12- Lar, amargo lar.

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⚠️ Neste capítulo, são mencionados temas sensíveis, e, contém palavras fortes que, podem despertar algum gatilho. Se passou por abalo familiar, passou por ataques homofobicos e algum tipo de abandono; se sentes que é um possível gatilho tais assuntos, peço, em prol do seu bem-estar, que não leia.⚠️

Aos que seguirão com a leitura: leiam o rodapé.

Atenciosamente, SraAdria.

Uma lufada de ar bate, ferozmente, contra minha face. A brisa fria, acaricia com destreza, as maçãs de meu rosto gélido. A ponta do nariz, agora parecia uma mini pedra de gelo, um gelo provindo da mistura água+suco de morango, pois, se encontra rosada devido ao frio. Meus olhos, lacrimejam, enquanto vejo algumas pessoas esperando por parentes no desembarque.

Sinto um aperto no lado esquerdo do peito. Um nó se forma em minha garganta, arranhando-a. Não existe uma presença esperando por mim, com aquela placa fofulenta, esbanjando em letras coloridas um: 'Bem-Vinda, Livia'. Existem várias pessoas ao redor, sorridentes, chorosas, saudosas. Elas correm na direção de quem se tem por proteção, por objeto de acalento, saudade, amor. Elas se reconhecem no abraço, no beijo demorado, no beijo esquimó, no enlaço das almas que, agora se entrelaçam, unindo-se mais uma vez. Cada pessoa, cada ser singular desse aeroporto, tem para quem voltar, realmente. Eu não tenho ninguém.

E, sinceramente, é melhor. Quando se tem uma ausência tão extensa, qualquer presença profunda pode ser assustadora, trazendo à borda de sua existência, doses homeopáticas ou doses altíssimas de desconfiança. O verbo "permanecer" pode assombrar mais do que o sujeito que opta por ficar. Talvez, não tenha muito sentido nessas palavras. Talvez, tenha um sentido avassalador, daqueles que te faz pensar: "Caralho, realmente, tem sentindo para mim". Se remete à uma compreensão muito assertiva, recomendo que olhe para dentro de seu núcleo, pode haver algo. Pode ser algo pequeno, como um grão de arroz. Pode ser gigante, do tamanho de uma girafa ou elefante. Como preferir. Mas, só porque não está em evidência, não quer dizer que esse algo seja inexistente. Todos temos nossas dores, uma fagulha no passado que dói um pouco. Para alguns, é como uma espetada de uma agulha, para outros, é como colocar álcool sobre uma ferida que está em carne viva. Queima, arde e, tudo encendeia. De fora para dentro, de dentro para fora, podendo causar uma explosão. Estou no segundo grupo. Se você tem alguma chance, arrisque-se, peça ajuda se necessário for, mas, não! Em hipótese alguma, sucumba à essa coisa que está trancafiada ai. Falo sério, isso pode lhe matar. E, não há coisa pior do que, estar morto por dentro e seguir vivendo.

Há, nesse momento, agulhas sob meus pés. Caminho receosa, como se pudessem tocar-me brutalmente, arrebatando minha carne em um único apalpar. Rastros de dor, de amargura, formam-se pelo piso lustroso do aeroporto. Muitos não vêem, sequer sentem a dor que sinto. Mas, há aqueles que notam. Nas entre-linhas. No franzir do cenho, no umidecer dos lábios, buscando molhar as palavras que podem sair esvoaçantes da boca. Atravesso às portas envidraçadas, como quem se recusa à ver o mundo real. Sinto meu sangue ferver, escorrer das feridas internas que, estão abertas. Expostas. Sendo acometidas à cutucadas antecipadas. Essa é a morte lenta que dizem? Bom, "veneno só mata, se o beber". Estou eu, com o vidro do mesmo em mãos? Aparentemente.

Estou fora.

Pessoas transitam apressadas, esbarrando-se em meu corpo estático.

Inspiro. Expiro. Algumas vezes.

Peço um carro.

Casas pequenas são captadas por minhas retinas, meus calcanhares batem nervosamente, meus dedos enroscam-se, entrelaçam-se, rapidamente. Sou atingida por uma maré de lembranças. Um peso "morto" cai por sobre meus ombros, uma nuvem nebulosa paira sobre minha cabeça. Não deveria sentir isso, não é? Olhando as ruas de Gramado, onde tanto percorri durante a infância, deveria me teletransportar, mesmo em pensamentos, para os momentos bons; às cafeterias aconchegantes, os bares repletos de pessoas acolhedoras e gentis, os mercadinhos, às casas pequenas e belas de conhecidos... eu deveria. Mas, minha caixa craniana, inseparável de mim, essa que carrega lembranças, não me deixa fugir. Estou presa na consciência, na inconsciência. Estou presa nas balas que me atiraram, nos amores que me roubaram, na esperança que não me ensinaram a ter, mas que, na solitude da vida, aprendi a cultiva-la. Estou presa no que ainda dói. Relembrar é se doer.

O despertar de uma dominadora[BDSM]Onde histórias criam vida. Descubra agora