadashi... — um sussurro o chamou. — Ei, pequeno nômade, aqui. Venha cá.
Devia ser engano, porque ele não era um nômade. Não tinha nenhuma característica semelhante àqueles homens que Akaashi e Bokuto destruíram na pequena avenida. A voz o chamou outra vez, com um nome diferente, mas que tinha a mesma pronúncia que Yamaguchi Tadashi.
Um nome nômade.
— Não tenha medo, pequeno traidor. Chegue mais perto.
Ele tentou ignorar a tentação de ir atrás, mas suas pernas o desobedeceram e o levaram até o salão de jantar, para aquela parede imensa cheia de espelhos diversos. Cada reflexo era diferente; uns o deixavam mais alto, mais baixo, alguns nem o refletiam. Os mais curiosos tinham a face virada para a parede.
— Isso, querido, veja. Veja. — a voz instruiu, entrando em seus ouvidos de forma suave. Aqueles olhos castanhos deslizaram pela parede até se cansarem, então pararam em um espelho de corpo inteiro no fim do salão.
Suas bordas eram simples, de prata e com poucos entalhes. O vidro estava impecável, nem parecia um sobrevivente de longos séculos de reinado até sua ruína total. Yamaguchi se viu, mas estava cada vez mais jovem, até que chegou aos 12 anos.
As memórias dessa época eram todas borradas, e o pirata mal conseguia se lembrar da própria voz enquanto ela sofria aquelas mudanças constrangedoras até se acertar. Se lembrava de seu pai, e se odiou por ter esquecido seu nome, lembrou também do dia em que aquele colar maldito parou em seu pescoço.
"Um presente por ter roubado ele de mim, espertinho." Yamaguchi deu uma risada fraca com o som da voz dele tão clara em sua mente. Logo depois soluçou; seu pai havia morrido poucos dias depois.
— Venha, venha! Toque em seu reflexo, em seu pequeno reflexo. — aquela voz estava bem mais alta agora, e ele teve certeza de que vinha daquele espelho.
Não resistiu ao impulso de tocar o espelho. A superfície gelada começou a amolecer, e de repente Yamaguchi foi completamente engolido por ele.
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O quarto estava ficando abafado por causa da quantidade de pessoas — a maioria desnecessária — circulando. Kuroo trabalhava avidamente para manter Ryuu acordado, seja dando tapas em seu rosto ou forçando alguma bebida forte goela abaixo.
Havia perdido muito sangue, mas por muita sorte, nenhum órgão foi atingido. Parecia até que a pessoa curvou a lâmina dentro dele.
— Kiyoko... — ele murmurou, tentando levantar o braço, mas sem sucesso. — E-ela...
— Kiyoko está bem, fique tranquilo. — Tetsurou o acalmou, forçando um sorriso. — Vamos cuidar disso aqui primeiro, certo?
Então, caso você sobreviva, poderá falar com ela.
— Foi... foi ela. — ele sussurrou antes de fechar os olhos.
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𝐎𝐡, 𝐎𝐩𝐡𝐞𝐥𝐢𝐚!; Tsukkiyama
Fanfiction"Yamaguchi fechou o livro velho e suspirou. Já tinha lido aquela história milhões de vezes antes de dormir, e sonhar com aqueles piratas não era novidade alguma para ele. Mal sabia se esse tal de Tsukishima tinha mesmo existido, e em qual época, exa...