Estranhos

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— Você viu?

— O quê?

— Como eu realmente estou mais alta que o Jiminnie?

— Meio centímetro?

— Sim, mas ainda assim sou mais alta.

— Ah, tá.

Taehyung estava com a amiga no mercado local, no outro dia: Florzinha lhe mostrou a cidade e então aproveitaram pra fazer compras, no final da tarde.

— Você não acredita em mim, poxa vida...

— Eu acredito, eu acredito... — Ajudou a moça a pegar uma lata de pêssegos em conserva numa estante alta, acabando por sentir o cheiro forte de margaridas que lhe exalava dos longos cabelos — Aliás, esses são ingredientes pra fazer o quê? Pavê?

— Sim, pavê de pêssego — Ela confirmou, verificando se os biscoitos de champanhe, leite, creme e baunilha estavam todos ali na cesta que Taehyung estava carregando — É a sobremesa preferida dele.

— Do Jimin? — Foram andando pra um caixa — Que gosto mais genérico... todo mundo gosta de pavê.

— Eu sei, ué, mas pavê é a que ele mais gosta.

— Uhm...

Taehyung se lembrava de Jimin gostar de algo mais específico, quando crianças, mas não ficou pensando muito naquilo, até porque as pessoas mudam, certo? A própria Florzinha se mostrou tão boa e organizada na cozinha que mal a reconheceu; ela era tão estabanada quando pequena...

— Está muito bom, Flor... — Jimin elogiou a noiva assim que experimentou o doce, depois do jantar — Digo, sempre está bom, mas hoje está muito bom... — Ele chegou pouco mais cedo que no dia anterior, umas oito horas da noite.

— É porque o Taetae me ajudou a fazer — A moça sorriu toda boba, esticando a mão por cima da mesa pra pegar na do namorado, sentado a exatamente noventa graus dela, na ponta da mesa — Não é, Taetae?

— Ah, eu... — Taehyung estava na outra ponta da mesa, com sua mãe do seu lado, e a senhora Park do outro lado de Jimin,as duas na mesma lateral da mesa — Muito pouco, na verdade...

— É mentira! Ele fez o creme pra mim, e conseguiu o deixar tão liso!

— O Taehyung é muito bom na cozinha — Sua mãe concordou com a moça — Ele que tem feito meu almoço já faz uns anos...

— Ah!... Eu também quero um filho assim — A senhora Park brincou, e as três mulheres na mesa riam.

Sim, elas riam, distraídas enquanto Taehyung era fixa e friamente encarado por Jimin. Ele sentiu os dedos tremerem, então engoliu em seco, vendo os lábios grossos do amigo de infância se esticarem brevemente num sorriso lateral que lhe pareceu qualquer coisa de irritado, pelo menos por um instante.

— Eh... então você aprendeu a cozinhar, Taehyung? — Perguntou, abrindo a boca apenas o suficiente pra receber uma colher do pavê de pêssego.

— Am... o-o básico, sim... — Prestou atenção na peça cor de prata escorregando pelos lábios molhados, limpa — Só o básico... — Jimin estava longe dele, a uma distância considerável, no mínimo, ainda assim aquela cena lhe pareceu tão próxima: a perspectiva de repente distorcida por algum motivo.

— Huh... — Ele riu soprado, com aquele elevar do canto da boca mais uma vez, mas tão rápido — Isso sim é uma novidade — Então pôs o quardanapo sobre a mesa, ao lado do potinho de sobremesa vazio, se levantando — Eu sinto muito, mas já vou dizer boa noite...

— Já? — A senhora Park reclamou baixinho, como que se contendo: Florzinha, no entanto, se levantou com um bico na boca, realmente revoltada:

— Mas você voltou cedo, hoje!... Você poderia pelo menos...

— Flor, a gente conversa no quarto — Jimin pediu, apenas, então olhou pra senhora Kim — Tia, espero que a senhora não se importe...

— Imagina, você deve estar cansado — Taehyung olhou de soslaio pra sua mãe, abanando a mão num gesto negativo — Não se preocupe com isso.

Não se preocupar com aquilo... era uma coisa que Taehyung não estava conseguindo fazer, mesmo depois de ter lavado a louça do jantar. Jimin estava tão diferente... bem, claro, estava crescido, nem um pouco parecido com o que Taehyung havia tentado imaginar, mas não era nem por aquilo. Ele parecia simplesmente tão... sério, e cansado, e algo de insatisfeito. Insatisfeito com alguma coisa.

— Ah!... — Suspirou, apagando a luz da cozinha e subindo as escadas que dava pros quartos, quando algo lhe veio de repente à cabeça."Talvez porque eu passei o dia com a namorada dele", foi o que pensou. "Ontem desde que cheguei e hoje, então talvez..."

Era sua amiga de infância, por isso se aproximou dela tão facilmente assim que a viu, mas não passou pela sua cabeça que poderia deixar Jimin enciumado ou algo parecido. Pra Jimin, Florzinha era mais que uma amiga de infância agora, claro... Tinha que se desculpar com ele, Taehyung estava certo disso, quando ao invés de entrar no quarto que lhe foi concedido, ele passou reto na direção do quarto com a porta um pouco aberta, apenas uma fresta, mas que deixava escapar um facho da luz ainda acesa.

"Vou falar com ele, e me desculpar por qualquer coisa", foi o que pensou, se aproximando do quarto, olhando despreocupado pela fresta da porta.

Sim, apenas uma fresta na porta, mas uma fresta larga o suficiente pra que fosse possível ver dois corpos de pé abraçados juntos: o corpo de Jimin e da sua noiva, abraçados; ambos com os robes caídos pelos ombros, com os lábios de ambas as bocas colados.

Taehyung não teria tido tempo de sentir o arder nas bochechas antes de correr se não fosse por algo o ter prendido estático ali aonde estava por mais alguns milésimos de segundo. Ele não teria tido tempo, mas Jimin abriu os olhos, o mínimo, mas o suficiente para o encarar, fixa e friamente, e tão intensamente que Taehyung não se viu com outra opção a não ser o encarar de volta, por pelo menos alguns milésimos de segundo, que foi o que durou até Jimin passar a língua pelos lábios da moça. Ela gemeu, e aquilo o acordou do transe em que estava: girou nos calcanhares e voltou pro seu quarto, sem se preocupar com o barulho que fez com os sapatos; fechou a porta atrás de si, encostou as costas nela e se deixou escorregar até estar sentado no chão frio, com as mãos apertando os joelhos trêmulos.

— Deus!... — Ofegou, puxando pros pulmões uma grande quantidade de ar que de repente sentiu que lhe estava faltando — O que foi isso...?

Não "o que foi isso?" um casal de noivos se amando à noite. Aquilo era normal, aquilo era o esperado, mas "o que foi isso?" que estava sentindo depois de ver tão pouco, e tão sem querer? Era como se estivesse sentindo a culpa e a vergonha de estar espiando de propósito, ou pior... Era como se Jimin o tivesse convidado pra ver. Para o torturar. Ou apenas por ceder. E aquilo era tão estranho. 

More than friends - VminOnde histórias criam vida. Descubra agora