Capítulo 21: Perdas e danos

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Ao ordenar seus pensamentos após sair do festival, Maximilien percebeu que abusara demais da sorte. Pensava nisso enquanto regressava em silêncio à propriedade de Lorde Griffin, de onde saíra para Elibar. Mas, por mais que houvesse se divertido ao ver a cara de Edwin ao derrota-lo e a reação de todos os presentes, houve uma visão que mexera bastante com ele.

Dez anos atrás, seus olhares se cruzaram naquela que, até então, havia sido a última vez. E hoje, os olhares de ambos voltaram a se cruzar assim que apontou a espada para Edwin após derrota-lo.

Seu sorriso se congelara no rosto, mas por dentro havia um turbilhão de sentimentos. Não sabia o que sentir em relação àquela visão.

Melissa lhe fora prometida e, quando ele fosse o rei de Ekhbart, ela seria sua rainha. Porém, fora impedido de assumir o que lhe era de direito e injustamente condenado ao exílio. Naquela que seria a última vez em que trocaram olhares, viu que ela chorava por ele.

Uma década depois, seus olhares se cruzaram novamente e ela chorava...

... Mas, certamente, não era por ele.

Procurou esquecer aquele momento e voltar a saborear a vitória sobre Edwin. Fizera questão de se revelar, pois estava bem seguro de que tal estratégia iria causar uma primeira desestabilização, ao se aproveitar de boatos que eram espalhados nas tavernas e estalagens pelo caminho até a capital do reino.

Ainda não sabia quem estava espalhando esses rumores a seu respeito, mas era grato a quem quer que fosse.

Desde que retornara a Ekhbart, conseguira arregimentar uma base significativa de aliados, que acreditavam que ele era o verdadeiro herdeiro ao trono e que fora realmente vítima de uma armação. Juntavam-se a esse grupo aqueles que estavam descontentes com o reinado do homem que se intitulava "Edwin, o Terrível", mas que, pelas costas, era chamado de "Edwin, o Terrivelmente Tolo".

Havia vários lordes e vassalos que apoiavam Maximilien e que se reuniam algumas vezes com ele para definirem alianças, que seriam necessárias para seu fortalecimento. Entretanto, precisariam de mais força política e militar. Das casas mais importantes do reino ainda havia poucos representantes aliados.

Até então, conseguira apoio apenas das casas Barnes, Griffin, Roth e Krause, além de seus respectivos vassalos. E, claro, os aliados do início de sua jornada de retorno – Leon, Calvin e Ambrose.

Além de precisar de mais aliados, precisava de uma estratégia para evitar que Ekhbart caísse num colapso irreversível. A diplomacia estava descartada, pois, segundo os lordes Roth e Krause, que até recentemente integravam o conselho do reino, Edwin nunca estava disposto a negociar e nem delegava essa tarefa a outra pessoa. Entretanto, não podia simplesmente provocar uma guerra civil em um reino que já enfrentava uma longa guerra com o reino vizinho.

Uma guerra sem sentido causada por um rei idiota, cheio de vontades e caprichos fúteis.

Mas, no que dependesse de Maximilien Turner, o único e verdadeiro herdeiro ao trono por direito, isso teria fim o quanto antes!

― Parece pensativo, Max. – Leon comentou enquanto descia do cavalo e o entregava a um dos cavalariços de Lorde Griffin. – Nem parece que saiu de uma vitória contra "Edwin, o Terrivelmente Tolo". E o mais engraçado é que todos estavam tão estupefatos com o que aconteceu que nem tentaram correr atrás de nós, mesmo que não tivéssemos procurado despistar qualquer eventual seguidor, e... – percebeu que Maximilien nada respondia. – Ah, desculpe, eu me empolguei!

― Não é preciso se desculpar. – Maximilien forçou um sorriso enquanto também entregava seu cavalo a outro cavalariço. – Admito que realmente gostei de ver Edwin à minha mercê, mas estou pensando em outras coisas ao mesmo tempo.

― É uma situação difícil. Ver com os próprios olhos é bem diferente de saber por outras pessoas sobre o que mudou no reino após dez anos.

― Sim. Pode não parecer, mas tudo mudou demais.

― Se fosse você governando este lugar, e não aquele paspalho, com certeza tudo seria bem diferente. Nasceu e foi preparado para isso. O bastardo está deixando o reino cada vez mais perto da ruína.

― Não por muito tempo, Leon. – Maximilien disse, dirigindo ao mais velho um olhar determinado. – Não pretendo deixar que isso continue assim. O reinado de Edwin, o Bastardo, já está durando tempo demais.

*

― ... Mais uma vez, lamento a perda de Vossas Majestades. É uma pena que o deus da fertilidade, às vezes, seja tão cruel.

― Esse papel de preocupado não combina com você, Roman. – Edwin sussurrava, no mesmo tom de seu interlocutor. – Pode parar de encenar, ela ainda está sob efeito do chá calmante.

― É incrível que ainda tenha paciência com essa mulher.

― Não. A pouca paciência que me restava já acabou. – o rei de Ekhbart murmurava entredentes, buscando se controlar para não alterar o tom de voz. – Ela já não me desperta mais nada... Tampouco me tem serventia. Como me pode ser útil uma mulher que é incapaz de manter um filho na barriga?

― Ah, Edwin... – Lorde Ravenhart sorriu cinicamente. – Por que ainda está com ela?

― Não posso anular um casamento já consumado.

― Não, mas... Há outras formas de se desfazer de mulheres inúteis.

― Está me sugerindo que...?

― Ninguém desconfiou da doença do rei Edward dez anos atrás. Além do mais...

As duas vozes sussurradas se tornaram ininteligíveis após o som da porta do quarto principal se fechando. Só alguns momentos após as vozes dos dois homens sumirem é que abriu lentamente os olhos, para não os ferir com a luz dourada do sol poente que entrava por entre as finas cortinas.

A julgar por isso, percebeu que o chá calmante a mantivera adormecida por um bom tempo, mas não o esperado para Edwin e Lorde Ravenhart, pois conseguira ouvir a tempo o que diziam e tramavam.

"Como me pode ser útil uma mulher que é incapaz de manter um filho na barriga?"

Vinha tendo, desde o começo, uma gestação difícil. O bebê fora gerado de forma brutal e mantê-lo em seu ventre era um desafio. Por essa razão, Melissa era cercada de cuidados e até fora recomendado que ela não fosse ao festival e ficasse de repouso absoluto. Entretanto, nenhuma alegação convenceu Edwin, que exigia sua presença ao seu lado.

Há uma década aquele divertido festival era entretenimento regado a sangue e execuções públicas de prisioneiros de guerra. Era um espetáculo grotesco, que lhe embrulhava o estômago. Queria ir embora, mas o olhar intimidador de Edwin a fazia se segurar.

Quando começaram os duelos, já não se sentia bem. Já estava a ponto de pedir para sair dali o quanto antes, mas...

... Foi quando aquele homem apareceu. O homem que fora dado como morto em seu exílio.

O homem a quem amou no passado.

Maximilien Turner.

Ao desarmar Edwin e derrota-lo, Maximilien pousou seus olhos nela, e seus olhares se cruzaram. Queria sair dali e correr até ele, abraça-lo... Dizer o quanto sentira sua ausência. Mas ela o perdera, pois, sua vida estava presa ao homem que fora derrotado por ele.

Ter essa certeza fez com que fosse dominada pela dor da perda. Uma dor que sentia em sua alma, e que surgia com muita força em seu ventre.

Depois disso, lembrava-se apenas de sentir muita dor e sangrar. E, já em seus aposentos, meneavam a cabeça e lamentavam pela perda do bebê. Edwin nem entrara no quarto, mas isso pouco importava. A última coisa de que se lembrava era de ter ingerido diversos preparados e, por fim, ter tomado o chá calmante que a mantivera adormecida até então.

Não demoraria a ouvir de Edwin justamente o que ele segredara a Roman Ravenhart: que ela era uma inútil, incapaz de dar a ele um herdeiro.

E, nas entrelinhas, ele diria que arranjaria um jeito de se livrar dela.

"Ninguém desconfiou da doença do rei Edward dez anos atrás."

Deuses...!

Isso significava que o falecido rei Edward, paide Maximilien, fora assassinado... E ela poderia ter o mesmo fim!

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