Enquanto eu mexia nos fios intermináveis da mesa de mixagem do estúdio, conseguia ouvir através do som que saía da televisão o narrador falar sobre os acontecimentos do GP do Brasil, que estava acontecendo do outro lado do Atlântico. Eu sorria a cada vez que ouvia que Carlos continuava na ponta, liderando a prova e mantendo a posição como segundo no campeonato. Era óbvio que Max ganharia o campeonato novamente, mas um vice da Ferrari era um bom presságio para o ano seguinte... Quer dizer, acredito que isso seja algo bom.
Conectando os fios, ouvi a porta do estúdio abrir e fechar, mas não ouvi passos do lado de dentro. O cheiro de comida tomou conta do ambiente e eu saí de baixo da mesa para ver o que tinham deixado ali.
Em cima da mesa redonda que ficava ao lado da porta do estúdio de gravação, uma sacola de papel tinha meu nome pregado. Me aproximei e vi uma refeição completa do Popeyes dentro da sacola. Um bilhete de papel estava dobrado e eu o peguei antes de pegar a comida.
"Para a minha paixão monegasca. Espero que isso melhore o seu domingo.
Te quiero mucho, cariño."
Ri baixo ao ver a caligrafia de Carlos no cartão e me perguntei quando e como foi que ele encomendou aquilo, já que ele sequer deveria lembrar de mim naquele momento. Enquanto eu arrumava a mesa de centro de vidro que ficava de frente para o sofá e para a televisão na parede, vi que faltavam apenas cinco voltas para o final.
Ainda estava no fim da minha batata frita quando vi os dois carros vermelhos passarem pela bandeira quadriculada quase juntos, a torcida no fundo vibrando tanto quanto a torcida italiana vibrou quando Carlos me pediu em namoro, há alguns meses.
E foi quando os três primeiros subiram ao pódio que eu percebi que era Fernando quem estava no degrau de terceiro lugar. A expressão dele era de desagrado e eu revirei os olhos automaticamente, já que era o hino do país dele que estava tocando, de uma maneira ou de outra.
(...)
Estar em Paris era sempre bom, afinal eu cresci visitando todos os lugares históricos que eram abrigados por essa cidade. Mas dessa vez, eu não me sentia feliz e nem confortável o suficiente para poder aproveitar a cidade.
O vestido vermelho que tinha acabado de chegar do ateliê estava pendurado no cabideiro de parede que ficava em frente à cama que eu estava dividindo com Carlos no hotel que a Ferrari nos hospedou para a premiação final na sede da FIA. O barulho de água do chuveiro era quase ensurdecedor dentro do quarto, por mais que a porta do banheiro estivesse fechada. O vestido vermelho parecia rir de mim, já que eu tinha evitado esse evento por metade da minha vida e meus esforços foram todos em vão.
Não era ruim eu estar com Carlos no melhor momento dele na fórmula um, mas era péssimo ter que usar aquele vermelho e em um evento que eu tinha certeza que meus pais e Fernando estariam. Não era meu forte fingir que tudo estava bem, muito menos na frente de inúmeras pessoas que eu sequer conhecia.
O babyliss enrolava meu cabelo quase automaticamente enquanto eu observava Carlos vestir o smoking extremamente bonito que tinha o pequeno logo da Ferrari no bolso do paletó. Minha maquiagem já estava feita, cortesia de Lottie, que estava no quarto ao lado com Charles, e a única coisa que faltava era que eu vestisse o maldito vestido vermelho.
Carlos já estava completamente vestido quando terminei de curvar as pontas do meu cabelo, e estava, curiosamente, em silêncio absoluto. Peguei um grampo dourado para poder prender as mechas da frente de maneira que ficasse fora do meu rosto e percebi que Carlos estava parado, encostado na parede atrás de mim enquanto me observava pelo espelho.
– Eu tenho uma coisa para você, Char. – Ele falou sério quando desviei meu olhar para ele ainda no reflexo do espelho. Me ajeitei na cadeira e o observei se aproximando de mim, ainda parecendo estranho aos meus olhos.
– O que seria? – Perguntei, tentando não parecer curiosa demais e Carlos não me respondeu verbalmente. Apenas colocou um colar delicado em meu pescoço e abaixou para poder ficar com a cabeça ao lado da minha no reflexo do espelho.
– Foi da minha avó... E eu acho que combina com o seu vestido. – Ele murmurou e eu levantei uma mão para poder sentir a joia com meus próprios dedos. Era quase uma gargantilha, mas extremamente delicada e as pedras pequenas cravadas ali brilhavam conforme eu me movia. – É sua agora...
– Eu não posso aceitar, Carlos... É algo familiar e faz apenas sete meses que estamos juntos. – Falei nervosa, sentindo meu coração acelerar e me levantei para poder ficar de frente para Carlos, que me olhava parecendo que estava hipnotizado.
– Então case comigo e ele continuará na família. – Ele pediu baixo e eu senti meu corpo todo travar. O mundo inteiro parou de girar naquele momento e eu só conseguia sentir meu coração disparado dentro do meu peito. As luzes vermelhas e sirenes estavam em polvorosa dentro da minha mente, e eu não conseguia mais controlar meu corpo.
Até que eu ouvi uma resposta positiva sair da minha boca. E o sorriso extremamente grande de Carlos me cegou.
(...)
Passar pelo tapete vermelho nunca foi tão demorado. Os flashes das câmeras vinham de todos os lados e eu só queria que aquele dia acabasse logo.
O peso do anel de esmeralda no meu dedo só não era maior do que o peso do colar que estava em meu pescoço, me sufocando quase fisicamente enquanto eu forçava os meus músculos a apresentarem um sorriso que parecesse natural o suficiente para agradar. O vestido vermelho me fazia sentir como uma alienígena no meio daquele monte de homens engravatados, de ternos de grife, com suas esposas elegantes e de vestidos pretos.
Quando entramos no salão em que a premiação seria realizada, eu me senti um pouco mais aliviada por ver que a mesa em que Carlos e eu ficaríamos era a mesma de Charles e Lottie.
– Finalmente vocês chegaram! – Lottie disse sorrindo e se levantou para me cumprimentar. Eu ainda sentia minha língua pesada demais para falar qualquer coisa, então apenas a abracei de volta e sentei na cadeira logo ao lado dela, com Carlos do meu outro lado. – Aconteceu alguma coisa?
Respirei fundo ao ouvir a pergunta sussurrada e peguei a taça de água que tinha acabado de ser colocada à minha frente na mesa, negando discretamente com a cabeça.
– Sim, mas não posso falar agora. – Murmurei de volta e Charlotte apenas concordou com a cabeça, entendendo que eu precisava que estivéssemos sós para contar a ela o que estava passando pela minha cabeça.
Enquanto a (insuportável e demorada) cerimônia acontecia, eu sentia olhares fixos em mim e sabia que eram meus pais, sentados junto com outros engenheiros da Ferrari algumas mesas atrás de nós, que estavam me observando. Quando Charles e Carlos foram chamados para se prepararem para a premiação dos três primeiros pilotos, respirei fundo novamente e me inclinei para falar com Charlotte.
– Carlos me pediu em casamento e eu aceitei por impulso.
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Deceived
FanfictionAté que ponto a profissão, o dinheiro e a paixão influenciam a vida das pessoas? Italiana radicada em Mônaco, Charlotte Mazza é filha de um dos engenheiros da Ferrari e aqui ela conta a sua história em primeira pessoa, apesar de não ter a autoestima...