8. VIRGEM

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Último dia da semana era sinónimo de sessão com a psicóloga. Tornou-se uma rotina que eu, surpreendentemente, ia começando a aceitar sem reclamar. Habituei-me à ideia de ver aquela mulher estranha, de cinquenta anos, todas as semanas sentada na mesma poltrona amarela. Gostava de saber qual é a sensação de passar os dias a ouvir os problemas das pessoas e aconselha-las. Será que as psicólogas também andam na psicóloga? Como será que fazem para não se deixarem afetar com o sofrimento e as histórias dos outros? Tenho tantas perguntas... Talvez um dia ganhe coragem para lhas colocar...
Bato à porta, entro e sento-me à sua frente, na mesma cadeira de sempre. Amarela a combinar. Ela tem os óculos equilibrados na ponta do nariz e olha-me com um sorriso no rosto, ao mesmo tempo que fecha o caderno onde escrevinhava.
- Olá Eva. Como estás hoje?
- Estou bem, acho.
- Como estão a correr as aulas? - vamos ignorar o facto de eu ter chumbado no décimo primeiro ano por causa da deceção e do choque que foi descobrir que ele era meu irmão.
- Estão a correr bem.
- Ótimo. Hoje queria falar contigo sobre uma coisa diferente, espero que não me leves a mal. Se te sentires desconfortável com o rumo da conversa, diz que mudamos de assunto.
- Okay...
- Bem, achas que me podes falar um bocadinho de como foi a tua relação com o Miguel, a nível sexual? - O QUÊ!? SÓ PODE ESTAR A BRINCAR! Eu engoli em seco... estava a começar a ficar com calafrios, com uma pressão no final da minha zona abdominal...
- Como assim? Está a perguntar se nós fazíamos sexo?
- Exatamente. - Ela deve querer que eu fale sobre a minha vida íntima, assim sem mais nem menos - Ouve, Eva, sei que não te sentes confortável a falar sobre isso. Sei que sou uma estranha para ti. Mas era fundamental que conseguíssemos explorar este ponto e, eventualmente, perceber se os teus traumas estão associados ao facto de teres tido relações sexuais com o teu irmão. - Eu estava prestes a cair para o lado, mas fiz os possíveis para me manter desperta
- Okay... Acho que podemos tentar...
- Ótimo. Então diz-me, eras virgem quando o conheceste? - as pessoas falam em virgindade como se fosse a coisa mais preciosa do mundo.
- Sim.
- Sentiste, em algum momento, que ele estava a violar a tua intimidade?
- Não - mas hesitei e ela percebeu e anotou no seu maldito caderno
- Ele foi o teu primeiro?
- Sim. - primeiro, último e único, provavelmente, agora até tenho medo de me envolver com alguém, não vá essa pessoa ser mais um irmão que eu não sei que tenho.
- Como foi que te sentiste depois da tua primeira vez? - pergunta para queijinho
- Senti-me... Desiludida. - Admiti, ela ficou surpreendida
- Conta-me mais sobre essa desilusão.
- Eu pensava que ia ser... mágico... À luz das velas... pensava que ia ter toda aquela magia, o amor de que todos falam... Mas enganei-me...
- O que é que te leva a dizer isso? - eu olhei-a bem nos olhos e respondi
- Eu perdi a minha virgindade no carro, num parque de estacionamento abandonado, é suposto eu me sentir feliz depois disso?
- Estou a ver.... - respondeu ela, focando toda a sua atenção para mim e arrumando os óculos e o seu caderninho.
- De certeza que está a ver? De certeza que entende? Sabe o que é descobrir que o rapaz por quem estava perdidamente apaixonada e com quem perdeu a virgindade é, afinal, seu irmão? Sabe o que isso é? Consegue entender? Eu sou um desastre! Eu sou um pecado! Eu sou uma vergonha! Eu perdi toda a pureza, toda a dignidade que tinha! Eu dei um desgosto do tamanho do mundo aos meus pais! Se o meu pai me tivesse dito que teve um filho e uma mulher antes de casar com a minha mãe, a minha vida não seria o inferno que é neste momento!! COMPREENDE!? EU SIMPLESMENTE NÃO MEREÇO VIVER! Está a desperdiçar o seu tempo comigo. - e dito isto levantei-me e fui-me embora. Fui para casa a pé. A chorar. Mas eu sabia que não ia conseguir deixar de vir a estas sessões porque, surpreendentemente, falar com a psicóloga, faz-me sentir segura. E, pelo menos, ela não me julga.

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