Prólogo

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Nasceu com o raiar do dia uma garota abençoada pelo sol. Seus sorrisos e talentos e gestos gentis iluminavam a casa. Casa escura. Repleta de breu. Repleta de monstros. Manipuladores e malignos animais que chamavam a si mesmos de família. Eles sorriam, enquanto sugavam cada gota de luz que pudessem alcançar. Gargalhavam perante a cachoeira de sangue que preenchia as paredes.
Banqueteavam-se com as artimanhas. Não, melhor, - pior, pior, pior - eles quem as criavam.

A garota sol tentava, mas a cada dia um cômodo da casa perdia a claridade. O breu abocanhava cada partícula de felicidade do ar. E haviam aquelas criaturas. Os monstros. Eles jogavam com palavras. Ela nunca antes aprendera a arte de falar. Então seguiu as frases a risca. Afundou-se nas letras. Sorria enquanto se despedaçava para suprir aquilo que desejavam.

Os raios de luz foram sendo sugados um a um. Se esforce mais, eles diziam. Seja a melhor, sussurravam exigências na escuridão. E assim ela o fez. Usou cada gota de calor e gentileza. Continuou sorrindo mesmo quando as bochechas molharam-se em lágrimas.

A garotinha não sabia mais nada. E forçou até que o último nascer do sol extinguiu. Ela procurou e procurou, porém nenhuma luz surgiu. Tudo tornou-se escuro. Sombras lhe cercaram. E, agora, sem o brilho intenso para cegá-la, a menina viu os monstros andarem em sua direção. Amedrontada, ela encolheu, porque, diferente de antes, conseguia entender sua língua. Compreendia as artimanhas e as manipulações.

Tentou chorar, mas já era tarde demais. As lágrimas secaram. A luz acabou. E ela só via um deles ao olhar-se no espelho.

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