ALERTA: A parte final do capítulo pode conter gatilhos, ainda que de forma implícita.
― Alto lá! – um dos cavaleiros que guarneciam os portões de uma fortaleza bradou. – Quem se aproxima?
Um dos integrantes do quarteto passou à frente do grupo e abaixou o capuz, deixando-se reconhecer:
― Gostaria que nos permitissem a entrada. Creio que Lorde Barnes não recusaria uma visita de seu irmão e de alguns bons amigos.
O outro cavaleiro, ante a declaração do recém-chegado, reconheceu Calvin e, com o seu companheiro, liberou a passagem para o grupo e disse:
― O Mago Negro sempre é bem-vindo!
Calvin, junto a Maximilien, Ambrose e Leon, passaram pelos portões. Dentro daquela fortaleza, a vida pulsava. A bem verdade, a vida sempre pulsara nos domínios dos Barnes, cujo nome sempre inspirara muito respeito, antes mesmo de um de seus membros se tornar o mago principal do reino. No pátio principal não havia ninguém, devido à chuva que havia começado a cair. Mas assim que ela cessasse, certamente os treinamentos entre os cavaleiros da guarda de Lorde Barnes voltariam a ocorrer.
Alguns cavalariços saíram de seus abrigos e foram até o grupo, que acabava de descer de suas montarias. Não demoraram a levar os cavalos até os estábulos, onde descansariam e seriam devidamente alimentados. Quase que ao mesmo tempo, aparecia o senhor daquele local. Joshua Barnes, seis anos mais velho que o irmão, mas com um vigor que não condizia com sua idade, abraçou Calvin afetuosamente.
― É sempre muito bom vê-lo por aqui, meu irmão! Há muito não nos víamos!
― Eu digo o mesmo. – Calvin deu um sorriso discreto ao terminarem o abraço, contrastando com o cumprimento efusivo do irmão. – Eu sempre posso contar com a sua acolhida e agradeço por isso.
― E estendo essa acolhida a todos os seus companheiros. – Joshua disse ao direcionar seu olhar para os outros três, que tiravam seus capuzes. Entretanto, ao reconhecer o anel de Maximilien, pareceu se lembrar de algo e imediatamente se ajoelhou. – Espero que tudo esteja à altura também de Vossa Alteza.
Não se demoraram muito e adentraram o casarão principal. Trocaram rápidas palavras com Lady Ingra Barnes, esposa de Joshua, dezoito anos mais jovem. Em seguida, os criados providenciaram aos agora hóspedes tudo o que necessitavam após chegarem de uma longa viagem.
*
Após um longo e demorado banho relaxante, Maximilien recebeu de um dos criados de Joshua uma nova muda de roupas. Emprestadas, verdade, mas até que um alfaiate lhe fizesse trajes novos. Ainda havia uma quantia razoável de moedas que poderiam pagar por isso.
Haviam vindo somente com a roupa do corpo, pois, de que adiantava trazer os farrapos que vestiam em Christel?
Começou a se vestir e, antes de colocar a camisa, virou-se de costas para o espelho e olhou por sobre o ombro para o seu reflexo. Aquela marca feita a ferro quente nunca mais saiu da pele. A serpente enrolada em uma espada, cicatrizada há dez anos em sua omoplata esquerda, o fazia sempre se lembrar de que perdera muito mais do que os privilégios de quem pertencia à realeza. Perdera suas roupas feitas com sedas, linhos, brocados. A criadagem que o vestia. À época, perdera até seus cabelos, impiedosamente raspados. Havia perdido muitas coisas, mas perdera muito mais do que isso.
Perdera sua dignidade.
Lembrava-se perfeitamente, mesmo depois de tanto tempo, da humilhação pela qual passara após o usurpador proferir sua sentença. Fora obrigado a ir a pé, escoltado pela própria Guarda Real que antes lhe jurava lealdade, até onde estava o navio que o transportaria, junto a outros condenados, a Christel, local de seu exílio. Um trajeto congelante devido ao inverno rigoroso, e humilhante por ver que aqueles que seriam seus súditos o execrando... Fazendo-o preferir ter desejado a condenação à morte àquilo.
Depois, no trajeto, uma violenta tempestade apanhara a embarcação, fazendo-a ir a pique, e ele sobrevivera por um triz. Mesmo assim, pela segunda vez preferia ter perdido sua cabeça a viver no exílio.
Entretanto, tudo aquilo o fizera mais forte. Estava de volta ao reino que lhe pertencia por direito e iria reclamá-lo para si. Sentindo o linho da camisa enquanto seus dedos calejados dos duros anos em Christel a seguravam, Maximilien se sentia cada vez mais disposto a fazer Edwin, o usurpador, pagar por seus crimes.
Ao vestir a camisa, virou-se e encarou sua própria face no espelho. Vestiu o gibão simples e percebeu que aquela indumentária um pouco mais refinada que as vestes de algodão cru, aliada ao seu rosto sem qualquer vestígio de barba, já lhe conferia uma aparência diferente.
Sorriu. Seus olhos verdes viam não um desterrado, mas um príncipe que estava de volta com um brilho vingativo no olhar.
A Fênix Imortal estava começando a ressurgir das cinzas.
*
Os últimos dias se seguiam do mesmo jeito, embora com alguma paz. Entretanto, para Melissa, era uma paz muito estranha, sobretudo no que se referia a Edwin. Já fazia algum tempo que ele não a perturbava e até mesmo tentava ser cortês.
Evidentemente, ela não acreditava que ele mudaria.
Dez anos de matrimônio eram mais do que suficientes para saber que aquele homem estava agindo de forma suspeita. E era o que ele estava fazendo, ao dirigir-lhe o olhar durante o jantar. Parecia tramar algo...
... Mas o quê?
Sem trocar palavras com Edwin além do estritamente necessário, o jantar transcorreu tranquilo, a não ser por uma sensação bem grande de cansaço e sono. Esfregou os olhos e procurou conter um bocejo.
Estava com sono demais para tentar decifrar o comportamento do marido.
― Se o senhor meu marido me permitir – disse, dirigindo a Edwin um olhar sonolento e inexpressivo. – Irei me deitar mais cedo.
― Permissão concedida.
Enquanto Melissa seguia aos seus aposentos, Edwin a seguiu com o olhar e sorriu:
― Tenha bons sonhos, minha querida...
Aguardou por mais alguns minutos, para depois se levantar e ir aos seus aposentos, enquanto a criadagem chegava para recolher a mesa do jantar. Adentrou a antessala, para depois ir ao seu quarto privativo. Livrou-se de seu colete e ficou algum tempo observando a ampulheta despejar o que ainda restava de sua parte superior para a parte inferior.
Foi até um baú, aos pés da cama, onde pegou algumas tiras de seda bem macia. Olhou novamente para a ampulheta e saiu. Pé ante pé, Edwin seguiu para o quarto privativo de Melissa. Há alguns dias os dois dormiam separados e isso facilitaria ainda mais as coisas com relação ao seu plano.
Lentamente, abriu a porta, buscando evitar qualquer barulho. Entrou sorrateiramente e percebeu que já fazia algum tempo que Melissa adormecera e que já estava mergulhada em um sono profundo. Sorriu ao olhar para as curvas sob o lençol. Seus olhos famintos não desgrudavam do corpo daquela mulher visivelmente dopada.
E, atendendo ao desejo de seu corpo de se saciar com o corpo de Melissa, Edwin tirou sua camisa.
― Hora da diversão...! – murmurou com um sorriso divertido no rosto.
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Exilium
FantasiaUma ascensão antecipada ao trono. Uma traição. A queda. O exílio. Dez anos se passaram desde sua queda e sua condenação injusta ao exílio. Com sede de vingança, Maximilien Turner retorna ao reino de Ekhbart, disposto a retomar o que é seu de direito...