5.AMIGOS

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Terceira sessão. Entro no consultório, mais uma vez, arrastada pelos meus pais e com medo de que continuemos a falar dele. Depois de bater e de ter autorização, entro e encontro a Doutora sentada na mesma poltrona amarela de sempre, a escrevinhar algo no seu caderno de apontamentos.
- Olá Eva. Senta-te. - Eu faço o que ela me diz - Como estás? - encolho os ombros e ela olha-me por cima dos seus grandes óculos azuis graduados e abana a cabeça - Muito bem. Hoje não vamos falar sobre o Miguel. - Eu respiro de alívio - Vamos falar sobre as tuas amizades.
- Amizades? - fico confusa
- Sim. Quero que me fales dos teus amigos. - Não consigo evitar e começo a rir-me - Qual é a graça? - pergunta ela
- Não tenho amigos. - respondo e deixo-a perplexa
- Não tens amigos?
- Não.
- Não acredito que uma rapariga de dezanove anos como tu não tenha amigos. - Engulo em seco
- Eu tinha amigos. Mas afastei-me de todos eles quando comecei a dedicar-me por inteiro à minha relação com o Miguel.
- E porquê?
- Porque eles não iam compreender. Não me iam apoiar. Iam pedir-me para me afastar dele...
- E tu não os ias ouvir mesmo sabendo que a tua relação com o Miguel era tóxica? - fiquei sem palavras
- Sim.
- O Miguel era dependente de ti e tu eras dependente dele. Tinha-te feito bem teres alguém com quem desabafar sobre as tuas inseguranças...
- Eu não precisava de ninguém. Só precisava dele. Ele era o meu único amigo... - respondi-lhe eu, num fio de voz. A Doutora ficou a observar-me durante algum tempo, até se levantar e ficar de pé, em frente à janela, a olhar lá para fora.
- Eva, tu falavas com ele sobre o teu dia a dia? Sobre os teus problemas? Disseste-lhe que também tinhas uma irmã que morreu? - eu sentia cada pergunta que ela fazia como uma facada bem no fundo do meu coração.
- Não... A única coisa que ele sabia era que a minha irmã também se chamava Verónica... - as lágrimas começaram a cair e eu simplesmente não conseguia evitar - ele achou isso uma feliz coincidência
- Alguma vez desconfiaste que o teu pai tinha tido outra mulher antes de ter casado com a tua mãe? Falavam disso em casa?
- Não... - era verdade... Eu não sabia... A minha irmã não sabia... O Miguel não sabia... - isto estava a tornar-se insuportável
- E os amigos dele? - perguntou ela, já sentada na poltrona amarela a escrever alguns tópicos no seu caderno. Aquela era a pergunta que eu mais receava. A pergunta que mais me doía. - Os amigos dele tratavam-te bem? Conheciam-te? - abanei afirmativamente a cabeça e fechei os olhos com força, tentando que as memórias não viessem à superfície de novo. - Alguma vez algum amigo do Miguel teve alguma atitude menos correta contigo? - não, não, não, não quero recordar, não quero falar, não quero lembrar-me dos rapazes nojentos que ele tinha como amigos, não me quero lembrar do Alexandre... Não me quero lembrar do que ele me fez...

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