Depois de abrir a porta e entrar em silêncio com a aprovação de quem está lá dentro, sento-me. À minha frente tenho a pessoa que, dizem os meus pais, me vai dar respostas e me vai ajudar a ultrapassar os obstáculos interiores. Espero bem que sim, caso contrário eles vão pagar uma mensalidade absurda por nada.
- Bom dia. Obrigada por teres vindo. - diz ela, calmamente, a investigar-me atentamente.
- Só estou aqui porque os meus pais me pediram. Dizem que me vai fazer bem. - respondo.
- E tu? Achas que te vai fazer bem?
- Não sei. Até agora acho que é uma perda de tempo. - A minha afirmação provoca-lhe desconforto e consigo sentir que ela já percebeu que sou só mais uma para lhe preencher o leque de "casos perdidos".
-Bem... Quando tenho um paciente novo, eu começo sempre a nossa jornada fazendo-lhe uma pergunta. Estás pronta para responder? - não consigo deixar de franzir o sobrolho
- Acho que sim. Mas ainda não perguntou nada. - Ela põe-se confortável e vai direta ao assunto.
- Quem és tu? - fico calada
- Sou a Eva. - Esta foi claramente a pior resposta de sempre
- Eu sei que o teu nome é Eva. Mas não sei quem é a Eva. - As lágrimas ameaçam cair e eu sinto-me ridícula porque não sei o que está a acontecer aqui
- Eu... Eu também não sei. - Ela age como se já fosse hábito ouvir essa resposta
- Okay, vamos por partes. Diz-me três coisas das quais tu gostes. - Fácil
- Gosto de comer. Gosto de desenhar. Gosto de chuva. - Ela abana afirmativamente a cabeça e tira apontamentos
- Muito bem. Agora diz-me três coisas das quais tu não gostes. - Fácil também
- Não gosto da escola. Não gosto de conviver com muitas pessoas. Não gosto de cães. - Continua a tirar apontamentos
- Estou a ver... Achas que tens alguma qualidade? - esta pergunta faz-me pensar
- Hm... Acho que tenho uma letra bonita... E sou paciente, tenho mais paciência do que devia.
- Muito bem. De um a cinco, quantas pessoas achas que moram em ti? - espera, o quê!?
- Como assim?
- Estás aqui há dez minutos e já sei que tu tens mais do que uma pessoa dentro de ti. E essas duas pessoas, não gostam uma da outra. Para que elas se tornem uma e tu te consigas encontrar, precisamos que elas se deem bem.
- Isto parece-me uma estupidez...
- Oh, mas não é nada uma estupidez... tenho outra pergunta para ti... Já gostaste de alguém? - estremeço
- Não. - a minha voz sai fria como gelo ao ponto de a assustar, mas não de a convencer
- Qual era o nome dele? - estou com tanta raiva dela que neste momento era capaz de lhe dar um tiro
- Miguel - digo entredentes
- Como correram as coisas com o Miguel? Estavas apaixonada? - não consigo, não consigo, não consigo viver isto outra vez, não quero recordar aquilo que me destruiu, não quero recordar as promessas que ele fez, as vezes que ele me prometeu tudo e nunca me deu nada. Não posso. Não quero.
- Podemos falar noutra coisa, por favor? - já não vejo nada por causa das malditas lágrimas que inundam a minha cara, mas percebo que ela está a olhar para mim, a examinar-me. Mesmo sem falar, eu sei que ela não vai desistir e vai insistir exatamente neste ponto. O assunto mais sensível da minha vida.
- Não. Nós temos de falar nisto Eva. Sabes que sim. - Olha para o relógio - a nossa sessão está a acabar, mas na próxima vamos escavar um pouco mais fundo e quero que me fales do Miguel... - não aguento. Não a deixo acabar e saio porta fora a gritar:
- Eu quero que você vá à merda!
Ela quer ajudar-me, mas ao falar do maior erro da minha vida, só está a ajudar a piorar o meu estado.
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EVA
RomanceEsta é uma série de mini textos que foi escrita ao longo do mês de maio de 2021 e que acompanha a luta da Eva contra si própria, contra as suas inseguranças e a sua primeira história de amor, que acabou por ser um pesadelo. Qualquer semelhança com a...