9 - Outra persona.

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Meus olhos corriam maliciosos pelo corpo da jovem; um silêncio pairava no ambiente, ela dormia, mas eu, continuava quente. Me sentia acesa, como nunca. Me sentia dolorida, como nunca. Me sentia com fome, ainda, como sempre.

Ela se encontrava de bruços, em sua pele, uma arte abstrata fazia-se vistosa. Sua boca estava entreaberta, seus cabelos caíam por sobre os olhos. Olhando assim, aparentava ser alguém tão doce; inofensiva. Completamente, absurdamente, diferente do que vi na noite passada; do que toquei, do que feri, do que me esbaldei loucamente.

Mirei sua imagem, repousante ao meu lado, até que, a certeza de não esquecimento me invadira; não queria apaga-la, por isso, gravaria cada detalhe, no mais profundo do meu ser. Minhas retinas, reconheceriam-na em qualquer lugar, qualquer ocasião, a partir daqui. E, não há qualquer evidência, ou, mínima chance de isso se tornar algo que, me lançe para uma onda enorme de sentimentalismo. Nada disso. O que tivemos, porra! Foi surreal! A dor em meu corpo, esses hematomas visíveis que me vestem, dizem mais do que um dicionário inteiro poderia afirmar; é mais um passo, uma nova descoberta sobre mim: Ser uma persona primal.

Com olhos inquietos, analiso, profundamente, cada canto: Roupas jaziam próximas à porta do banheiro, alguns espelhos -que irão invadir sorrateiramente minha conta - estão em pedaços pelo chão. Garrafas de vinho estão espalhadas, alguns travesseiros acomodam-se no piso. Flashs tomam minha mente: arremessei o pequeno corpo contra às paredes, por mais de uma vez; senti a ira tomá-lo, senti a raiva instintiva molda-lo, até que, fosse meu corpo a ser pressionado. A intensidade fluía, como uma artéria; nossos corpos se chocavam violentamente, a agressividade trazia algo diferente. Entre tapas, mordidas, arranhões, gemidos e sonoridades para além de humanóides, sentíamos-nos livres, abarcando, sem rodeios, nossos "eus" mais primitivos.

Pele com pele, caninos na derme, mãos envoltas no couro cabeludo, puxando-o, enroscando-o na palma da mão. Suor escorrendo devagar, gemidos e grunhidos davam-nos uma ótima música ambiente. Éramos nosso próprio perigo, nossa própria salvação; fuga e prisão; água que deságua no oceano, combustão. Calmaria e vendaval; recusa e entrega. Desejo puro, toque brutal. Algo insano, incontrolável. Tão quente, cru, natural.

Deixo um sorriso pequeno aparecer em meus lábios, enquanto sinto meu interior vibrar. A melhor parte de ser, de não ser completamente, é se reinventar. Se descobrir. Se montar e remontar, desmontar para montar de outra forma, uma e outra vez. Ser pertencente, agora, não é suficiente; navegar por novos ocenos, desbravar novos campos internos, com fúria, com fome, com uma dose de curiosidade, determinação e coragem... Isso é suficiente.

Pensando nisso, e, em como deixamos coisas se perderem ao longo dos anos, orgulho-me em dizer: A menina que habita em meu ser, se orgulha profundamente da mulher que sou. E, mesmo que, esteja mais inclinada a não dar vazão à ela, sua essência ainda mora lindamente em mim.

- Mocinha, acorde. -Chamo a jovem, deslizando, com leveza, meus dedos por suas costas nuas.

Devagar, ela abre os olhos, então responde roucamente:

- Que horas?

- Cedo ainda -Respondo, colocando-me de pé, indo em busca do meu traje. -Preciso da sua numeração de roupa.

- An? Para quê?

- Rasguei teu traje, querida. Agora, se quiser voltar nua para sua residência, me fale... -Digo, entrando com facilidade em meu vestido, calçando de forma desajeitada, meu coturno. -Então, qual a numeração?

- Está cedo, as lojas estão fechadas por esse horário.

- Eu sei, mocinha. -Afirmo em tom de obviedade. -Te emprestarei algo meu, como pretendo vê-la novamente, isso, se você quiser...

O despertar de uma dominadora[BDSM]Onde histórias criam vida. Descubra agora