Conheci o Daniel exatamente um ano e meio depois de ter conhecido o Miguel. A culpa foi da Doutora Cristina, um anjo que pôs outro anjo na minha vida. A minha relação com a doutora é muito mais para além da relação de psicóloga-paciente. É uma relação de amizade, compreensão, apoio, fraternidade... Ela tornou-se parte da minha vida e eu tornei-me parte da vida dela ao ponto de que eu agora sou convidada das suas festas de família. E foi numa dessas festas de família, a festa do seu aniversário, que conheci o seu sobrinho Daniel. Foi ela própria que mo apresentou, que me incentivou a aproximar-me dele, a cuidar dele, porque ele estava num processo de recuperação pela morte da sua namorada. Ele parecia feliz, mas, na realidade, estava destruído e ainda à procura de respostas, de uma tábua de salvação. E eu fui essa tábua de salvação.
- Eva, eu sei que neste momento não estás com cabeça para te envolveres com ninguém e eu não quero, de todo, forçar-te a isso, mas tenho uma pessoa para te apresentar. É o meu sobrinho Daniel. Ele é muito parecido contigo no que toca a personalidade, mas também é muito frágil. A namorada dele morreu há três meses num acidente de carro e ele ainda está a recuperar... - imediatamente levei a mão à boca, com o choque, mas enchi-me de compaixão - Era ele quem estava a conduzir o carro... - o meu coração ficou em pedaços - Foi uma noite de inverno, o chão estava molhado e escorregadio da chuva... foi uma tragédia... Ele sente-se muito culpado e está a sofrer bastante...
- Mas, sendo nessas circunstâncias, podia ter acontecido a qualquer pessoa...! - respondi eu
- Eu sei, Eva. Eu tenho tentado dizer-lhe exatamente isso... Mas ele simplesmente não ouve, não aceita... Por isso tenho esperança de que te possas aproximar dele e reforçar a ideia de que não controlamos absolutamente nada na nossa vida...
- Claro que sim, pode contar comigo, vou fazer o que estiver ao meu alcance! - e fiz
Os dias, as semanas, os meses seguintes... Eu estive lá para o Daniel. Ouvi-o. Abracei-o. Vi-o chorar. Vi-o destruído. Desesperado. Percebi a doutora quando disse que ele estava como eu. E tentei cura-lo com amor. Compreensão. Com tudo o que estava ao meu alcance. E consegui. E encontrei a minha nova razão de viver. Passaram-se quatro meses e a nossa cumplicidade e intimidade era visível aos olhos de toda a gente. Éramos amigos, éramos amantes. Éramos tudo. Eu despertei o Daniel para a vida e ele fez-me perceber o que é realmente viver. O que é realmente amar. O que é não depender de alguém. Porque havia amor entre mim e o Miguel, mas era um tipo de amor tóxico e urgente e o nosso amor é tudo menos isso. É um amor que percorre todas as veias do nosso corpo com uma lentidão deliciosa, sem pressa; o tempo de quem diz que o mundo espera por nós, porque já sofremos demasiado e tão de repente que a única coisa que nos resta é ser, deixar acontecer naturalmente. Com o Daniel eu consigo ser a Eva que era antes da morte da minha irmã, antes do Miguel, antes de tudo... consigo ser eu... A Eva que não é tóxica, que não tem medo de si mesma, que não tem vergonha de si própria. Porque a Eva que passou pela morte da irmã, a Eva que passou por uma relação tóxica e por um aborto... Essa Eva não era eu. Era uma pessoa perdida. Uma pessoa com uma energia pesada. Dura que nem uma rocha. E a Eva que eu sou hoje é leve como uma pena e está perdidamente apaixonada e perdidamente feliz.
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EVA
RomanceEsta é uma série de mini textos que foi escrita ao longo do mês de maio de 2021 e que acompanha a luta da Eva contra si própria, contra as suas inseguranças e a sua primeira história de amor, que acabou por ser um pesadelo. Qualquer semelhança com a...