Capítulo 19: Um "presente" para Edwin - Parte I

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Trigésimo segundo dia do verão, ano de 1183.

Após vários dias de chuva, o dia amanheceu com um céu azul bem límpido e o calor não era tão sufocante quanto nos dias que antecederam a semana chuvosa, que molhara o solo de forma quase ininterrupta. A principal rua de Elibar estava ficando mais movimentada, com centenas de pessoas afluindo à praça central.

Como era tradição no reino, estava sendo realizado um festival em honra ao aniversário do rei. Edwin Turner completaria seu trigésimo nono ano de vida e comemoraria seu aniversário, mesmo em meio à instabilidade que dominava o reino. A bem da verdade, essa instabilidade ele queria deixar em segundo plano. Não queria que isso estragasse sua alegria. Nas últimas semanas, tivera vitórias significativas com seu exército e com os Dragões Cinzentos como aliados. O reino de Zordaris recuara nas últimas investidas, pois o reino de Mornend, que era seu principal aliado, tivera problemas internos e se enfraquecera.

Isso dava um respiro para Ekhbart, mas não amenizava a instabilidade do reino.

O Conselho estava desfalcado, pois dois de seus integrantes entregaram seus cargos. Joster Roth e Ludwig Krause sempre adotavam uma posição oposta aos interesses da maioria dos integrantes e, principalmente, do rei. A gota d'água fora justamente o festival. Lorde Roth era quem administrava as finanças e protestara contra a realização de tal evento, pois as contas do reino estavam já muito comprometidas com a guerra que parecia não ter fim e seus reflexos, como o comércio prejudicado e a miséria crescente da população. Lorde Krause também se opusera de forma veemente ao festival, pedindo para que os demais tivessem "o mínimo de bom senso". Porém, a maioria aprovou que seria pedido um novo empréstimo de uma quantia expressiva de moedas de ouro da Ordem dos Dragões Cinzentos. Vendo que eram votos vencidos, os dois simplesmente abandonaram a sala do Conselho. Depois do festival, Edwin puniria aqueles homens por insubordinação, e definiria qual seria a pena. Não toleraria mais aquele ato de rebeldia.

Outra coisa que o incomodava era o homem que insistia em espalhar rumores por todo lugar onde passava. Depois do incidente na festa em que comemorava o aniversário de casamento com Melissa, espalhavam-se os rumores a respeito do que o homem albino dissera sobre a tal da Fênix Imortal.

Toda vez que era mencionada a criatura que era o símbolo da Casa Turner, Edwin sentia sua espinha gelar. Procurava se convencer de que ninguém ameaçaria sua permanência no trono, pois o único que poderia encarnar essa ameaça era Maximilien, e ele fora dado como morto. Entretanto, o rosto do jovem nunca saía de sua memória.

Os rumores soavam tão verdadeiros que ficava com a sensação de que poderia se deparar com o fantasma dele.

Mas hoje, nada nem ninguém iria atrapalhar o seu dia. Hoje era o seu dia.

Na grande praça central, estavam armadas tendas, as quais abrigavam do sol as pessoas mais importantes do reino: membros do Conselho, lordes e ladies de elevadas posses, integrantes da comitiva da realeza... Além de alguns bajuladores. No meio da praça, havia um grande círculo no qual estavam sendo realizados duelos de espadas. Era onde normalmente havia exibições de habilidosos espadachins, que poderiam ser postulantes a um posto de cavaleiro, seja a serviço de grandes senhores ou a serviço da realeza.

Cada golpe e contragolpe era aplaudido pelos presentes, sobretudo por Edwin, que se empolgava principalmente com golpes que fizessem sangrar os adversários. Melissa aplaudia de forma protocolar, pois não apreciava aquele espetáculo sangrento. Antes de seu marido governar Ekhbart, aquilo era bem diferente.

Era realmente divertido. Os festivais eram divertidos. Hoje não.

Na verdade, os últimos dez anos não eram nada divertidos. Esperava que seu destino – de ser rainha – não fosse um fardo como atualmente era. E o fardo estava um pouco mais pesado em seu ventre. Embora o fato de estar grávida a poupasse das agressões de Edwin, por esperar seu herdeiro, isso não aliviava a situação em nada. Por mais que tentasse, não conseguia sentir alegria por aquela nova vida que se desenvolvia em seu interior. A criança não tinha culpa, mas não era desejada.

Ela nunca desejara aquele filho. Um filho que era fruto de um estupro, e que ela deveria aceitar, pois era a continuidade da Casa Turner.

― Não parece estar se divertindo muito, minha rainha. – Edwin observou, após aplaudir o desempenho de mais um espadachim que ferira gravemente seu adversário com um corte profundo no ombro.

― O derramamento de sangue ainda me incomoda, meu senhor. – Melissa respondeu de forma polida. – E a minha atual condição me deixa mais sensível.

Edwin disfarçou o aborrecimento. Por mais que quisesse dizer que aquilo era frescura de mulher, fora orientado a não a contrariar, se quisesse que ela desse à luz um herdeiro saudável.

Era um preço pequeno a se pagar diante do que viria meses depois.

Após o fim de mais um duelo, o monarca se levantou, levando sua mão à bainha onde estava sua espada. Como era costume no reino, o rei demonstrava suas habilidades como espadachim em duelos com alguns desafiantes. Até antes de sua ascensão ao trono, os duelos eram feitos empregando-se espadas de madeira. Porém, achava que aquilo não era emocionante, por isso decretou que nos duelos o aço deveria ser usado. E não era apenas pela emoção, mas também para descobrir jovens que tivessem potencial para se tornarem cavaleiros e soldados para lutarem na guerra.

Não se lutava com espadas de madeira em uma guerra, oras!

A cada passo, os espectadores do último duelo abriram-lhe espaço e Edwin entrou no local dos duelos. Aclamado e reverenciado, ele sorriu e acenou para aquela gente que era facilmente manipulada pela política de pão e circo.

Edwin chegava na posição de desafiante. O desafiado – um jovem que não deveria ter mais que dezessete anos – era filho de um dos lordes das casas menores. Seus olhos cor de mel eram confiantes. Após fazer uma breve reverência ao rei, passou os dedos pelos cabelos castanho-claros ondulados e se posicionou para duelar.

O jovem, chamado Desmond Flint, filho de Lorde Harold Flint, vassalo de Jamie Neville, tomou a iniciativa do ataque. Edwin desembainhou rapidamente sua espada e bloqueou com eficiência o golpe do garoto. Porém, Desmond insistiu no ataque, esforçando-se para romper a defesa do monarca, que apenas bloqueava os ataques. Os ataques do jovem Flint seguiam intensos, mas logo cessaram quando Edwin decidiu contra-atacar. Com um único movimento, golpeou a espada adversária, que foi lançada para longe do alcance do garoto. Em seguida, acertou-lhe o ombro direito, perfurando-o com sua lâmina e ouvindo o grito estridente e lancinante de dor.

― Você é muito fraco, garoto. – disse com desprezo enquanto Desmond chorava de dor e era retirado, diante do silêncio sepulcral de todos os presentes. – Muito bem, quem agora me desafiará? Quem me presenteará com um duelo formidável?

Um homem se encaminhou a passos resolutos para o local do duelo. Estava com uma capa azul-escura e, apesar do sol de verão, usava um capuz que lhe encobria o rosto. Diferentemente dos demais, o desafiante não se deu ao trabalho de prestar reverência a Edwin.

― Deve se curvar a mim, ou estará faltando com respeito para com um rei.

― Lamento – o recém-chegado respondeu com ironia enquanto revelava seu rosto. – Mas jamais me curvarei a um usurpador.

― Como ousa...?

Os olhos de Edwin se arregalaram e um gelo percorreu sua espinha. Engoliu seco. Estava frente a frente com um fantasma.

Não, não era um fantasma!

Era Maximilien Turner... Em carne e osso.

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