Nossa história

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A cada página que eu lia eu imaginava você, e cada parágrafo que descrevia nossa vida fazia meus olhos se encherem.
Aquela personagem era tão parecida com você, e foi um baque perceber tudo de novo.
Eu lembro de um dia em específico, lembro de você chorando do meu lado no sofá, e ele no quarto assistindo TV, lembro da raiva que eu senti, da vontade de ir até lá, de brigar com ele, de jogar na cara dele tudo o que ele fazia, mas eu não tive coragem, fui fraca. Depois te abracei e fiquei ali ouvindo você chorando, com a raiva me remoendo.
Demorei anos para perceber o que acontecia na nossa casa, sempre éramos culpadas, sempre fazíamos algo errado, éramos tratadas como fantoches, expostas para as pessoas como bonequinhas obedientes, não tínhamos o direito de ficar bravas, nos acostumamos a isso, e acreditamos que a culpa era nossa.
Posso nunca ter recebido um tapa, mas o estrago foi pior que uma surra, para nós duas.
Nellie perdeu as amigas, saiu do emprego, e se dedicou a casa, ela se sacrificou, fez tudo por ele, foi ao limite, mas não era o bastante, mesmo com todo o seu esforço o marido acabou com a sanidade mental dela, e ver que a mesma coisa é a realidade que vivemos doeu.
Depois que eu percebi como as coisas realmente eram aqui, eu passei a querer fugir, pensava em arrumar uma casa ou apartamento, um emprego, ir embora e visitar vocês nos finais de semana, mas aí você engravidou, e o medo surgiu, medo de que a história se repetisse, e aquela criança passasse por tudo o que eu passei. Me vi na obrigação de proteger e cuidar daquele bebê, e eu me esforcei o máximo que pude, perdi parte da minha adolescência, me tornei praticamente mãe aos 14 de um filho que não era meu.
E então percebi que nunca iria conseguir ir embora, deixar você e o bebê para trás, sozinhos aqui, se eu fosse tudo recairia sobre você.
Decidi inconscientemente ficar.
Só me dei conta dessa decisão quando eu surtei e precisei passar na psicóloga, e ela disse que eu tinha que sair de casa e eu respondi que não iria sair.
A vontade de ir embora nunca foi embora, mas ainda me sinto na obrigação de ficar e tentar cuidar de você e do pequeno, mas ficar é uma sentença.
Sabemos que não vai ter mudança, você sempre soube e eu também.
Você escolheu ficar, e depois acabou presa, talvez quisesse ir, mas agora não tinha como ir. Não sei se pensou em mim quando escolheu ficar, mas a sua escolha trouxe consequências para mim, e não foram boas, agora eu preciso fazer a minha escolha.
O grande problema é que eu já fiz, a muitos anos, eu escolhi ficar, e me sacrificar por você, e junto com você, essa escolha me custou muito caro, assim como a sua custou para você, eu tenho plena consciência de que a minha ainda vai me causar muitas coisas, mas eu não consigo deixar você aqui, sozinha.
Odeio não conseguir resolver tudo, eu queria que as coisas fossem boas para você, eu odeio ver como você se desgasta por alguém que nem liga, odeio ver como tudo isso te consome. Sei que também está no limite.
Somos um reflexo uma da outra.
Suas escolhas me afetam e as minhas te afetam, um loop que nenhumas das duas consegue quebrar.
Tenho medo, sei que se eu fizer o que eu realmente quero tudo vai desabar, e você também vai, e tenho a leve impressão que você não quer que tudo desabe.
Por favor, se eu fizer a verdadeira escolha, faça a sua.
Se liberte de algum jeito.

Delírios Insanos De Uma Mente PerturbadaOnde histórias criam vida. Descubra agora