Parte I

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A taça de espumante colocada à minha frente me fazia pensar na minha infância, quando eu era proibida de entrar nos eventos que meus pais participavam. Lembro do cheiro da roupa da minha babá enquanto ela me balançava para me fazer dormir enquanto eu chorava por não poder estar com meus pais no salão de eventos do hotel que nós sempre ficávamos nas férias.

O primeiro gole do espumante me fez lembrar de como meu pai comemorou quando foi contratado pela Ferrari, em 2009, para ser o engenheiro do piloto novo: Fernando Alonso. Naquele dia, eu pude participar da festa, mas ainda tomava refrigerante enquanto os adultos tomavam espumante.

Um elogio ao meu vestido feito por um dos colegas de equipe do meu pai me fez lembrar da primeira vez que Fernando entrou na minha casa. Naquela época, ele ainda era casado e a esposa dele me deu toda a atenção que eu sempre quis ter da minha mãe. É claro que ela se tornou uma constante no nosso grupo, ela cuidava de mim junto com a minha babá, a brasileira de cabelos cacheados que parecia cansada o tempo todo, então meus pais queriam mantê-la perto.

O Fernando era constante nas nossas vidas, também. Mas o máximo que eu era permitida de chegar perto dele, era quando eu o via pela janela do meu quarto entrar na minha casa. Isso me entristecia demais, porque eu queria conhecer o homem que estava trazendo tanta alegria para o meu pai, mas que também estava o afastando de mim cada vez mais.

– Charlotte! – Um chamado animado veio de trás de mim e eu me virei cuidadosamente para não derramar o espumante no meu vestido branco. – Como é bom te ver!

– É bom te ver também, Linda. – Respondi sem ânimo e a abracei de volta, sentindo o olhar fixo de Fernando nas minhas costas.

– Parabéns pelo seu aniversário, espero que você seja muito feliz! – Ela falou sorrindo e eu a agradeci quase silenciosamente, ouvindo os passos de Fernando atrás de mim enquanto ele se aproximava

– Feliz aniversário, Char. – Ele disse baixo e eu o olhei sem expressão, ignorando a mão dele segurando cuidadosamente a de Linda bem à minha frente.

– Obrigada, Fernando. – Falei enquanto forçava um sorriso, ele concordou com a cabeça e se afastou junto com a namorada.

Observando o vestido vermelho dela se movimentando enquanto ela andava na direção dos meus pais, eu me perguntei quando foi que a minha admiração pelo Fernando se tornou essa raiva que eu sinto hoje.

Talvez tenha sido na época do divórcio, quando eu o ouvi falando coisas horríveis sobre Raquel no escritório do meu pai. Ou talvez tenha sido quando ele disse ao meu pai que meu primeiro namorado, aos meus dezoito anos, era só um moleque sem futuro.

Eu realmente não sabia dizer quando foi, mas a raiva que estava sentada na minha mente me fazia querer atravessar aquele salão e esganá-lo com as minhas próprias mãos.

– Feliz aniversário, princesinha. – Uma voz conhecida sussurrou no meu ouvido e eu ri antes de virar de costas para Fernando e de frente para Charles, que estava impecável em um terno de Giorgio Armani. – Espero que você goste do presente que eu te trouxe.

– É claro que vou gostar, Charlie, você sempre me dá os melhores presentes. – Falei rindo e ele abriu os braços, me pedindo um abraço. Coloquei a taça vazia na bandeja de um dos garçons que estava passando ali perto e abracei Charles como se fosse a última vez. – Fico muito feliz de te ver aqui.

– Eu amo você, não tinha como não vir. – Ele murmurou para que só eu ouvisse e eu senti meu coração ficar quentinho, como quando eu era criança e minha babá me levava para tomar sorvete na praia ao pôr-do-sol.

Charles era o meu melhor amigo e atual piloto que trabalhava com o meu pai, na Ferrari. As nossas idades próximas eram o fator principal para sermos tão próximos (e talvez o nome igual também fosse).

– Onde está o Carlos? – Perguntei ao me afastar de Charles e tive a minha resposta ao ver Carlos descer os degraus que ficavam em frente à porta do salão. Ele segurava uma caixa pequena e eu franzi o cenho, confusa.

– Vou deixar vocês sozinhos. Não surta com o coitado, por favor. – Charles falou rindo e se afastou, fazendo uma luz vermelha se acender na minha mente conforme Carlos se aproximava cada vez mais de mim.

– Feliz aniversário. – Carlos falou sorrindo e eu me forcei a sorrir e agradecer em voz alta. Ele me estendeu a caixa e eu a peguei, um pouco sem graça. – Quis te entregar pessoalmente porque é um presente especial. Espero que esteja do tamanho certo.

Dentro da caixa, um anel delicado com uma esmeralda e brilhantes em volta da pedra me encarava. O brilho daquela joia era um tanto ofuscante e eu desviei o olhar do anel para o rosto de Carlos, que me olhava um tanto nervoso.

– Por que? – Perguntei sabendo que a esmeralda era a pedra tradicional dos noivados da família dele.

– O Charles me disse que a sua pedra preferida era a esmeralda... Eu mandei fazer nesse formato porque achei que combinaria com a sua personalidade. – Ele explicou e eu respirei um tanto aliviada de não ter que rejeitar um pedido de casamento na minha festa de aniversário.

– Eu amei, Carlos! Muito obrigada. – Puxei ele pelo braço e o abracei apertado, sentindo meu estômago dar um salto esquisito quando ele retribuiu o gesto.

No canto do meu olhar, eu vi Linda me observando com um olhar de alegria. Enquanto, ao lado dela, Fernando me olhava com uma expressão um tanto enigmática, e isso me deu uma ideia repentina.

Virei o rosto para longe deles e me afastei do abraço com Carlos, vendo o sorriso dele demonstrar alívio por eu ter gostado do presente.

– Carlos, quer ir para as Bahamas comigo nas férias de verão? 

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