Capítulo 6 - Bem Me quer

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Hospital Central de Vila do Morro do Céu.

— Seu Tonho, é a terceira vez esse ano que engesso sua perna. Eu já não disse pro senhor não subir na arvore, homem? – Melissa reclamava com seu paciente assíduo.

— Mas "dotora", eu não subi na arvore, foi no "teiado" que tava quase arreando com a chuva. Num foi muié? – Ele pediu o auxílio da esposa, mas a pobre dona Carmem estava com a cara fechada e não disse nada.

— Pois mandasse um de seus netos. Que loucura! Seu Tonho, o senhor não tem mais idade para isso, não. – Ela receitou os remédios para o idoso que estava acompanhado da esposa. – Além disso, que velho tem os ossos tudo fraquinho. E se num der mais para colar os bicho?

— Tá bom, dotora. Eu vou me aquietar. – O homem abaixou a cabeça.

— Pois muito que bem, seu Tonho. Aqui estão as receitas, a senhora passe lá na farmacinha do posto e peça lá. Passem também lá no Joséfino. Que ele vai dar uma muleta pro senhor, não tem necessidade de usar esse pedaço de pau aqui não.

Está bem? Oh, dona Carmem, cuida desse velho e se ele fizer alguma estripulia a senhora me liga, que eu mesma vou lá na sua casa quebrar a outra perna dele.

Os dois velhinhos sorriram.

— Obrigada, doutora. – A mulher agradeceu. – Que Deus lhe dê um bom marido.

Melissa agradeceu por educação. Se ela recebesse dos Céus todos os bons maridos que desejavam a ela, Melissa já tinha um harém. A médica sentou-se na sua cadeira e checou a ficha com os pacientes de consulta. Era bom voltar a ser a "dotora", se sentia tão bem trabalhando, as vezes, até melhor do que se estivesse de folga.

As férias foram boas, bem tranquilas e revigorantes. Foi a primeira desde que se mudou para o interior afim de cuidar da mãe e da avó que se enfermou. Ela foi a única neta que envergou para a medicina. A mesma profissão do pai, que morreu de febre amarela, numa missão que fazia no interior do amazonas.

João Gilberto era o nome dele. Nome de gente importante. Nome de herói, era o que ela sempre dizia. O pai foi seu companheiro de infância e brincava com ela de boneca e cavalinho. Os dois eram inseparáveis quando estavam juntos. Por isso que a foto do pai ficava na parede de seu consultório.

A mãe nunca superou a morte dele e passou anos a fio batalhando contra depressão. Se tornar médica acabou sendo uma forma de trazer um pouco do pai para a vida da mãe. Ela fez porque queria agradar e acabou sendo abraçada pela profissão. Talvez sempre tivesse que ser médica.

Melissa tinha possibilidade de trabalhar em lugares muito mais requintados. Hospitais de grande porte, porque a família de seu pai era sócia fundadora de um hospital conhecidíssimo de São Paulo. Trabalhar lá não seria dificuldade nenhuma.

O problema é que assim como o pai se tornou a ovelha desgarrada da família, que não buscava dinheiro nem fama. E sim, o trabalho heroico de servir ao próximo e as suas necessidades. Melissa acabou fazendo a mesma coisa que seu velho pai.

Ganhava bem menos que merecia, trabalhava bem mais do que deveria. Se virava em cinco, em dez. Já se meteu de fazer um parto de emergência, mesmo não sendo gabaritada. Mas não tinha jeito, o médico não veio naquele dia. Ou ela ajudava ou a criança morria.

Os plantões nem sempre eram terríveis, não como os das grandes cidades, mas acontecia de aparecerem casos bem estrambólicos, como um pedaço de bambu encaixado na perna de um pobre diabo.

O homem gritava que doía os ouvidos. Melissa ajudou o médico plantonista nessa e em outras ocasiões. Havia também os momentos em que a consulta de rotina se tornava encontro com a psicóloga Melissa.

Eu Não Devia Amar Você [FINALIZADA]Onde histórias criam vida. Descubra agora