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20:40

Após terminar de comer, muito pouco, comecei a lavar a loiça e a separar a comida. Sentado no banco, ele apenas me observava.

Era a conversa mais sincera que tivemos nos últimos anos. Ainda estava a processar a forma transparente e sentida com que admitia que até hoje não percebia o porquê.

A vulnerabilidade que transbordava dos seus olhos e carregava cada palavra, faziam-me crer que estava a ser sinceiro. Sentia a sua angústia, a mágoa e o cuidado nas palavras que escolhia para abordar o assunto. Algo muito sensível. As emoções eram imensas.

- Acho que me tornei tão possessivo por receio de te ver ir. Achava que ao estar sempre junto a ti e ao querer preencher cada buraquinho que o meu dia tivesse, contigo, não ias ter dúvidas do que sentia por ti e mesmo que tivesse de entrar num avião para Milão, tu ias saber que a nossa relação ia manter-se viva.

- Faz sentido para ti agora?

- Claro que não. Não estou a tentar justificar-me, só a tentar achar uma explicação que possa fazer o mínimo sentido para mim. Eu sei que te deixei muito mal, Madalena, mas também foi a altura mais negra para mim.

- Tiveste uma visão errada das coisas. Eu nunca iria deixar-te por ires para Itália. Porra, eu era obcecada contigo. - Balancei a cabeça, a lembrança da intensidade do que sentia por ele era dolorosa. - Eu era louca por ti. Lembras-te da quantidade de vezes que fugi de casa para ir ter contigo? E das tangas que dava ao Afonso e aos teus primos para te ver? Não sei como não desconfiavam de mim. Honestamente, eu acho que desconfiaram, mas que não quiseram saber por nunca pensarem que eras tu.

- O Afonso claramente que desconfiou. Ele perguntou-me inúmeras vezes se sentia alguma coisa por ti, visto que éramos muito próximos e que estávamos sempre em brincadeiras. Nunca lhe admiti nada.

- Também me perguntava a mim. No entanto, tinha quase a mesma relação com ele. Aliás, era diferente. Todos sabiam que a nossa ligação era muito forte. Tanto entre nós, como com ele. - O rapaz balançou a cabeça. - Tenho mesmo pena, André. Podia ter sido tão diferente. Mas temos que errar para aprender. Éramos duas crianças a descobrir isto do gostar.

- Não era propriamente uma criança. Tinha vinte anos, Madalena. Dezanove quando te vi e soube logo que ias ser a minha miúda. Mesmo com as ameaças do meu irmão.

Revirei os olhos, vendo-o mais calmo.

- Aquilo que disseste... Já me perdoaste? - Ele aproximou-se de mim, assim que terminei com as arrumações e sequei as mãos.

- Sim, muito antes de admitir a mim mesma. A minha vida estava um caos. Não imaginas. - Os meus olhos começaram a arder. Trazer aqueles primeiros meses á vida, era angustiante. - Nem me consegui levantar da cama.

- Desculpa. Nunca quis que sofresses. - Levou a mão até ao meu rosto, tocando-me levemente e deixando-me nervosa. - Foste a melhor pessoa, até hoje, que conheci. Não me arrependo nada, repetia tudo outra vez. Menos a parte má. Nem me arrependo de ter feito tudo em segredo, nas costas de todas as pessoas.

- André...

- Tentei entrar em contacto contigo imensas vezes, mas tu apagaste-me por completo de ti e da tua vida. Não consegui.

HURRICANE  ➛  ANDRE SILVA Onde histórias criam vida. Descubra agora