Parte XIII

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A Áustria não era, nem de longe, um lugar ruim de visitar. Claro que estar ali para assistir ao grand prix não era a coisa mais agradável do mundo, mas estar por vontade própria era um pouco mais suave.

Passei o crachá na catraca depois de ter minha temperatura medida e sorri ao ver que Fernando estava me esperando do outro lado da catraca. Ele tinha chegado antes de mim no paddock por motivos óbvios, mas cumpriu a promessa dele de ir me buscar na porta quando eu chegasse.

– Não acredito no que meus olhos estão vendo. – Ele disse surpreso quando cheguei perto e eu ri, olhando para a minha roupa que eu tinha guardado especialmente para aquele momento.

– Por que não? – Falei sorrindo e beijei a bochecha dele suavemente.

– Você está de vermelho por livre e espontânea vontade? – Falou ainda surpreso e deu um passo para trás para poder olhar minha roupa mais uma vez. Eu estava com um short vermelho de vinil que era - relativamente - novo, já que eu só tinha usado ele uma vez em uma premiação musical que exigia que eu usasse vermelho porque era a cor do evento. E para completar, um bodysuit preto de alças e tênis, óbvio. Não era nada demais, mas era completamente diferente das calças jeans rasgadas e camisetas de banda que eu usava normalmente.

– Gostou? Ele me pediu para ser usado hoje, já que vamos aparecer nos sites de fofoca. – Falei rindo e Fernando me acompanhou, balançando a cabeça negativamente.

– Está linda, mi reina, como sempre. – Senti minhas bochechas arderem de vergonha e respondi apenas com um sorriso envergonhado. Fernando entrelaçou os dedos nos meus e me guiou pelo paddock até o motorhome da Alpine, tão diferente do da Ferrari, mas ainda parecido.

– Charlotte! – Ouvi alguém chamar meu nome antes que eu entrasse e olhei para trás, vendo Daniel segurando o headphone nas mãos e acenando para mim animadamente enquanto andava na direção do estúdio em que as entrevistas aconteciam.

– Oi, Dani! Saudade de você! – Falei sorrindo e ele se aproximou de mim para poder me abraçar carinhosamente.

– Saudade de você também, noiva fugitiva. – Ele falou sorrindo e eu não consegui segurar minha risada.

– Depois você me conta como foi a festa, por favor? Ainda não falei com ninguém que estava lá. – Pedi quando ele se afastou e ele levantou os dois polegares na minha direção, sorrindo como sempre. Observei ele correr para alcançar a equipe dele e entrei no motorhome de Fernando, vendo que ele estava terminando de assinar alguns cartões postais que seriam enviados para os fãs.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, meu celular começou a vibrar na bolsa pequena e eu tirei o aparelho de lá, vendo as notificações do Instagram tomando conta do aparelho.

– As pessoas são rápidas, não? – Comentei ao sentar na cadeira ao lado de Fernando e ele riu baixo e sem muito humor, assinando o último cartão para poder entregá-lo ao funcionário da equipe que os levaria no fim do dia para enviá-los.

– Até demais... Seus pais vieram conversar comigo quando cheguei. – Fernando comentou e eu levantei uma sobrancelha, surpresa.

– E como foi? Me xingaram muito? – Perguntei genuinamente curiosa e ele balançou a cabeça negativamente enquanto pegava uma mão minha entre as dele para entrelaçar nossos dedos.

– Não, até foram compreensivos com a parte da sua desistência do casamento, mas sobre nós dois a história foi diferente. – Ele contou enquanto mantinha os olhos baixos e eu senti meu coração bater mais rápido, imaginando milhões de coisas que meus pais pudessem ter dito ao Fernando quanto ao nosso "relacionamento" que mal tinha começado.

– O que eles disseram, Fernando? – Perguntei impaciente com o silêncio dele e o observei respirar fundo, ainda admirando o esmalte preto nas minhas unhas.

– Que acham errado que você esteja com alguém 15 anos mais velho, mas que confiam em mim o suficiente para isso. – Ainda parecendo incerto, Fernando despertou alívio e desconfiança em mim ao mesmo tempo.

– Tem mais alguma coisa que você não está me contando. – Constatei e levantei uma mão para poder segurar o queixo dele e obrigá-lo a me olhar nos olhos. – Me conta. Não importa que seja algo ruim.

– Eles querem e exigem um neto, Char. – Ele falou um pouco derrotado e eu não consegui segurar o meu suspiro de irritação enquanto revirava os olhos. Não era possível que essa história ainda estava na mente dos meus pais. – E eles estão irredutíveis nessa parte, eu até tentei conversar mas... Eu não posso te ajudar com isso.

– Ajudar? – Perguntei genuinamente confusa e ele respirou fundo mais uma vez.

– É... Se você quiser ter filhos, não vai pode ser comigo, eu não posso. – Ainda com uma expressão de incômodo, Fernando falou e eu entendi, finalmente. Uma risada subiu do meu peito rapidamente e eu não consegui segurá-la enquanto ainda o olhava nos olhos, balançando a cabeça negativamente.

– Fer, eu não vou ter filhos. Eu nunca quis e não é uma exigência dos meus pais que vai mudar isso de uma hora para a outra. – Expliquei meu ponto de vista e ele pareceu mais aliviado, mas ainda incomodado com o assunto. – Você deveria saber que eu não faço nada que meus pais querem que eu faça, mon coeur.

O sorriso aliviado dele me fez sorrir novamente e eu beijei os lábios dele suavemente, apertando os dedos dele entre os meus carinhosamente.

– Não vai se livrar de mim tão cedo, querido. – Brinquei levemente e ele riu, beijando meus lábios logo após em resposta.

(...)

– Charlotte, podemos conversar? – Ouvi a voz tão conhecida vir de trás de mim e virei a cabeça para poder olhar para Charles, que estava parado em pé ao meu lado. Olhei para a cadeira vazia à minha frente e ele se sentou, parecendo nervoso.

Enquanto terminava de tomar meu café, apenas o olhei sem dizer nada, esperando que ele dissesse o que queria. Não era como se eu tivesse algo a dizer, também.

– Me perdoa... Me perdoa por não ter te contado antes. – Levantei as duas sobrancelhas em sinal de desconfiança e ele respirou fundo, passando as mãos no rosto e parecendo perdido. – Eu não achei mesmo que ele fosse continuar com aquela aposta idiota. Me perdoa, por favor.

– Charles, eu não tenho nada a te dizer. Você me deu todo aquele discurso sobre magoar o Carlos enquanto você sabia da merda da aposta. – Falei de uma vez e ele respirou fundo. – Como você acha que eu me senti quando soube que você estava no meio e nem sequer tinha me avisado sobre nada? Porra, Charles, nós crescemos juntos, eu me senti traída por você, o que é pior do que ter sido traída pelo Carlos.

– Eu... Eu entendo, Char, por isso estou aqui te pedindo perdão. – Ele colocou as duas mãos juntas em sinal de súplica e eu revirei os olhos, sem vontade de sequer pensar sobre o assunto.

– E qual é a sua explicação para não ter me contado nada sobre a aposta? Você sempre soube que eu não quero ter filhos e, mesmo assim, você deixou que isso quase acontecesse... E por dinheiro, ainda por cima. – Sentindo a irritação tomar conta de mim aos poucos.

– Charlotte, nós tínhamos um acordo, eu não podia simplesmente te contar e trair a confiança dos meus colegas de trabalho. Fora que ele só se propôs a cumprir a aposta depois de te pedir em casamento... – Ele tentou explicar e eu entendi, finalmente, as prioridades dele.

– Charles, entre o pedido e a minha suspeita de gravidez se passaram alguns meses, nos quais nós nos vimos inúmeras vezes e você nunca me falou nada... Enfim, eu já entendi, você tem suas prioridades e eu também tenho as minhas agora. – Levantei da mesa da cafeteria do paddock e respirei fundo, pegando minha bolsa. – Preciso ir, prometi pro Dani que Fernando e eu iríamos jantar com ele.

– Desde quando você é amiga do Daniel? – Charles perguntou quando eu me afastei e eu apenas ri, encolhendo os ombros. Voltei a andar na direção da saída do paddock e respirei fundo, sentindo meu coração pedir para que eu voltasse lá e abraçasse Charles, como fazia quando brigávamos na infância.

Agora era diferente, ele não era mais o meu único apoio.

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